29/10/2015 05h00 - Atualizado em 29/10/2015 05h00

Cientista que criou 'minicérebros' nos EUA trará técnica para o Brasil

Biólogo cria startup para análise genética e neuronal de pacientes autistas.
Professora da USP ajudou a fundar empresa, que busca elo com academia.

Rafael GarciaDo G1, em São Paulo

'Minicérebros' foram criados em laboratório a partir de células da pele de pacientes com a síndrome do MECP2 (Foto: Molecular Psychiatry/Divulgação)'Minicérebros' foram criados em laboratório a partir de células da pele de pacientes com a síndrome do MECP2 (Foto: Molecular Psychiatry/Divulgação)

Um trio de cientistas brasileiros está lançando uma empresa que fará análises genéticas de pacientes e testará drogas candidatas a tratamento no futuro. A ideia é recriar tecido cerebral dos pacientes em laboratório para estudar seu comportamento em culturas de células e em "minicérebros" cultivados em tubo de ensaio.

A iniciativa partiu do biólogo Alysson Muotri, professor da Universidade da Califórnia em San Diego e colunista do G1, junto de Patricia Braga, professora da USP, e do neuropediatra Carlos Gadia, do Hospital Infantil de Miami.

A brasileira e seus dois colegas expatriados conseguiram levantar R$ 3 milhões para construir um laboratório em São Paulo que, inicialmente, vai abrigar cinco cientistas trabalhando no projeto. A empresa, batizada de Tismoo, vai desenvolver uma plataforma para personalização do atendimento a pacientes.

O biólogo Alysson Muotri, em palestra para médicos e pais de autistas (Foto: Tadeu Meniconi / G1)O biólogo Alysson Muotri (Foto: G1)

O foco dos pesquisadores será no autismo -- um transtorno onde a genética tem papel importante -- e em algumas doenças genéticas raras que causam problemas psiquiátricos, como a síndrome de Rett e a síndrome do X frágil.

A ideia é usar uma técnica desenvolvida por Muotri em San Diego, que consiste em extrair amostras de células da pele dos pacientes e reprogramá-las geneticamente para se transformarem em neurônios. Observando o comportamento desses neurônios em culturas de células, é possível tentar entender o que de errado ocorre nas redes de neurônios dos pacientes com transtornos mentais e testar a resposta desses neurônios a drogas potenciais.

Desenvolvimento neuronal
Entre as estratégias desenvolvidas pelo biólogo que deverão ser usadas pela empresa está a criação de minicérebros: pequenas esferas de neurônios capazes de simular o desenvolvimento neuronal em laboratório.

"Uma das ideias da startup é poder oferecer para as pessoas algo que a gente já oferece na academia, mas para um grupo muito restrito de pessoas", explica Patricia. Hoje, análises genéticas e fisiológicas do tipo que ela e Muotri desenvolvem são realizadas apenas com fim de pesquisa. "Aqui, vamos oferecer um serviço de diagnóstico personalizado, mas a gente também vai aprender com os pacientes que vão chegar."

Os três criadores da empresa vão atuar inicialmente apenas como consultores, e os trabalhos serão realizados por uma equipe de cinco cientistas num laboratório na região da Av. Paulista. O pré-lançamento da empresa ocorreu no último fim de semana, e sua inauguração está prevista para o início do ano que vem.

Sequenciamento de DNA
Segundo Muotri, o tipo de sequenciamento de DNA que a empresa pretende realizar é mais detalhado do que o serviço oferecido normalmente para testes de paternidade simples ou mesmo para perfis genéticos de saúde, como o que a empresa 23andMe realiza nos EUA.

Muitas das alterações envolvidas no surgimento do autismo e transtornos relacionados estão em partes dos cromossomos chamadas de “sequências regulatórias”, que não estão diretamente ligadas à estrutura de proteínas, as moléculas que efetivamente colocam o organismo para funcionar. Essas partes do DNA, porém, ajudam a regular quando, onde, quais e quantas proteínas devem ser produzidas no corpo.

A ideia é que esse sequenciamento identifique mutações relevantes no genoma de pacientes e se descubra algum mecanismo biomolecular por trás do transtorno naquela pessoa. Quando algum gene ou proteína for implicado, mas não existir literatura científica sobre ele, a Tismoo criará um sistema de alerta que avisa ao médico do paciente quando um estudo relevante para seu caso é publicado numa revista científica.

“Mas a gente precisa esclarecer para os potenciais clientes as capacidades e limitações dessa tecnologia”, diz Muotri, que colocou dinheiro pessoal no projeto, junto com um investidor do setor privado ainda não revelado. “Não vamos vender uma falsa esperança, dizendo que você obtém o resultado do seu sequenciamento hoje e amanhã vai existir uma droga para tratar você.”

Segundo o pesquisador, inicialmente, a empresa não tem intenção de se envolver em testes clínicos, apenas de fornecer informação relevante aos pacientes e a seus médicos. Dependendo de como a empresa se sair, após cinco anos ela poderia se envolver no teste de drogas potenciais.

Toxicologia
Um serviço que a startup deverá oferecer logo de cara é o uso de minicérebros para a realização de teste toxicológicos. Essas estruturas orgânicas são supersensíveis a alterações bioquímicas e podem ajudar a revelar se um produto químico novo como um desinfetante ou um agrotóxico possui risco de contaminação.

Inicialmente, a interação da Tismoo com institutos de pesquisa e universidades deve ser apenas de natureza acadêmica, com cientistas fazendo trabalho em colaboração. Uma das ambições para o futuro, porém, é que a empresa possa até mesmo bancar testes em instituições públicas. Segundo Patricia, esse tipo de financiamento teria provavelmente de ser por meio das fundações universitárias, que podem captar verbas privadas para investir em pesquisa.

A equipe da própria empresa, também, deve crescer de acordo com a demanda. “Nós não somos um instituto de pesquisa, vamos começar com um número limitado de pessoas”, diz a pesquisadora. “Mas nós temos potencial para crescer e abrigar profissionais superqualificados, que hoje nem sempre arrumam trabalho no Brasil quando saem da universidade.”

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