Rio Rio 2016

Criada para os Jogos Olímpicos de 2016, dupla multicolorida de mascotes divide opiniões

Ainda sem nome, bonecos viraram alvo de piada em redes sociais e ganharam apelidos pouco lisonjeiros

Apesar das críticas, mascotes têm agradado à criançada, e primeira edição dos bonecos já se esgotou
Foto: Divulgação
Apesar das críticas, mascotes têm agradado à criançada, e primeira edição dos bonecos já se esgotou Foto: Divulgação

RIO — Eles sequer foram batizados, mas já são candidatos a uma boa temporada no divã: recém-nascidos, começaram a ser tachados de esquisitos, ganharam apelidos pouco lisonjeiros, e, para piorar, sofrem um tremendo bullying virtual. Como se não bastasse, também enfrentam o trauma-mor: são comparados, toda vez que aparecem, aos irmãos mais velhos, principalmente ao fofíssimo Misha, o ursinho-estrela dos Jogos de Moscou. Sim, estamos falando dos mascotes olímpicos e paralímpicos de 2016, que, coitados, vêm colecionando críticas desde que foram apresentados ao público, no último dia 23.

A maldade começou nas redes sociais, onde brotaram piadinhas com a aparência dos bonecos. A cabeleira “green power" do mascote paralímpico fez com que ele logo ganhasse uma série de apelidos, como Abacaxi sem Corpo e Superalcachofra. As comparações não foram só no ramo da flora. Um atleta da seleção canarinha na Copa foi mencionado — o cabeludo David Luiz. O colega olímpico, amarelo vibrante, também não escapou: virou logo Pokémon. Ou, para o pessoal mais vintage, Gato Félix com icterícia, numa referência ao herói dos desenhos animados dos anos 1920 e também à doença que deixa as vítimas com a pele e os olhos amarelados. Na gaiatice que reina na internet, a escolha dos nomes — estão em votação Oba e Eba, Vinícius e Tom, e Tiba Tuque e Esquindim — não ficou de fora das brincadeiras. Teve gente sugerindo Arrastão e Tiroteio ou Delta e Odebrecht.

CINEASTA PREGA DESOBEDIÊNCIA CIVIL

Sem dó nem piedade, o cineasta Luiz Carlos Barreto põe mais lenha na fogueira, propondo a criação de mascotes alternativos, um Plano B, um ato de desobediência civil. Ele já se queixou dos mascotes oficiais com Carlos Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), e planeja levar sua insatisfação ao ministro dos Esportes, Aldo Rebelo. É muito pouco provável que o queixume dê resultado, mas Barreto insiste.

— Temos que evitar o vexame da Copa, quando chamaram uma estrangeira para fazer o espetáculo de apresentação. Foi um show sem brasilidade, uma coisa anódina. Esses mascotes são bonecos de Hollywood, de gosto duvidoso. Temos vários símbolos brasileiros que poderiam ter sido usados, lendas da floresta, mulas sem cabeça. Acho que poderíamos ter uma alternativa, um saci-pererê pirata. Seria um ato de resistência — reclama Barreto.

O cartunista Ziraldo é outro que só enxerga defeitos na dupla multicolorida, pensada, segundo o COB, para encantar as crianças. Jurando que não legisla em causa própria, o criador do Pererê, um saci que foi protagonista de revistas em quadrinhos de sucesso na década de 1960, sai em defesa do menino de uma perna só e carapuça na cabeça como mascote.

— O saci seria o mascote natural para as Paralimpíadas. Não era para ser o meu, podia ser o do Belmonte (1896-1947), que ilustrou os livros de Monteiro Lobato. Também não podemos esquecer que os Jogos são no Rio. O que esses mascotes escolhidos têm a ver com a cidade? — reclama.

A lenda não teve vez e outros grupos, que tinham esperança que animais de verdade fossem eleitos, engrossam a choradeira. Paula Breves, presidente da EcoAtlântica, ONG que luta pela preservação da Mata Atlântica, diz que o melhor candidato era o macaco muriqui, ameaçadíssimo de extinção.

— Ele é o maior primata das Américas. Seria a primeira Olimpíada que teria a visão de chamar a atenção para uma espécie em extinção. Se nada for feito, ele acaba no Rio. Só temos 300 muriquis no estado. Fizeram um mascote sem identidade, uma invenção sem pé nem cabeça. Com tanta diversidade no Brasil, podia ser o muriqui, o mico-leão dourado, a jaguatirica. Perdemos uma boa oportunidade com essa Hello Kitty-Pokémon— lamenta.

O deputado Carlos Minc, que, ano passado, à frente do Instituto Estadual do Ambiente, fez uma campanha oficial para que o macaco fosse mascote, também se diz decepcionado:

— O muriqui era o candidato oficial do governo do Estado do Rio. Esses mascotes são sem graça, não representam nada, são uns bichinhos de computador, de animação.

No site dos mascotes — sim, eles têm site e, em breve, vão estar perto de você, em pelúcias e em produtos licenciados —, o boneco amarelinho é descrito como um híbrido com qualidades, “a agilidade dos felinos, o gingado dos macacos e a leveza das aves". Já o mascote paralímpico “é uma inédita mistura da flora brasileira". Os pais da dupla, Luciana Eguti e Paulo Muppet, são os primeiros a defenderem as crias. E juram que levam as críticas com espírito esportivo.

— A gente estava preparado, não dá para agradar a todo mundo. Nossa proposta é original, tem o conceito de fazer um mascote único, que não pareça com nada que já exista. As pessoas estão acostumadas com outra coisa, a gente entende — diz, diplomaticamente, Luciana, do Birdo Produções, que ganhou a concorrência dos mascotes de outros 24 candidatos.

Paulo Muppet jura que não se ofende com o apelido Pokémon:

— Não tínhamos pensado nele, mas ficamos contentes porque o Pokémon é um sucesso, as crianças adoram e a gente também acha bacana.

IDEIA NÃO ERA ACENTUAR A DEFICIÊNCIA

Beth Lula, diretora de Marca do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, chama atenção para outro ponto. Quem critica são os adultos. As crianças, segundo ela, adoram os mascotes, que terão os nomes divulgados no dia 14:

— Fizemos pesquisas entre crianças de 6 a 12 anos e eles foram os mais bem aceitos. Eles têm uma história, superpoderes. Quando vão para as ruas, as crianças querem beijar, abraçar. As críticas fazem parte, não há unanimidade.

Criador do festival Anima Mundi, Cesar Coelho lembra que os mascotes, mais do que bonecos, são personagens de animação, que podem ganhar desenhos próprios. Ele, que ajudou a bolar o edital de seleção, não tem dúvidas de que o tempo é o melhor dos remédios.

— Não tenho dúvidas de que vai ser um sucesso comercial. As crianças vão adorar. E o pessoal até 25 anos também vai adotar os mascotes, que têm um traço mais pop, contemporâneo. O pessoal mais velho vai se acostumar — diz Cesar, que acha loucura pensar no saci como mascote paralímpico. — A gente não queria marcar a deficiência, mas sim a eficiência. Ela é que tem que ser exaltada. O mascote tem recursos baseados na sua capacidade de criar. Se ele precisar subir algo, não tira uma escada do cabelo, e sim algo inédito. Isso estimula a busca de novas soluções. Os mascotes vão pegar.

E, pelo visto, vão mesmo. Na loja do COB, a primeira edição dos mascotes, com, simbolicamente, 2.016 pelúcias, que custam entre R$ 90 e R$ 140, esgotou em dois dias.