Rio

Uma febre que atrai para a orla os fãs de exercícios ao ar livre

Treino funcional vira moda, mas gera discussão sobre uso do espaço

Febre. Aluna de escola na areia se exercita no Leblon: de lá até o Leme, as licenças para esportes na praia somam 230
Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Febre. Aluna de escola na areia se exercita no Leblon: de lá até o Leme, as licenças para esportes na praia somam 230 Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

RIO - Manhã de quinta-feira ensolarada no Leblon. Um ao lado do outro, três grupos praticavam exercícios de treinamento funcional, com colchonetes, cones, bolas e cordas, numa faixa de areia de menos de 350 metros, do Jardim de Alah ao Posto 11. Cena que não deixa dúvidas: essas espécies de academias ao ar livre, conhecidas como assessorias esportivas, viraram febre no Rio e vêm tomando a orla. Só em Ipanema e no Leblon, são 25 autorizadas a funcionar. Na Barra, outras 26. E, em Copacabana e no Leme, 19.

Mas, enquanto os adeptos atestam os benefícios da atividade, profissionais de educação física alertam para cuidados que devem ser tomados. E um debate se instala, sobre a ocupação do espaço público da praia.

A tendência é mundial. Uma pesquisa da American College of Sports Medicine apontou o treinamento funcional como a nona atividade mais popular do universo fitness em 2015. No Rio, afirmam os professores, começou a ganhar força há pouco mais de cinco anos. Mas, agora, explodiu em número de praticantes, que dividem a areia com dezenas de outras escolas esportivas, como as de surfe, vôlei, corrida, beach tennis e futebol. Só do Leme ao Leblon, diz a subprefeitura da Zona Sul, as licenças para esportes na praia somam 230.

Há quatro anos, quando o professor de educação física Alexandre Mattoso começou a oferecer treinos funcionais na Praia do Flamengo — trecho da orla onde a atividade ainda está em processo de regulamentação —, tinha quatro alunos e trabalhava sozinho. Hoje, as aulas acontecem de segunda a sábado, e a quantidade de alunos saltou para quase 70. O professor já tem oito funcionários e ganhou a vizinhança de outras três assessorias.

— Virou filosofia de vida para muitos — diz ele, explicando que os exercícios se baseiam em movimentos do dia a dia, como abaixar, levantar e empurrar.

ALERTA PARA CLANDESTINOS

Mas há quem não aceite que tanto espaço da praia seja ocupado por essas academias, cujas mensalidades podem chegar a R$ 220. O aposentado Antonio Ferraz questiona o loteamento da areia pela atividade, que é comercial. Os professores se defendem, alegando que têm autorização da prefeitura. Alguns reconhecem que a questão do uso do espaço público é sensível, não havendo como impedir, por exemplo, que alguém coloque uma cadeira de praia no meio da aula. A questão para a qual os profissionais chamam a atenção, no entanto, é outra: a necessidade de os professores terem registro no Cref.

— Treinar com profissionais qualificados e regulamentados é fundamental — diz Marcus Nunes, coordenador de uma assessoria no Leblon.

A verificação desse registro, afirma André Fernandes, presidente do Cref na região do Rio e Espírito Santo, pode ser feita no site do conselho (cref1.org.br), onde também há um espaço para denúncias de irregularidades (que podem ser comunicadas ainda pelo telefone 2567-0789).

Já a permissão para trabalhar na praia deve seguir um trâmite que inclui o pedido de ‘‘nada a opor’’ da Secretaria municipal de Esportes e Lazer, uma autorização da subprefeitura local e a permissão da Secretaria de Fazenda. As licenças são provisórias, de um ano, podendo ser revogadas, por exemplo, se houver algum incômodo à vizinhança. E as assessorias devem obedecer a parâmetros informados, como horário de funcionamento e espaço ocupado.

— Numa blitz que fizemos recentemente, um grupo na região da Barra fugiu e abandonou o material na areia. Provavelmente, estava ilegal — diz André.

SAÚDE DEVE SER AVALIADA ANTES DA ATIVIDADE

Além de observar questões como o registro dos profissionais, o presidente do Conselho Regional de Educação Física (Cref), André Fernandes, ressalta que, assim como numa academia normal, os alunos de treinamento funcional devem ser submetidos a uma avaliação física e a um questionário em que responderão, por exemplo, se já tiveram alguma lesão ou outro problema de saúde. Em caso de qualquer resposta positiva, eles só poderão praticar a atividade mediante avaliação médica e apresentação de um atestado. Além disso, por uma resolução do conselho, os professores devem ter um curso de atendimento de emergência, oferecido gratuitamente pelo Cref.

Enquanto a atividade ganha adeptos na praia, provoca modificações até nas academias tradicionais. Marcelo Ferreira, diretor da Associação Brasileira de Academias, lembra que muitas têm montado espaços para o treinamento funcional em suas instalações, ou mesmo levado extensões de suas aulas para a praia. Apesar da concorrência, ele diz que a clientela das academias e a das assessorias são distintas:

— Na academia, o público está comprando também conforto. Na praia, vai em busca do exercício ao ar livre, num espaço físico diferente. De maneira geral, quanto mais pessoas estiverem fazendo atividades físicas regulares, melhor.

O fisiologista Bruno Campos, que já participou de treinamentos de campeões do MMA e tem uma assessoria no Leblon, ressalta que, diante do mar, os benefícios podem ser muitos: do combate à ansiedade a resultados estéticos, como queima de gordura e emagrecimento. Cuidados na hora de realizar as atividades, diz ele, são necessários, como cautela para evitar problemas nas articulações. Mas são exercícios recomendados para praticamente todos, diz:

— Aqui, temos de campeã de meia maratona a senhores de mais de 80 anos pós-AVC, que se recuperam com os exercícios na areia.

AS VANTAGENS DA MODALIDADE

A advogada Luciana Machado não hesita: nem consegue se imaginar numa academia tradicional, depois de ter aderido ao treinamento funcional ao ar livre, há quase quatro anos. De segunda a sexta-feira, ela bate ponto numa assessoria esportiva do Leblon. E apresenta uma extensa lista de benefícios que diz ter percebido, após iniciar as atividades na orla.

- Agora, corro a extensão da praia inteira. Antes, não conseguia. Subo escadas com mais facilidade, tenho mais fôlego e perdi gordura, porque é um exercício aeróbico que trabalha o corpo inteiro. Aqui, acredito que é mais completo do que numa academia - defende ela, que só aponta um ponto negativo. - Às vezes não venho porque está chovendo de manhã.

A publicitária Mônica Soares, moradora do Leblon, também cita vantagens. Ela já caminhava na areia e fazia pilates. Durante oito anos, exercitou-se com um personal trainer. Nunca foi sedentária, afirma. Há sete meses, aderiu à nova atividade. Não se arrependeu:

- Acho um treinamento mais puxado. Trabalha a frequência cardíaca e fortalece a musculatura. No meu caso, melhorou meu equilíbrio, assim como minha postura e jogo de cintura para as atividades do cotidiano.

Já a psicóloga e coach Priscila Valério, que treina no Flamengo, está experimentando a atividade há menos tempo: apenas uma semana. Já fez musculação, tênis, surfe e skate. Inicialmente, deixou a academia para se dedicar só ao treino funcional. E, pelo menos por enquanto, aprovou.

- Na academia, eu me sentia presa. A principal diferença aqui é estar ao ar livre. Tenho mais liberdade, posso dar uma paradinha e olhar para o céu ou para o mar. Isso me traz mais sossego, motivação e me deixa mais relaxada - afirma ela. - Do filtro solar é que não posso me esquecer - ressalta Priscila, que se exercitava com um grupo só de mulheres na última quinta-feira.

Aliás, numa rápida olhada nas aulas, é fácil perceber que elas são maioria nessa febre. O professor Ricardo Sampaio diz que são, no mínimo, 60% do público. Mas os homens também marcam presença.

- Acredito que o objetivo seja o mesmo: manter a saúde em dia - diz o estudante Lucas Leitão, em Copacabana.

O TREINO FUNCIONAL NA PRAIA