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Vissotto vira herói no Japão e foge de armadilhas para cabeça e joelhos

"É um campo minado invertido", conta oposto de 2,12m. Ao quebrar longo jejum para time de Hiroshima, brasileiro vê prestígio crescer proporcionalmente ao seu tamanho

Por Rio de Janeiro

Hiroshima remontava aos bancos de escola. Ao tempo em que Leandro Vissotto tinha História como matéria predileta e sabia tudo sobre Segunda Guerra Mundial. Não imaginava que anos mais tarde, aquele cenário retratado nas páginas dos livros - devastado por uma bomba atômica em 1945 - fosse ser sua nova casa. Desde outubro, o oposto da seleção defende o JT Thunders e logo em sua primeira passagem pelo Japão ajudou a pôr fim a um jejum de sete temporadas. O troféu da Copa do Imperador foi para a galeria do clube, rendeu homenagens do prefeito, do governador e o carinho pelo campeão mundial e medalhista olímpico só fez aumentar. O prestígio é proporcional ao seu tamanho.

Leandro Vissotto no Japão (Foto: Instagram)Leandro Vissotto comemora título da Copa do Imperador (Foto: Instagram)


Aquele brasileiro de 2,12m destoa dos companheiros fisicamente. Precisa de mais atenção do que eles para se movimentar nos recintos, nos espaços pequenos que tanto caracterizam o país. Por vezes as pernas sofreram e a cabeça também. Em outras situações, arrancou risadas dos demais jogadores ao chegar pedalando a bicicleta da mulher no jantar de fim de ano do time. Descobriu que os homens por lá não fazem uso do modelo. Achou graça. Com o passar dos meses, diz se assustar ao ver que se sente cada vez mais japonês. Gosta da comida, da cultura, dos hábitos, de passar por vitrines de lojas e ver todos os heróis da TV que são febre por lá (cresceu assistindo a Jaspion, Power Rangers, Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball Z) ao alcance das mãos. 

- Eu me sinto em casa. Se falasse o japonês ia ficar tudo 100%. Durante o jogo eles gritam "Vamos" e eu grito em japonês (risos). Aqui tenho que estar sempre atento a tudo. Quando entro nos lugares tem sempre alguma pilastra, cartaz e até o teto junto a minha cabeça. É um campo minado invertido. Já acertei minha cabeça e joelhos nas mesas algumas vezes aqui (risos). Nos hotéis, o clube sempre providencia uma cama extra para completar a que vou dormir. Antes de vir para cá, conversei com o Thiago Alves (ex-companheiro de seleção que atua no Panasonic Panthers, vice-campeão da Copa do Imperador) para saber como era e ele me deixou muito tranquilo, dando um feedback muito positivo. Me ajudou demais - afirmou.

Leandro Vissotto no Japão (Foto: Instagram)Vissotto com as filhas no Memorial da Paz de Hiroshima (Foto: Instagram)


Dentro de quadra a adaptação também foi bem rápida. Diz que o estilo local de jogar, mais técnico, se encaixou bem ao seu, que define como um misto de físico e técnico. Nos últimos 11 anos, Vissotto passou mais tempo jogando no exterior. Após seis na Itália, retornou para defender o Vôlei Futuro. Na temporada seguinte, resolveu voltar para o vôlei italiano. A próxima parada foi a Rússia. Decidiu que depois dali era a hora de fazer as malas e fixar moradia em sua cidade natal. No entanto, o sonho de ficar perto da família e dos amigos acabou virando pesadelo. Com a saída do patrocinador master da equipe do Rio de Janeiro e os atrasos de salários, o oposto esperou o que pôde, mas acabou fechando contrato com o Suwon Kepco 45, da Coreia do Sul. Durante a Liga Mundial 2014, aceitou a proposta japonesa.  

- Eles, como natureza do povo, são bem respeitosos e têm grande admiração pelo vôlei brasileiro. Desde o começo tenho sido tratado superbem. A repercussão do título da Copa do Imperador foi enorme. O time tem 82 anos e nunca venceu um campeonato (V. Premier League), então a expectativa é enorme. Vamos para os playoffs como um dos favoritos ao titulo. Estou bem feliz aqui e gostaria de continuar. Mas na nossa vida de atleta profissional tudo pode mudar de um ano para o outro, e uma volta ao Brasil não está descartada. Antes de vir para Hiroshima, conhecia bem como tudo aconteceu na Segunda Guerra. E a lição que tiro é que muitos pagam um preço altíssimo pela ganância, grandeza e sede por poder de poucos. E que você pode destruir um país, mas não a identidade de um povo. Com as devidas proporções, vemos o mesmo no Brasil, um país sem educação, saúde pública, infraestrutura. Fico chocado em saber que o Japão foi reduzido a pó há 70 anos e é a potência de hoje. O Brasil tem condições para ser um país deste nível e estamos muito atrás não só economicamente, mas cultural e civilmente.

Mosaico Leandro Vissotto (Foto: Montagem sobre foto do Instagram)(Foto: Montagem sobre foto do Instagram)


Mesmo de longe, Vissotto vem acompanhando os desdobramentos da crise da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) - com indícios de irregularidades na gestão de dinheiro público apontadas no relatório da Controladoria-Geral da União - e o embate da entidade com a Federação Internacional (FIVB). Lamenta o episódio e diz que "existe a justiça e que essa deverá trazer luz às verdades". A cabeça está no ano pré-olímpico, na contagem regressiva para os Jogos do Rio. Sabe que em 2016 haverá uma grande expectativa sobre a seleção e que o grupo precisará manter a concentração para transformar as pratas das duas últimas edições em ouro.

- Acho importante todos estarem se cuidando para chegarem fisicamente bem, pois o ano olímpico é sempre duro no quesito preparação. A pressão é clara e não vai mudar, o que muda é como nós vamos reagir e encarar essa pressão. Isso muda de jogador para jogador. A comissão técnica conhece bem seus atletas e vai trabalhar para que cada um possa dar o melhor.