O futebol catarinense terá, em 2015, mais representantes que
o Rio de Janeiro na Série A do Campeonato Brasileiro. Joinville e Avaí subiram
e se juntarão a Figueirense e Chapecoense na elite, que, pelo segundo ano
consecutivo, terá três cariocas: Flamengo, Fluminense e Vasco. Fato impensável
há pouco tempo atrás. Por quê?
Há explicações de todo tipo: a implantação do modelo
empresarial de gestão nos clubes, a concentração da economia no interior do
estado, a existência de uma associação que caminha paralelamente à federação
local e uma administração paternalista, em que o principal dirigente dá
conselhos, veste todas as camisas e faz discursos no vestiário.
Delfim de Pádua Peixoto Filho comanda a Federação
Catarinense de Futebol desde 1985. Está no sétimo mandato depois de ser
deputado estadual e presidente do Marcílio Dias, time de sua cidade, Itajaí. Antes
mesmo de ele tomar o poder, participou da fundação de uma associação de clubes
que, até hoje, tem influência direta no dia a dia do futebol local.
Pelas palavras dos dirigentes, pode-se dizer que a
associação toma decisões, e a federação, com poder legal, as referenda. Incorporar
Sandro Meira Ricci à arbitragem local, por exemplo, passou pelo crivo dos
presidentes. Cotas de televisão são discutidas ali. As fórmulas de disputa do
campeonato estadual também são sugeridas por eles e, normalmente, aceitas.
- A associação é um órgão que consulto às vezes. Eu não
decido sozinho, me reúno com eles antes do conselho arbitral. Serve para juntar
o pessoal - disse Delfim.
Mas de que maneira esse órgão interfere na ascensão dos
catarinenses? A associação ajudou a dar uma condução homogênea dos clubes. Cada
um com sua característica, claro, mas debaixo de conceitos empresariais. Quase
todos os presidentes são influentes em negócios locais. É o caso de Nereu
Martinelli, que toca o Joinville, atual campeão da Série B, e é dono de uma das
grandes empresas de auditoria do país.
- Gastamos só o que podemos gastar. Todos os salários e
premiações estão em dia. Neste mês, vamos pagar mais R$ 300 mil, a diferença
pelo título. Ainda não fechamos o orçamento de 2015 porque não sabemos o valor
das cotas, mas há muito do lado empresarial na gestão dos clubes de Santa
Catarina - explicou.
Antes de assumir a presidência, Nereu foi diretor de futebol.
Diz que encontrou a equipe jogando com a camisa de um clube de Jaraguá do Sul e
com as categorias de base terceirizadas. Valoriza a construção de um centro de
treinamento e algumas medidas, como plano de saúde a todos os jogadores (com
dependentes), que também se tornaram sócios da parte social.
Para disputar a Série A, depois de 28 anos, ele já renovou o
contrato de oito titulares, aposta de peças estratégicas como o técnico
Hemerson Maria, o auxiliar Ramón Menezes, exímio cobrador de faltas nos tempos
de jogador, e o superintendente César Sampaio, de extenso e glorioso currículo.
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- Vou ter que mudar o sistema de premiação. Em 2014, criei
metas em conjuntos de jogos, onde eles ganhavam de acordo com uma pontuação
mínima ou máxima. Mas o modelo de gestão não vai mudar. Não vejo como trabalhar
num clube que deve um mês de salários. Eu já consegui até pagar uma semana
antecipado. O Sampaio disse que nem no Japão viu isso - enalteceu o presidente.
Pagar em dia é um dos conselhos com cara de exigência que
Delfim alega dar aos filiados nos encontros, sejam da federação ou da
associação, que costuma se reunir a cada três meses e é presidida, atualmente,
por Wilfredo Brillinger. Ele também comanda o Figueirense e a Prosul, empresa
de engenharia que atua na área de infraestrutura urbana em Florianópolis e ainda
gerou a Angra, do ramo da construção civil residencial.
Outras sugestões de Delfim são mais didáticas: investir nas
categorias de base e não contratar jogadores veteranos. Ele explica:
- Esses jogadores acabavam a carreira no Rio ou em São
Paulo e vinham pra cá aproveitar as delícias das praias de Santa Catarina.
Jogavam um ano, iam para o boteco e não rendiam.
Brillinger quer aumentar a influência empresarial na
administração do Figueirense. Por lá, nem tudo são flores. A dívida de R$ 56,8
milhões incomoda, e há uma forte cobrança de opositores pela situação
financeira. Na última sexta-feira, ele apresentou um projeto de gestão
compartilhada entre o clube e uma empresa a ser criada no modelo de Sociedade
Anônima.
Essa empresa assumiria as dívidas do clube e teria 15 anos
para dar retorno aos investidores. O presidente diz que só será candidato à reeleição
no pleito do próximo dia 16 caso esse projeto tenha aceitação.
- Quero transformar o Figueirense num clube-empresa,
desvincular o futebol porque tenho investidores interessados na marca
Figueirense. No modelo atual, ninguém vem. Dessa forma, poderemos montar um
elenco mais qualificado, crescer a torcida, sem perder o comando da gestão.
A ambição do Figueirense contrasta com a cautela adotada
pelo presidente da federação. Num jantar com os presidentes dos quatro clubes
da Série A, mais o Criciúma, rebaixado para a segunda divisão, Delfim de
Pádua Peixoto Filho voltará a determinar que a maior preocupação será manter-se
na elite.
- Direi o que já digo há anos: vamos devagar. Se pudermos
continuar crescendo, uma hora vamos disputar coisas maiores.
Delfim foi um dos vice-presidentes eleitos para o próximo
quadriênio da CBF, na chapa de Marco Polo Del Nero, que assumirá o poder em
abril de 2015. O catarinense é muito próximo dele e de José Maria Marin. Foi um
dos favoráveis, por exemplo, à queda de Luiz Felipe Scolari após o vexame
da seleção brasileira na Copa do Mundo.
Influente, ele admite ter trânsito na Confederação
Brasileira de Futebol. Em Santa Catarina, sua federação dá um carro ao campeão
estadual, mas ele jura jamais ter ajudado clubes com dinheiro, apesar de
subsidiar as divisões inferiores.
Pouco antes do fim da Série B, Delfim fez uma campanha.
Vestiu as cinco camisas – Figueirense, Chapecoense, Joinville, Avaí e Criciúma –
e encabeçou campanhas de otimismo: todos atingiriam seus objetivos. Só o
Criciúma, que caiu, não cumpriu. O Avaí, a certa altura, não estava no G-4 da
segunda divisão. Com seu jeito paternalista, o presidente da FCF foi ao
vestiário manifestar apoio aos jogadores e ao técnico Geninho.
O Avaí subiu e viu um desabafo do presidente
Nilton Macedo Machado, que assumiu em 2013 e escancarou por diversas vezes as
caóticas finanças. Desembargador aposentado, ele é o único que não é
empresário, mas também se orgulha de ter terminado o ano com os salários em
dia, missão que parecia impossível.
- Não dá para fazer futebol devendo salário ou INSS - resume
o vice da CBF.
Delfim também jura que assiste a dois ou três jogos no
estádio por rodada no futebol catarinense. Inclusive da Chapecoense,
representante da região Oeste, distante cerca de 600 quilômetros da capital. A
área é repleta de indústrias alimentícias. A ascensão da equipe, que subiu em
2013 e conseguiu se manter na Série A, foi impulsionada pelo apoio dessas
empresas.
O clube, caçula entre os melhores do país, também tem um
empresário à frente: Sandro Pallaoro, paranaense, é proprietário de uma
distribuidora de frutas. Empolgação à parte pela permanência na primeira
divisão, ele descarta altos investimentos. Para ele, a única forma de equipes
como a Chapecoense ameaçarem os grandes do futebol brasileiro é a adoção de
rigor na penalização aos endividados.
- Nós temos que garimpar atletas baratos e
montar times para tentar surpreender. Há clubes que têm caixa e estão cheios de
dívidas, e continuam fazendo a mesma coisa. Está na hora de ter penalização
para eles. Senão os menores sempre vão brigar lá embaixo. Daqui a pouco, vamos
parar de fazer futebol porque não adianta dar soco em ponta de faca. Isso só
vai mudar quando governo e CBF penalizarem administrações irresponsáveis.