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Brandon Garrett: “Quem tem mais dinheiro recebe pena menor”

Brandon Garrett: “Quem tem mais dinheiro recebe pena menor”

O jurista celebra o fato de que, em 2015, os Estados Unidos baterão o recorde de multas aplicadas por fraudes. Mas gostaria de ver mais executivos e empresas enfrentando julgamento

MARCOS CORONATO
09/09/2015 - 08h00 - Atualizado 09/09/2015 08h00
DIANTE DO JUIZ Brandon Garrett, professor de Direito. Alguns procuradores querem levar casos a julgamento, em vez de optar pelos acordos (Foto: Holly Borrelli/divulgação)

A dureza das sentenças na Justiça é inversamente proporcional à riqueza do condenado. A crítica é apresentada pelo jurista americano Brandon Garrett, professor de Direito na Universidade da Virgínia, no livro Too big to jail (Grande demais para ser preso, sem previsão de publicação no Brasil). O título é um trocadilho com a expressão “too big to fail”, grande demais para falir, usada nos Estados Unidos em debates sobre socorro governamental a grandes companhias em apuros financeiros. Garrett avaliou casos e sentenças em crimes envolvendo empresas nos Estados Unidos entre 2001 e 2012. Ao longo desse período, houve acusações variadas contra gigantes como Arthur Andersen, Google, HSBC, KPMG, Pfizer e Siemens. O jurista mostra como a legislação americana se tornou mais elaborada, a fim de acompanhar a complexidade dos esquemas de fraude e corrupção. Mas conclui que os juízes não usam todos os instrumentos a seu dispor. Altos executivos são menos condenados e tendem a receber multas, em vez de prisão. Empresas maiores beneficiam-se mais frequentemente de acordos com o Ministério Público, em vez de enfrentar julgamento (nos Estados Unidos, empresas podem ser julgadas como indivíduos). Mas ele detecta uma mudança recente no comportamento de alguns promotores, que querem levar mais casos de colarinho-­branco a julgamento. “Começamos a ver algumas mudanças nesse padrão, o que considero realmente bom”, afirma o pesquisador.

ÉPOCA – O senhor afirma que criminosos de colarinho-­branco, nos Estados Unidos, recebem punições menores que outros criminosos não violentos. Os executivos criminosos tendem a ser punidos com multas, em vez de prisão.  Por quê?
Brandon Garrett –
É difícil comparar esse tipo de crime com outros, e ainda é difícil definir as punições para executivos. A punição será com base no papel dele no esquema, na quantidade de dinheiro desviada, no dano causado às vítimas, em alguém ter sido ameaçado de alguma forma? O indivíduo que comete crime ao atuar numa corporação pode ser parte pequena num esquema que desvia milhões de dólares. Ainda há perguntas difíceis sobre como sentenciar indivíduos por crimes financeiros. Tem havido muito debate a respeito nos Estados Unidos.

ÉPOCA – Sua pesquisa para o livro inclui dados da Justiça até 2012. Desde então, notou alguma nova tendência?
Garrett –
Atualizo os dados ano a ano. Avalio, neste momento, os dados sobre processos do Poder Público contra crimes empresariais concluídos até a primeira metade deste ano. Continuamos a ver um enorme aumento nas multas aplicadas a empresas. Teremos um novo recorde em 2015. O caso (do banco francês) BNP Paribas, sozinho, é notável (em maio, uma juíza condenou o banco a pagar US$ 8,9 bilhões em multas por atuar nos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, fazer negócios com Sudão, Cuba e Irã, sob sanções americanas). Venho observando com mais atenção em quais casos empregados são processados individualmente pelo poder público. Não achei uma tendência clara de mudança. Os empregados tendem a ser alvo de processos individuais em cerca de um terço dos casos em que há processos criminais contra as empresas em que trabalham. Os condenados tendem a ser executivos de escalões inferiores e tendem a ser punidos apenas com multa, em vez de prisão. Procuradores vêm dizendo querer se concentrar mais nesse tipo de acusação, mas não vemos ainda nenhuma mudança nessa direção. Uma tendência observável é que os procuradores insistem em obter confissões (em troca de abrandamento de pena). Há críticas nos Estados Unidos ao excessivo uso, pelos procuradores, desses acordos de cooperação, e à relutância dos procuradores em buscar condenações em Corte, mesmo para os casos mais sérios. Começamos a ver algumas mudanças nesse padrão, o que considero realmente bom. Alguns procuradores vêm confiando mais em levar os casos à Corte e tentar chegar a uma sentença definida por um juiz.

ÉPOCA – O senhor dedica parte do livro à “instrução avestruz” – uma instrução dada ao júri, em casos de fraude e corrupção, para lembrá-lo que o alto executivo que evita saber dos crimes de seus subordinados também comete crime. A instrução é aplicada nos julgamentos?
Garrett –
Sim – na Justiça Federal, o padrão é aceitar a instrução. Mas não é fácil provar que alguém ativamente evitou saber de um crime. Altos executivos, normalmente, alegam que não tinham ideia de que empregados sob seu comando estavam cometendo crimes. A acusação tem de provar que o executivo agiu para não saber o que ocorria. A complexidade das corporações hoje dificulta determinar quem sabia o que, especialmente em transações financeiras complicadas, supervisionadas por um monte de gente.

ÉPOCA – Há uma investigação em andamento no Brasil, sobre corrupção na Petrobras e em grandes fornecedores. E há preocupação sobre as consequências econômicas, para o país, dessa investigação. Como procuradores e juízes nos Estados Unidos lidam com esse tipo de preocupação?
Garrett –
Certamente, os procuradores nos Estados Unidos pensam nisso, antes de apresentar uma acusação. Eles falam antes sobre os efeitos colaterais das investigações sobre gente decente, funcionários, acionistas e outras partes interessadas. Considero uma preocupação legítima. A acusação contra a empresa se justifica se for contra uma organização sistematicamente corrupta. Mas cabe à promotoria pensar em formas de minimizar as consequências para pessoas que não têm nada a ver com o crime. Há uma preocupação com a prática americana de acusar a corporação, em vez de encontrar nela  os indivíduos que cometeram o crime. Pode ser bom que a empresa pague multas e mude práticas, mas isso pode ser desperdiçado se não houver medidas contra os indivíduos responsáveis pelo malfeito.

"Nos Estados Unidos, quem evita ativamente saber dos crimes dos subordinados também é criminoso"

ÉPOCA – O senhor acompanha o caso da Petrobras?
Garrett –
No caso da Petrobras, há um monte de considerações a fazer sobre como o esquema afeta os contribuintes e o país inteiro. É curioso que, no Brasil, uma companhia seja chamada de “pública” por pertencer ao governo, e não por ser listada na Bolsa. Essas considerações não são feitas nos Estados Unidos, porque não temos empresas de propriedade do governo. Sei que há um processo contra a Petrobras em Nova York, mas não li os detalhes. O caso parece ser que a companhia ocultou riscos dos investidores. É preciso ver em que medida o valor das ações foi afetado pelas más condutas. Nos Estados Unidos, há regras bem definidas para esse tipo de acusação. Os investidores terão de provar que a empresa apresentou dados falsos ou distorcidos, ou que conduziu os negócios de forma negligente. Imprecisões menores nos dados apresentados por uma companhia não resultam numa acusação bem-sucedida. Os processos, frequentemente, dependem dos primeiros passos, de que as exatas alegações iniciais dos acusadores correspondam às evidências apresentadas depois. Tenho de ler mais a respeito! Já tivemos grandes casos de corrupção corporativa nos Estados Unidos, mas nada assim, que parece envolver todos os níveis do governo.

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ÉPOCA – A ideia de julgar uma companhia como se fosse um criminoso, comum nos Estados Unidos, parece estranha no Brasil. Por que julgar organizações, em vez de procurar os indivíduos culpados pelo crime?
Garrett –
O padrão nas Cortes federais dos Estados Unidos é muito claro e forte: uma organização pode ser criminalmente responsabilizada por atos que seus empregados cometam ao atuar em nome da empresa. Essa definição é extremamente abrangente nos Estados Unidos. Nenhum outro país adota esse padrão. Na prática, os promotores tendem a acusar só as empresas em que parece haver uma prática sistemática, e não aquelas em que um empregado parece ter agido por conta própria. Por que processar companhias, se os empregados é que cometem os crimes? Há várias razões. Crimes corporativos podem ser difíceis de investigar e punir – de fora, é difícil saber quem sabia o que e quem fez o quê. Nos Estados Unidos, o procurador pode processar a empresa, garantir que ela coopere com a investigação e ter acesso às informações necessárias. Em alguns países, as empresas têm o direito de evitar a autoincriminação. Elas podem esconder documentos. Nos Estados Unidos, elas não têm esse direito – elas não podem impedir o acesso de procuradores a documentos. Outro motivo é a compensação às vítimas: uma organização tem, mais facilmente que seus executivos, os recursos para indenizações às vítimas. Por fim, uma organização pode estar em melhor posição que um indivíduo para mudar as práticas e evitar a repetição dos crimes. Colocar indivíduos na cadeia pode ser bom para mandar uma mensagem intimidadora, mas a companhia é que pode fazer as maiores mudanças para evitar que certos crimes se repitam. Nos Estados Unidos, isso faz do procurador um tipo de regulador, que luta para mudar práticas ruins consagradas em alguns setores.








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