No momento mais tenso das manifestações de junho de 2013, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), chamou seus secretários mais próximos para uma reunião de emergência. O Palácio dos Bandeirantes estava sitiado por “black blocs” enfurecidos, e as principais vias da capital paulista transbordavam insatisfações contra os políticos. Em todo o país, estudiosos de ofício, de plantão e de ocasião tentavam interpretar a revolta. Em meio a esse clima, era natural os presentes ao encontro convocado por Alckmin esperarem dele uma complexa análise da conjuntura política e social. Médico de 61 anos, nascido em Pindamonhangaba, São Paulo, ele dispensou o diagnóstico e foi direto à terapêutica: “De agora em diante, o uso do avião do governo por parte de qualquer um aqui dentro só se dará em caso de infarto agudo do miocárdio. Quanto ao helicóptero, ele será vendido”.
A cena descreve à perfeição a maneira como Alckmin interpretou o sentimento expresso pelas ruas, que derrubou a avaliação de sua gestão de 52% de aprovação para 38% em 30 dias. “Ele percebeu que, antes de qualquer outra coisa, era preciso fazer mudanças concretas e ter postura firme para nos adequarmos ainda mais ao espírito das ruas”, afirma Edson Aparecido, secretário da Casa Civil de Alckmin em 2013. Naquele momento, poucos apostariam na reeleição de Alckmin. As manifestações contavam com a simpatia da população, e a polícia de Alckmin se tornou uma espécie de símbolo da truculência. O caso mais comentado foi um tiro de bala de borracha que atingiu o rosto de uma repórter.
No Rio de Janeiro, passeatas pediam a renúncia do governador Sérgio Cabral, e manifestantes acampavam em frente a sua casa. Temia-se que o mesmo acontecesse com Alckmin. O episódio do helicóptero revela a diferença entre os dois governadores. Num sinal de austeridade, Alckmin pôs a propriedade do governo paulista à venda – feita em maio deste ano, para a Assembleia de Deus, por R$ 1,9 milhão. Cabral sofreu forte desgaste ao usar o helicóptero do governo do Rio de Janeiro para finalidades particulares. Alckmin acabou eleito, no início do mês, para o quarto mandato como governador de São Paulo, com 57% dos votos. A vitória levará o PSDB a 24 anos de permanência no Palácio dos Bandeirantes.
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Poucos políticos pareciam tão pouco identificados com as manifestações de junho quanto Alckmin. Paradoxalmente, poucos souberam interpretar tão bem o espírito de junho quanto ele. Outro episódio que demonstra isso ocorreu no calor das manifestações. No dia 19 de junho, Alckmin recebeu uma ligação do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, dizendo que estava a caminho do Palácio dos Bandeirantes. Assim que chegou à sede do governo, Haddad disse que não aguentava mais a pressão e estava disposto a reduzir o preço da tarifa do transporte público, de R$ 3,20 para R$ 3,00, a principal reivindicação dos manifestantes. Alckmin respondeu que concordava e que o ajudaria. Para sua surpresa, Haddad disse: “Você poderia, então, chamar a imprensa agora aqui no Bandeirantes para a gente anunciar a redução?”. Aparecido ouviu de Alckmin: “Chame o Márcio Aith (secretário de Comunicação). Precisamos fazer essa coletiva logo, antes que o prefeito Haddad mude de ideia”. Dessa forma, a medida que serenou os ânimos foi anunciada na sede do governo paulista, com Haddad ao lado de Alckmin. A iniciativa foi de Haddad, mas foi Alckmin quem apareceu com mais destaque no anúncio da bondade.
Em agosto de 2013, Alckmin tomou mais uma medida concreta para conter o desgaste provocado pelas manifestações. Ele demitiu o coronel Cesar Augusto Morelli do comando da PM, após episódios de excesso de violência dos policiais para conter manifestantes em junho e julho, auge dos protestos. Para seu lugar, foi destacado Carlos Savioli, com a instrução de respeitar o direito à manifestação dos cidadãos. Nem sempre, no entanto, “ler as ruas” significa fazer tudo o que os manifestantes querem. Alckmin sabia, por intuição e por pesquisas, que a população queria um governo tolerante com os manifestantes pacíficos, mas duro contra os violentos – em especial, os adeptos da tática black bloc. Assim foi a ação de sua polícia. No auge dos confrontos, Alckmin contou com um pouco de sorte. Não houve nenhuma vítima fatal.
De junho até outubro, Alckmin e seus auxiliares tiveram de se dedicar à tarefa cotidiana que o governador define como “amassar barro”. Em tradução livre: trabalhar. Em análises reservadas, tucanos reconheciam que o governo apresentava desempenho abaixo do esperado, com obras em velocidade reduzida, além de denúncias graves de superfaturamento, cartelização e pagamento de propina nas licitações do sistema de trens metropolitanos e metrô de São Paulo. No caso das denúncias, Alckmin adotou a postura de afirmar que o Estado era uma “vítima” e de que não seria “conivente”. “Precisamos investigar, doa a quem doer”, disse Alckmin em várias ocasiões. As denúncias continuavam a pipocar na imprensa, embora nenhuma o envolvesse diretamente. O PT se antecipou e começou a trabalhar a candidatura do então ministro Alexandre Padilha ao Palácio dos Bandeirantes. Em todos os encontros petistas, entoava-se um mesmo mantra: chegara a hora de tirar os tucanos do poder em São Paulo.
Além de denúncias envolvendo o sistema de trens e de metrô, Alckmin teve de superar problemas administrativos graves |
Falta d’água |
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Setembro/2014 |
Na reta final da campanha, sobreveio a crise de abastecimento de água. Ele conseguiu garantir o abastecimento pelo menos até o primeiro turno |
Violência policial |
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Agosto/2013 |
Durante as manifestações, policiais militares investiram até contra jornalistas. Alckmin trocou o comandante da PM e mudou as diretrizes de atuação |
Greve do metrô |
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Junho/2014 |
Às vésperas da Copa do Mundo, metroviários de São Paulo entraram em greve e ameaçaram a abertura do torneio. Alckmin demitiu líderes da categoria e esvaziou o movimento |
Protestos |
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Junho/2013 |
Com o Bandeirantes sitiado por manifestantes que tentaram derrubar o portão principal, Alckmin determinou mudanças radicais no governo, entre elas a venda do helicóptero oficial |
No final de 2013, a aprovação do governo paulista já estava em 41%. Era a hora de ampliar as costuras políticas para a disputa da reeleição. Alckmin decidiu por uma estratégia arrojada: aproximou-se do então governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), um aliado histórico do PT que, naquele momento, preparava sua candidatura a presidente. As principais conversas tiveram início há quatro anos, quando o deputado federal Márcio França (PSB) foi nomeado secretário estadual. Foi França quem aproximou Alckmin de Campos. O PSB queria ter candidatura própria ao governo de São Paulo. O nome preferido era França, enquanto Walter Feldman trabalhava para indicar Gilberto Kassab (PSD) como vice de Alckmin.
Alckmin estava receoso de que a rejeição a Kassab, expressa em todas as pesquisas, pudesse atrapalhá-lo. Um dos conselheiros que recomendou a ele evitar Kassab foi o cientista político Antonio Lavareda. “Entre ter discurso ou tempo de TV, ele preferiu o discurso”, diz um aliado que participou das negociações. Numa jogada inteligente, Alckmin trabalhou para ter França como seu vice. Com isso, a candidatura de Alckmin ganhou frescor. A do empresário Paulo Skaf (PMDB) envelheceu, até por causa dos apoios de Kassab e de Paulo Maluf (PP).
Em junho deste ano, com a campanha pronta para ir às ruas, uma greve dos metroviários paralisou a capital às vésperas do início da Copa do Mundo, cuja abertura estava prevista para o estádio do Corinthians, na Zona Leste. O jogo dependia do transporte sobre trilhos para a locomoção dos torcedores. Alckmin, no programa Fantástico, da TV Globo, afirmou que demitiria os funcionários grevistas, porque a paralisação já fora declarada ilegal pela Justiça. A dois dias da abertura da Copa, após o governo ter demitido 42 grevistas, a categoria voltou ao trabalho. Enquanto isso, o governo federal adotava postura de “negociação” com os movimentos e sindicatos que, naquele momento, usavam a Copa para pressionar autoridades. Na avaliação de seus aliados, Alckmin saiu fortalecido.
A morte de Campos, no dia 13 de agosto, abalou Alckmin. Ele passou a ter até medo de voar de helicóptero e avião. Recebeu de França a notícia, quando já se encaminhava para Santos, onde o avião caíra. A candidatura do aliado Campos deu lugar à de Marina Silva. Desde o início, ela afirmou que não subiria no mesmo palanque de Alckmin. Em conversas privadas, Alckmin disse que ela não seria eleita presidente, porque não tinha a confiança do povo e seria massacrada pela propaganda do PT. Marina ficou fora do segundo turno.
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Na reta final da campanha, um novo – e grave – problema passou a preocupar os paulistas: a falta d’água. O longo período de estiagem castiga os reservatórios do Estado e ameaça o abastecimento de cidades importantes, entre elas a capital. Alckmin assumiu pessoalmente o gerenciamento da crise e o acompanhamento dos níveis dos reservatórios. Sem perder tempo, lançou um bônus para quem economizasse água e ordenou a retirada do volume morto do Sistema Cantareira. O problema está longe de resolvido. Alckmin é acusado de negligência – um relatório elaborado há dois anos alertara para o problema –, e os paulistas continuam irritados com a seca. As medidas, no entanto, serviram para garantir o abastecimento ao menos até o primeiro turno da eleição.
O primeiro mandato de Alckmin foi de 2001 a 2002, depois da morte de Mário Covas, de quem era vice. Em 2002, ele se reelegeu para mais quatro anos. Em 2006, perdeu a disputa para a Presidência para Luiz Inácio Lula da Silva. Voltou ao Bandeirantes em 2011. Agora terá o direito de ficar lá até 2018. Quem convive com Alckmin afirma que os últimos quatro anos, com tantos enfrentamentos políticos, serviram para sepultar a fama de “picolé de chuchu”. É esse novo Alckmin que voltou a acalentar o sonho de ser presidente do Brasil.