Rio

Sargento que invadiu armado depósito da Seop para retirar carro dava aulas de ética e polícia cidadã na Acadepol

Arley, preso administrativamente, foi selecionado no programa Banco de Talentos da Secretaria de Segurança

RIO - Selecionado por meio do programa Banco de Talentos da Secretaria de Segurança, o sargento PM Arley Ribeiro Silva, lotado no 9º BPM (Rocha Miranda), é um dos policiais que ministram aulas de ética, direitos humanos, polícia cidadã e psicologia para policiais civis novatos na Academia de Polícia Civil (Acadepol). O mesmo Arley está preso no Batalhão de Rocha Miranda por ter invadido, armado com uma pistola, o depósito municipal de veículos rebocados da Secretaria da Ordem Pública (Seop), no Recreio dos Bandeirantes,  na madrugada de quinta-feira.

Identificando-se como major (patente superior), Arley ameaçou os funcionários e retirou seu carro, um Toyota Hilux, que havia sido rebocado na quarta-feira, depois de ser encontrado pela fiscalização estacionado em local proibido, sobre a calçada da Rua Otávio de Faria, também no Recreio. Segundo o comando da PM, ele ficará preso por 72 horas, que podem ser porrogadas por mais 72 horas. O policial foi ouvido, mas o teor de suas declarações não foi revelado.

Em nota, por meio de sua assessoria de imprensa, a delegada Jéssica Oliveira, diretora da Acadepol, explicou que o sargento não exerce um cargo, e sim tem uma função na Acadepol. “Ele presta um serviço à Secretaria de Segurança através do Banco de Talentos, não é lotado na academia”. A diretora disse, ainda, que não pode recusar a próxima indicação dele e nem pode descartá-lo, pois  isso cabe somente à Subsecretaria de Ensino da Secretaria de Segurança. No momento, ele não está ministrando nenhum curso na Acadepol.

O GLOBO entrou em contato com a Secretaria de Segurança para saber há quanto tempo o policial prestava serviços por meio do programa Banco de Talentos. A assessoria de imprensa informou, entretanto, que está ainda avaliando a situação do policial para saber quais providências tomar.

O programa Banco de Talentos da Secretaria de Segurança começou em setembro de 2011, para aproximar a polícia da sociedade. Inspirado na política de pacificação de comunidades carentes do estado, a ideia do projeto é mudar a formação de policiais civis e militares, a partir de práticas da cultura cidadã. A subsecretaria de Ensino e Programa de Prevenção, responsável pela criação do programa, promove chamadas públicas para selecionar os corpos docentes, inclusive professores universitários especializados em segurança pública. O sargento foi um dos selecionados.

A invasão do sargento ao depósito da prefeitura do Rio provocou revolta. O secretário da Ordem Pública, Leandro Matieli Gonçalves, lamentou o episódio, afirmando que encaminhará um relatório ao comando-geral da PM, com recomendação para a abertura de uma investigação e sugerindo que o policial seja excluído da corporação. A invasão foi filmada pelo circuito interno do depósito.

— É uma vergonha, um absurdo. Eu, oriundo da PM, estou envergonhado com a atitude desse policial militar. Logo um policial que deveria dar o exemplo. Um policial jamais faria isso: invadir um depósito público, na marra, na força — criticou o secretário da Ordem Pública.

O sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, disse que a atitude do policial é sintomática.

— Estamos mal. Numa sociedade onde a autoridade não sabe que a lei é para todos, os exemplos são sintomáticos. Acredito que agora a corregedoria da PM deve puni-lo com rigor. O trânsito, aliás, é um modelo da falta de civilidade do cidadão — lembrou o sociólogo.

O caso foi registrado como ameaça na 42ª DP (Recreio) ainda na madrugada de quinta-feira. O guarda municipal Sandro Fernandes, responsável pelo plantão no depósito, na Avenida das Américas 19.600, contou aos policiais civis que o PM chegou às 4h50m ao local. Do lado de fora, ele passou a esmurrar o portão. Gritando ser PM, ele queria entrar. Dizia ainda que seu veículo havia sido rebocado e exigia que o liberassem naquele mesmo momento. Sandro foi chamado para resolver a situação.

De acordo com o boletim de ocorrência, o guarda municipal explicou ao policial que, para liberar o carro, ele teria que pagar, numa agência bancária, a diária e a taxa de reboque. Foi quando o motorista teria se apresentado como major da PM, mostrando a carteira da corporação. Ainda de acordo com o boletim, muito agitado, o policial insistiu que levaria o carro. O guarda voltou a repetir que não seria possível. Nesse momento, o policial invadiu o depósito e caminhou em direção ao local onde os carros rebocados ficam estacionados. Ao localizar seu Hilux, o PM entrou no veículo (modelo que custa pelo menos R$ 60 mil) e dirigiu até a saída do depósito.

No portão, ele teria exigido que o guarda municipal e o coordenador do depósito, Edson Paixão, abrissem o portão. Nesse momento, segundo o boletim, Arley desceu do carro e sacou a pistola que levava na cintura, exigindo a abertura do portão. Revoltado, o policial teria ameaçado os funcionários, mandando que todos ficassem atrás do seu carro. O grupo obedeceu. A porta foi aberta e o policial saiu com seu carro. Ao todo, seis funcionários teriam sido rendidos.

— Éramos seis pessoas no depósito. Tentei, com os outros colegas de trabalho, convencê-lo, de maneira respeitosa e dentro dos procedimentos legais, que o carro estava apreendido e que ele não poderia levá-lo daquela forma. Nesse momento, ele disse ser policial e sacou a pistola de cor preta, rendendo a mim e outros funcionários, mandando que abríssemos o portão — contou o segurança Marcondes da Silva Brígido.