Política

Marco Aurélio e Barbosa consideram inconstitucional nova votação da PEC da maioridade penal

Ministro e ex-ministro dizem que a matéria rejeitada não poderia ser enfrentada novamente em mesma sessão legislativa

Ministro Marco Aurélio Mello
Foto: Givaldo Barbosa / Agência O Globo
Ministro Marco Aurélio Mello Foto: Givaldo Barbosa / Agência O Globo

RIO — O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello e o ex-presidente do tribunal Joaquim Barbosa consideraram inconstitucional a maneira como foi aprovada a proposta de redução da maioridade penal em casos de crimes hediondos, na madrugada desta quinta-feira. Segundo eles, após rejeição do projeto na terça-feira, a Câmara dos Deputados não poderia ter apresentado a matéria para ir à votação na mesma sessão legislativa (período de atividade normal do Congresso a cada ano). O ministro Marco Aurélio ressaltou que não se passaram nem 48 horas depois da primeira votação e outra proposta já foi aprovada, ainda na mesma sessão legislativa.

— O texto constitucional é muito claro. Matéria rejeitada, declarada prejudicada, só pode ser apresentada em sessão legislativa seguinte. Nessas 48 horas nós não tivemos duas sessões. Eu tenho muito receio daqueles que se sentem bem intencionados. De bem intencionados o Brasil está cheio. Precisamos, sim, de homens que tenham respeito ao arcabouço jurídico constitucional — disse o ministro, ao GLOBO.

No Twitter, o ex-ministro Joaquim Barbosa citou o trecho da Constituição que proíbe nova votação na mesma sessão legislativa de proposta de emenda já rejeitada.

Perguntado sobre como se posicionaria diante da questão quando o caso chegar ao Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio diz que apenas buscará a “prevalência do texto constitucional”.

— Não dá para atropelar. Não dá para inverter aquela ordem que é comezinha: em direito, o meio justifica o fim, e não o fim justifica o meio. Eu posso querer chegar a um resultado. Se eu não tenho como chegar, eu tenho que recuar. É o preço que nós pagamos por viver em um Estado Democrático de Direito. É módico, está ao alcance de todos.

Sobre a argumentação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de que emenda seria um texto diferente do rejeitado, mas com emendas aglutinativas, Marco Aurélio diz que “há argumento para tudo” e que, “quando se quer fazer alguma coisa, sempre há uma justificativa”.

— Estou dizendo apenas como eu leio a Constituição Federal. Quem sabe eu precise a essa altura da vida ser alfabetizado? A coisa é tão clara... Estamos cansados de dizer isso em plenário. Eu não estou ressuscitando ponto de vista. É o que eu fiz nestes 25 anos no Supremo. Será que o Supremo errou tanto até aqui? — ironizou.

Perguntado se já havia julgado casos semelhantes, o ministro disse que sim, e ressaltou que é preciso “avançar culturalmente, mas com segurança, sem sobressaltos”. Ele diz que é importante não “estabelecer critérios de plantão”.

— Já enfrentamos casos em que projetos foram aprovados a toque de caixa. Não lembro qual foi o caso porque recebo uma média de 100 casos por semana. Se eu for gravar tudo o computador, a minha cabeça, queima

EDUARDO CUNHA LEMBRA DECISÃO DO STF DE 1996

O presidente da Câmara fez questão de distribuir decisão tomada em 1996, pelo Supremo, sobre mandado de segurança apresentado pela deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ) e que tinha Marco Aurélio Mello como relator com situação semelhante a que ocorreu na votação de anteontem, sobre maioridade penal. Em 1996 a deputada também questionou ato do presidente da Câmara, que à época era Luís Eduardo Magalhães, de  votar novamente uma emenda constitucional que tinha sido rejeitada (emenda da Previdência) na semana anterior.

Marco Aurélio foi voto vencido, mas na época o Supremo entendeu que a medida não feria a Constituição Federal. De 1996 até hoje, a composição da Corte se alterou.  Para Cunha, Marco Aurélio falou em tese sobre o artigo 60 da Constituição, que diz textualmente que "matéria constante de proposta de emenda constitucional rejeitado ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa".

- Não vou falar sobre comentários, ele falou em tese. Certamente não tem nenhum dos autos na mão dele com fato específico para comentar. Fez comentário certamente sem conhecer, interpretando o artigo da Constituição que interpreto do mesmo jeito. O caso é diferente da alegação colocada - disse Cunha, lendo em seguida trecho da decisão do Supremo de 1996:

- A decisão está bem clara. É uma decisão exatamente igual. É só ver o fato concreto, exatamente igual a esse aqui. Se você chegar para mim e disser que a matéria derrotada hoje foi votada amanhã, vou dizer que é inconstitucional. Mas não é a mesma matéria. Ele (Marco Aurélio) não tem o fato concreto, falou em tese. Quando chegar nas mãos dele certamente vai ver as decisões tomadas pelo Supremo.

Em relação às críticas feitas pela Ordem dos Advogados do Brasil, Cunha afirmou que eles questionam outra coisa: o fato de a redução da maioridade penal ferir cláusula pétrea. Segundo o presidente da Câmara, isso está sendo analisado pelo Supremo.