Rio

‘O único tiro que escutei foi o que matou meu filho’, diz mãe de menino morto no Alemão

Terezinha Maria de Jesus pede ajuda do governo do Estado para enterrar o filho no Piauí
Os pais do menino Eduardo, na porta do IML: família quer deixar o Rio Foto: Fabio Guimaraes / Agência O Globo
Os pais do menino Eduardo, na porta do IML: família quer deixar o Rio Foto: Fabio Guimaraes / Agência O Globo

RIO — No dia seguinte à morte do menino Eduardo de Jesus, de 10 anos, baleado com um tiro na cabeça enquanto brincava com o celular na porta de casa, no Complexo do Alemão, sua mãe disse ter certeza de que um policial militar matou o garoto. Ela contou que Eduardo estava ao seu lado vendo televisão e depois foi para a entrada de casa, na localidade do Areal. Pouco depois, ouviu-se o som de um disparo de arma de fogo. É a quarta morte em dois dias na região, onde tiroreios têm sido frequentes há três meses.

— Desta vez não houve tiroteio nenhum. O único tiro que escutei foi o que matou meu filho. Corri pra fora de casa e vi um policial do Batalhão de Choque perto do Eduardo, que estava caído no chão. Quando avancei nele (PM), ele disse que me mataria também. Sou capaz de reconhecê-lo — contou, em estado de desespero, a diarista Terezinha Maria de Jesus, de 40 anos.

Aos prantos, gritando muito, ela ameçou jogar-se nos carros que passavam pela Estrada do Itararé, na altura da Rua Joaquim de Queiróz, uma das ruas que dá acesso ao conjunto de favelas do Alemão. Foi contida pelo marido. Nesta sexta-feira, a hashtag #PaznoAlemão foi um dos assuntos mais comentados nas páginas brasileiras no Twitter.

Terezinha chegou a pedir ajuda do governo do Estado para enterrar o filho no Piauí, sua terra natal.

— Não quero deixar nenhum pedaço de mim aqui. Quero ir embora, não quero perder outro filho — disse Terezinha, mãe de outras quatro crianças e moradora do Alemão desde chegou ao Rio, em 1998.

Na noite desta sexta-feira, o governador Luiz Fernando Pezão determinou que as despesas com o traslado e sepultamento do corpo do menino Eduardo de Jesus no Piauí e a viagem dos pais sejam arcadas pelo governo do estado. Além disso, técnicos da Secretaria estadual de Assistência Social estão prestando assistência e amparo psicológico à família do menino morto.

“Estou profundamente consternado. Me coloquei à disposição da família para ajudar a abrandar a dor no coração dele e da mãe. Pedi o máximo de rigor e celeridade nessa investigação. A morte do Eduardo não ficará impune. Não podemos perder nossas crianças de maneira brutal”, afirmou Pezão, que conversou com os pais da vitima.

Caçula da família, Eduardo começaria na próxima quarta-feira um curso do Sebrae na Tijuca. Nos últimos dias, estava ansioso pela primeira aula. Aluno do turno integral do CIEP Maestro Francisco Mignone, em Olaria, faria uma formação de 1 ano e 9 meses em inglês, informática e design gráfico. A mãe, que faz faxina em apartamentos de Copacabana, Recreio e Campo Grande, vem economizando dinheiro há algum tempo para custear os R$ 200 mensais do curso.

— Ele só tirava notas boas no colégio, participava de atividades culturais e esportivas na parte da tarde, ficava até 17h30 no Ciep, gostava mesmo de estudar. Ele dizia que tinha futuro, agora não tem mais — lamentou.

Policiais militares passaram o dia nos acessos do Complexo do Alemão, enquanto viaturas do Batalhão de Choque entraram no conjunto de favelas. Homens do Batalhão de Choque e da UPP, que estavam na ocorrência, já estão respondendo a um Inquérito Policial Militar (IPM). Eles foram afastados do policiamento nas ruas e tiveram suas armas recolhidas para a realização de exame balístico.

Moradores observam a passagem de policiais armados Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Moradores observam a passagem de policiais armados Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

O major Marcelo Corbage, porta-voz da CPP, se solidarizou com a família do menino Eduardo e afirmou, nesta sexta-feira (3/4), que a morte de Eduardo não ficará impune.

— É prematuro tirar qualquer tipo de conclusão. Estamos colaborando com as investigações. A morte do Eduardo não ficará impune. Precisamos fazer deste episódio uma bandeira para a mudança. Não podemos permitir que outras famílias sintam a dor da mãe deste menino – afirmou Corbage.