Bastante aguardado, o relatório final do deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) sobre a MP do Futebol foi finalmente apresentado na comissão mista que aprecia o tema no Congresso Nacional. Trata-se de um texto base com votação prevista para esta quarta-feira e que, se aprovado no parlamento, substituirá a Medida Provisória 671, assinada em março pela presidente Dilma Rousseff e que oferece a renegociação das dívidas dos clubes com a União - cerca de R$ 4 bilhões - em troca de contrapartidas como o "fair play" financeiro regras de gestão.
Muito além da questão da renegociação dos débitos em troca dos novos padrões de administração dos clubes, o relatório aborda uma série de outros temas ligados não só ao futebol, mas ao esporte como um todo.
Há questões no texto como mudanças nos colégios eleitorais de federações e confederações, transformação da seleção brasileira em patrimônio cultural - o que deixaria a CBF sujeita a investigações do Ministério Público - e pagamento de direito de arena para árbitros de futebol. Também autoriza novas modalidades de loteria, com possibilidade de associação aos clubes e exploração pela internet - apostas on line.
O texto ainda propõe a prorrogação da Lei de Incentivo ao Esporte - que oferece descontos no Imposto de Renda para quem investe no esporte -, inscrição de beneficiários do Bolsa Atleta na previdência e obrigação de seguro para atletas - artigo inspirado no caso da ex-ginasta Lais Souza.
Confira abaixo um resumo da tramitação da MP do Futebol no Congresso Nacional e detalhes, ponto a ponto, sobre os itens mais relevantes do relatório que será colocado em votação no Congresso Nacional. Clicando aqui, você o confere na íntegra.
tramitação
Proforte
As discussões que originaram a MP do Futebol começaram oficialmente no Congresso Nacional em novembro de 2013, quando foi apresentado na Câmara o anteprojeto nomeado de Proforte (Programa de Fortalecimento dos Esporte Olímpicos). A ideia era que os clubes pudessem quitar até 90% das dívidas por meio de investimentos em esportes olímpicos, com a concessão de bolsas a atletas e compra de equipamentos. Os 10% restantes seriam pagos em dinheiro.
LRFE
Entendida como anistia por parte dos parlamentares, a proposta enfrentou rejeição na comissão especial formada para discutir o tema. Relator do projeto, o deputado Otávio Leite apresentou então um substitutivo, que ganhou o nome de Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte (LRFE). Nele, as dívidas seriam negociadas em até 25 anos, em troca de contrapartidas - o "fair play" financeiro.
Aprovado na comissão, o projeto entrou na fila para ser votado em plenário em maio de 2014 e foi tema de reuniões entre parlamentares, representantes do governo federal, dos clubes e do movimento Bom Senso F.C., mas sem um consenso. Em março, governo e deputados entraram em acordo para a edição de uma Medida Provisória.
MP do Futebol
Assinada pela presidente Dilma Rousseff em março, a Medida Provisória 671 - conhecida como MP do Futebol - definiu então a renegociação das dívidas dos clubes em troca das contrapartidas. No entanto, desde que foi publicada no Diário Oficial da União, a medida foi tema de extenso e polêmico
debate envolvendo governo, parlamentares, dirigentes de clubes,
federações, CBF, Bom Senso F.C. e outras organizações ligadas ao
futebol.
Encaminhada ao Congresso, a medida passou a tramitar em
comissão mista formada por 12 senadores e 12 deputados. Lá, foram
apresentadas 181 emendas, realizadas sete audiências públicas e inúmeras
discussões. Até que na última quarta-feira Otávio Leite apresentou o novo texto, com 57
artigos e mais de 30 páginas.
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Aprovação polêmica em comissão
O texto foi aprovado pela comissão mista em reunião polêmica realizada no dia 25 de junho. O presidente, senador Sérgio Petecão, realizou a votação com apenas quatro parlamentares presentes, o que revoltou deputados ligados à CBF, que pretendiam fazer mudanças no texto e chegaram atrasados.
O relatório segue agora para apreciação no Plenário da Câmara dos Deputados. Se aprovado, ainda terá que passar pelo Plenário do Senado. O limite constitucional para que uma Medida Provisória seja transformada em Lei e aprovada pelo parlamento é de 120 dias. Sendo assim, o tramite do texto da MP do Futebol precisa ser concluído no Congresso até o dia 17 de julho, ou ela perderá a validade.
o relatório ponto a ponto
Condições de refinanciamento para os clubes
De acordo com o texto, os clubes teriam condições especiais para quitar em até 240 meses os débitos com a União e 180 meses para quitar dívidas com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Confira abaixo as condições:
- Serão reduzidos 80% das multas, 50% dos juros e 100% dos encargos legais;
- Os clubes terão duas opções de taxas de juros: 4% ao ano ou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA);
- As parcelas do refinanciamento não podem ser inferiores a R$ 3 mil;
-
Nos primeiros cinco anos, serão oferecidas condições especiais para o
pagamento das prestações - período de adaptação: redução de
50% nos primeiros dois anos, de 25% nos dois seguintes e 10% no quinto
ano. A diferença descontada deverá ser paga em até cinco anos após o vencimento da última parcela regular.
Contrapartidas exigidas dos clubes
Para terem direito ao
refinanciamento, os clubes teriam que aderir a uma série de medidas de gestão, como demonstrações contábeis auditadas, limitação de mandatos,
proibição de antecipação de receitas, limitação dos gastos com folha de
pagamento do futebol profissional e previsão de responsabilização dos dirigentes nos estatutos. Confira abaixo item por item:
- Ter estatuto social com as responsabilidades de cada gestor;
- Apresentar demonstrações financeiras e contábeis;
- Apresentar relação das operações de antecipação de receitas;
- Estar em regularidade com as obrigações trabalhistas e tributárias;
- Fixar o período de mandato dos presidentes em quatro anos, com apenas uma reeleição;
- Comprovar autonomia dos conselhos fiscais;
-
Proibir antecipação de receitas de gestões futuras (exceção para o
limite de até 30% do primeiro ano do mandato subsequente e casos de substituição
de passivos onerosos);
- Reduzir progressivamente o déficit ou prejuízo (as contas teriam que estar sanadas até 2021);
- Publicar demonstrações contábeis auditadas;
-
Pagar regularmente todos os profissionais - salários, FGTS,
contribuição previdenciária e outras obrigações contratuais (exceção
para questões em discussão judicial);
- Prever no estatuto o
afastamento imediato e a inelegibilidade por no mínimo 5 anos de
dirigentes que praticarem gestão temerária;
- Não gastar mais do que 70% da receita anual com folha de pagamento do futebol profissional.
Rebaixamento para inadimplentes
Além das
medidas de gestão, o texto também prevê algumas punições no âmbito
esportivo para os clubes que continuassem com problemas de
administração. É o chamado "fair play" financeiro.
No
caso dos times que aderissem ao refinanciamento, o descumprimento das
contrapartidas poderia provocar até a proibição de contratação de novos
jogadores.
O texto ainda altera o Estatuto do Torcedor e
determina que as entidades que organizam os campeonatos exijam para
inscrição de todas as equipes a apresentação de Certidão Negativa de
Débitos (CND), certificado de regularidade do FGTS e comprovação de
pagamento dos vencimentos acertados em contratos de trabalho e direito
de imagem dos atletas. O time que não apresentar o documento seria
rebaixado de divisão.
Porém, a pedido dos clubes, que
temiam entraves burocráticos na obtenção da CND, o relator incluiu uma
flexibilização. No caso de créditos tributários inscritos na Dívida
Ativa mas ainda sem execução fiscal, a comprovação da regularidade
poderá ser feita com a apresentação de prova do recolhimento dos demais
tributos federais e das prestações mensais dos parcelamentos de
dívidas.
Contrapartidas exigidas de federações em dívidas
A possibilidade de refinanciar os débitos também estaria disponível para entidades de administração do desporto. Contudo, elas teriam que cumprir as contrapartidas:
- Seguir as mesmas exigências dos clubes (exceção ao limite de gastos com futebol profissional e investimentos em áreas específicas);
- Participação de atletas nos colegiados de direção e nas eleições para cargos;
- Representação de atletas nos conselhos que aprovam os regulamentos dos campeonatos.
Exigências a CBF e federações
O relatório prevê ainda uma série de cobranças às entidade de administração ou ligas que organizem campeonatos de futebol: ou seja, CBF e federações estaduais. Neste caso, não há nenhuma relação com o refinanciamento das dívidas.
- Publicar na internet prestação de contas e demonstrações contábeis auditadas;
- Garantir representação de atletas nos conselhos que aprovam os regulamentos das competições;
- Assegurar a autonomia do conselho fiscal;
- Fixar o período de mandato dos presidentes em quatro anos, com apenas uma reeleição;
Mudança na distribuição de votos de CBF e federações
O texto prevê alteração na Lei Pelé no trecho que determina o sistema de distribuição de votos para eleições de entidades nacionais e regionais de administração do desporto - casos de CBF e federações estaduais.
Nas
entidades nacionais, o colégio eleitoral passaria a ser integrado por, no mínimo, representantes das agremiações participantes da primeira e da
segunda divisão, sendo assegurada a participação de ao menos um time de cada estado e do DF. Atualmente, votam na CBF apenas os clubes da Série A e os dirigentes das federações estaduais.
Nas entidades regionais, a distribuição de votos teria que se adequar a dois novos critérios: proporção de número de títulos de campeonatos e vice-campeonatos; e proporção na tabela final dos campeonatos nos últimos três anos.
Seleção brasileira como patrimônio cultural
Outra medida presente no texto que atinge a CBF é o trecho que altera a Lei
Pelé e transforma os selecionados nacionais,
especialmente a seleção brasileira de futebol, em patrimônio cultural brasileiro. Considerado de elevado
interesse social, esse patrimônio pode ser objeto de investigação por parte do
Ministério Público. Entram no artigo todas as categorias.
Gestão temerária
O relatório contém um longo trecho para discriminar o que seria considerada gestão temerária por parte de dirigentes. Todos os enquadrados em irregularidade estariam passíveis de punição, podendo se tornarem inelegíveis por 10 anos. Confira os principais critérios para definição de gestão temerária:
- Aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros;
- Obter vantagens para si ou para outros;
- Celebrar contratos com parentes;
-
Recebimento de qualquer pagamento, doação ou outra forma de repasse de recursos de terceiros que, no prazo de um ano antes ou depois,
tenham tido contratos com o clube;
- Antecipar ou comprometer
receitas de períodos posteriores ao termino da sua gestão (exceção para o
limite de até 30% do primeiro ano do mandato subsequente e casos de substituição
de passivos onerosos);
- Formar déficit ou prejuízo anual acima de 20% da receita bruta do ano anterior;
- Ser inerte na tomada de providências para reduzir o déficit financeiro;
- Não divulgar de forma transparente informações da gestão aos associados.
APFUT
Proposta do texto original da MP 671, foi mantida no
relatório a criação da Autoridade Pública de Governança do Futebol
(APFUT). O órgão teria a função de fiscalizar os cumprimentos das
contrapartidas exigidas em troca do refinanciamento.
Vínculo esportivo a partir dos 12 anos
Um artigo do relatório que atende a uma demanda dos clubes é a proposta de diminuição na idade mínima para vínculo esportivo de formação de 14 anos para 12 anos.
Redução da cláusula compensatória
Outra medida que beneficia os clubes é a redução no limite
mínimo para o pagamento de cláusula compensatória nos contratos de atletas. Pela regra atual, no rompimento, os clubes precisam pagar 100% dos salários até o fim do contrato. A proposta é reduzir a indenização para 50% do valor.
Rompimento de contrato por atraso no direito de imagem
De acordo
com a legislação vigente, os contratos dos atletas podem ser rompidos caso
os salários atrasem por três meses. O relatório propõe incluir os direitos de imagem na mesma regra. Os atletas que tivessem os contratos
rescindidos por atrasos nos pagamentos ainda poderiam se transferir para qualquer outro clube
independentemente do número de partidas que tivessem disputado na competição.
Limitação do direito de imagem em 40%
Outra alteração proposta nas regras dos direitos de imagem é a limitação deste tipo de remuneração a 40% do valor total pago ao atleta.
Direito de arena para os árbitros
De acordo com o texto, ficaria determinado que 0,5% dos
direitos de arena dos eventos esportivos seriam repassados para o
sindicato dos árbitros, que dividiria o valor em partes iguais com os
profissionais que atuaram no evento.
Sorteio de árbitros pela internet
Atualmente, o Estatuto do Torcedor já exige sorteio da arbitragem. A proposta prevê que esses sorteios sejam transmitidos pela internet.
Regras para atuação de agentes esportivos
O relatório estabelece regras para a atuação de agente desportivo. A função poderia ser exercida por pessoas físicas
licenciadas pela entidade de administração do desporto, com remuneração limitada a 10% do valor do contrato de
trabalho do atleta. O agente ainda não poderia ter participação nos direitos econômicos
oriundos da transferência do atleta.
Simplificação tributária para clube empresa
Um trecho detalhado do relatório trata de um regime especial de tributação para clubes e entidades de representação de atletas que se constituem em empresas. Seria uma espécie de "Super Simples": eles poderiam optar por pagar 5% da receita mensal como tributo unificado de cinco
impostos (Imposto de Renda, PIS/Pasep, Contribuição Sindical, Cofins e
Seguridade Social).
Novas Loterias
O texto autoriza o Poder Executivo, por meio da Caixa Econômica, a criar uma Loteria Instantânea - raspadinha - com tema dos clubes, por meio físico ou virtual. A negociação para o uso das marcas seria feita diretamente pela Caixa com os times. A distribuição dos recursos arrecadados teria que ser feita na seguinte proporção: 65% para premiação; 18,3% para despesas de custeio e manutenção; 10% ao Ministério do Esporte para projetos de iniciação desportiva escolar; 3% para o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen); 2,7% para os clubes; 1% formaria a renda líquida.
Também fica autorizada a criação de uma loteria por cota fixa sobre resultado associados a competições esportivas de qualquer natureza. Da arrecadação dessa modalidade, 70% iriam para a premiação; 16% para despesas de custeio; 7% ao Ministério do Esporte para projetos de iniciação desportiva; 3% aos clubes para aplicação em futebol feminino, categorias de base e ingressos populares; 3% ao Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) e 1% para o orçamento da Seguridade Social.
O relatório ainda altera a lei de contravenção penal, determinado multa de R$ 2.000 a R$ 200 mil para quem participar de apostas não autorizadas pela internet ou qualquer outro meio de comunicação. O texto também faz mudanças na Timemania, para tornar os prêmios mais atraentes.
Futebol feminino, categorias de base e ingressos populares
Uma porcentagem dos recursos arrecadados com as novas modalidades de loteria ligadas ao futebol (3%) teria que ser aplicada pelos clubes em três áreas: futebol feminino, categoria de base e ingressos populares.
Recursos para iniciação ao esporte
Parte das arrecadações das novas loterias (10%) também seria destinada ao Ministério do Esporte para uso em projetos de iniciação esportiva escolar em modalidades olímpicas e paralímpicas. A prioridade seriam municípios de baixa renda.
Prorrogação da Lei de Incentivo ao Esporte
A Lei de Incentivo ao Esporte, que oferece desconto no Imposto de Renda para investimentos em projetos esportivos, vence no fim deste ano. O relatório então propõe a prorrogação do benefício até 2022.
Seguro Lais Souza
O caso da ex-ginasta Lais Souza, que ficou tetraplégica após sofrer um grave acidente durante a preparação para os Jogos de Inverno de Sochi, levou o relator a incluir no texto um trecho que torna obrigatória a contração de seguro de vida e de acidentes pessoais vinculado à atividade desportiva para atletas não-profissionais. O seguro deve garantir indenização mínima de 12 vezes o valor do salário mínimo vigente ou 12 vezes o contrato de imagem ou patrocínio referente a sua atividade desportiva.
Previdência para beneficiários do Bolsa Atleta
O texto prevê que os beneficiários do programa Bolsa Atleta com mais de 16 anos e remuneração de ao menos um salário sejam filiados ao regime de previdência social. O recolhimento da contribuição deverá ser feito pelo Ministério do Esporte, descontando do valor pago aos atletas.
nota da redação
A reportagem foi publicada inicialmente no dia 24 de junho, às 8h (de Brasília). O texto foi atualizado no dia 25 de junho, às 15h45 (de Brasília), para adaptação dos trechos modificados pelo próprio relator no texto antes de ele ser aprovado na comissão mista.