RIO - Corria o ano 2000, e o tecladista inglês Rick Wakeman se apresentava em Buenos Aires.
— Um jovem chegou e me pediu para autografar uma cópia do ( álbum ) “The six wives of Henry VIII”. Perguntei a idade dele, que tinha 16. Questionei como alguém tão jovem gostava dessa música velha. Ele ficou irritado! E disse: “Pode ser velha para você, senhor Wakeman, mas é nova para mim. Só ouvi o disco na semana passada. Adorei, e é novo. Por favor, não se esqueça de que a sua música será sempre nova para quem a está ouvindo pela primeira vez” — conta o músico de 65 anos.
Ondas vêm, ondas vão, e os astros do rock progressivo dos anos 1970 não perdem seu espaço — seja em Buenos Aires ou no Rio. Assíduo na cidade desde 1975 (quando se apresentou no Projeto Aquarius, com o maestro Isaac Karabtchevsky), Wakeman baixa no dia 29 de outubro no Teatro Bradesco para lembrar o disco “Journey to the centre of the Earth”, que completa 40 anos em 2014. Mas a festa carioca do prog começa hoje, no Vivo Rio, com o show do ex-vocalista do Supertramp Roger Hodgson. Amanhã, a mesma casa recebe Jon Anderson, ex-vocalista e fundador do Yes (por onde também passou Wakeman, em discos célebres como “Close to the edge” e “Fragile”). E, no dia 20 de novembro, o Vivo Rio abre suas portas para o espetáculo em que a banda americana Kansas comemora quatro décadas de carreira.
— O progressivo trouxe uma diversidade muito rica para a música, do fim dos anos 1960 ao começo dos 80. Eram muitas pessoas na Inglaterra, nos EUA, fazendo coisas novas, criando arranjos diferentes, em constante mudança. Havia uma sensação de que se estavam quebrando barreiras — observa o britânico Hodgson, de 64 anos.
— Todos sentíamos que não precisávamos fazer hits , mas sim álbuns — lembra o também inglês Jon Anderson, 69 anos. — E não bastava ficar tocando o que tínhamos de melhor, tínhamos que progredir, experimentar. Éramos contra aquela coisa do business , de gravar apenas pelo dinheiro.
Junto a outros grupos britânicos como Genesis, Pink Floyd, King Crimson e Jethro Tull (cujo líder, Ian Anderson, será atração da edição de 2015 do festival catarinense Psicodália, em fevereiro), o Yes foi fundamental para que os americanos do Kansas dessem seus primeiros passos e chegassem em 1976 a “Leftoverture”, álbum com o qual o progressivo demarcou seu território nos Estados Unidos.
— Quando começamos, queríamos compor nossas próprias canções, que tivessem temas originais, e que fossem além daquela costumeira progressão de três acordes. Queríamos compor música que fosse única — diz o guitarrista (e fundador) do Kansas Richard Williams, de 64 anos. — E o rock progressivo que começou a vir da Europa foi muito útil ao nos fazer ver que havia outras formas de fazer música, fora da caixinha. Outros acordes, marcações de tempo e conceitos de letras.
Quando o sonho acabou
Mas todo carnaval tem seu fim, e o prog acabaria sendo abatido em pleno voo, ainda nos anos 1970.
— As coisas mudaram, vieram a discotheque e o punk, e as gravadoras repararam que era cada vez mais fácil arrecadar rápido com música para dançar ou para bater cabeça. Os músicos gostaram, e isso se seguiu nos anos 1980 — avalia Jon Anderson. — Conosco, isso se refletiu em “90125” ( álbum do Yes que estourou nas rádios em 1983 com a canção “Owner of a lonely heart” ), em que tentamos imprimir um sonho musical, mas às vezes ficava muito difícil controlar isso dentro da indústria.
— Depois dos Bee Gees, ficou muito complicado. Havia muita pressão das gravadoras para que os artistas ficassem mais pop. E essa nunca foi a nossa natureza — reconhece Richard Williams, que no entanto ajudou o Kansas a fazer muito sucesso em 1982, com o rock de arena “Play the game tonight”.
Roger Hodgson também sentiu o baque. Depois de “It’s raining again”, canção de grande sucesso do Supertramp em 1982, ele deixou a banda e aos poucos foi se afastando da indústria.
— Deixei de excursionar e fui cuidar da família.
Passados — há muito — os anos 1980, hoje o velho progressivo tem tido acolhida bem mais generosa. Sem Jon Anderson e Rick Wakeman, o Yes pôde ser visto no ano passado lotando casas de shows no Brasil com a recriação ao vivo de seus álbuns clássicos. Na impossibilidade de uma volta do Genesis, o Teatro Rival recebeu há alguns dias a banda cover argentina Genetics, para reviver os grandes espetáculos dos ingleses na fase do vocalista Peter Gabriel. E a vinda de Ian Anderson, do Jethro Tull, para o Psicodália 2015 tem sido festejada por jovens e veteranos fãs.
— Era um sonho antigo nosso trazê-lo — conta Alexandre Osiecki, um dos organizadores do festival psicodélico, que já tem 11 anos e acontece numa fazenda na cidade de Rio Negrinho, em Santa Catarina. — O Jethro Tull é uma banda que a garotada descobriu por intermédio dos Mutantes. Eles ouvem a banda na fase Rita Lee, chegam aos Mutantes progressivos e depois vão atrás das influências.
— Não há dúvida de que, mesmo que nunca volte a ser enorme como foi nos anos 1970, o rock progressivo está tendo uma recuperação e voltou a crescer — aponta Rick Wakeman, citando nomes de artistas que levaram adiante o estilo no novo milênio. — Adoro o Muse, e o Mars Volta também é muito peculiar. Existem várias novas bandas surgindo e tocando suas próprias formas de prog, e isso é saudável para a música.
A influência dos mestres do progressivo é perceptível hoje em dia também na banda escocesa Biffy Clyro — tanto na música quanto nas capas dos seus discos, de Storm Thorgerson, responsável pela identidade visual do Pink Floyd. Nesta semana, pouco antes de se apresentar no Brasil, o líder Simon Neil reconheceu o seu débito.
— Nossos discos têm um fluxo, as canções são interligadas, mesmo que só musicalmente. Nesse sentido, acho que temos esse espírito progressivo.
Para Jon Anderson, o novo prog está, hoje, nos palcos:
— Na Austrália, fiquei reparando em bandas jovens que nunca tinham gravado um disco, mas que eram ótimas.
— Mas, se estivéssemos começando agora, nada teria acontecido — acredita Richard Williams, do Kansas. — Nos anos 1970, era muito comum discos venderem mais de um milhão de cópias. Agora é um milagre se chegam a 100 mil.
Roger Hodgson / Jon Anderson
Onde: Vivo Rio— Avenida Infante Dom Henrique, 85, Parque do Flamengo (2272-2919)
Quando: Sábado (18), às 22h (Hodgson) e domingo (19), às 20h (Anderson)
Quanto: De R$ 80 a R$ 380 (Hodgson) e de R$ 80 a R$ 300 (Anderson)
Classificação: 16 anos