Política

OAB e deputados vão recorrer ao STF contra manobras do presidente da Câmara

Advogados pretendem entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade; petista diz que atitude Eduardo Cunha é uma ‘ameaça’ à democracia

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, colocou em votação a redução da maioridade penal um dia após matéria ter sido rejeitada
Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, colocou em votação a redução da maioridade penal um dia após matéria ter sido rejeitada Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo

BRASÍLIA - A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e deputados do PT, PMDB, PPS, PSB, PCdoB, PSOL e PDT confirmaram nesta quinta-feira que vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a aprovação da redução da maioridade penal na Câmara. Em nota, a OAB afirmou que, se a medida também avançar no Senado, entrará com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo. Já o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), com apoio de vários outros parlamentares, entrará na terça-feira com um mandado de segurança na Corte contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) por causa da atitude dele de refazer votações sobre um mesmo tema até sair vitorioso.

Segundo o presidente da OAB nacional, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, a decisão de tentar reverter a manobra de Cunha é com base na Constituição:

"Tanto pelo seu conteúdo, quanto pela forma de sua aprovação, a PEC (proposta de emenda constitucional) não resiste a um exame de constitucionalidade. Se for aprovada pelo Senado, iremos ao STF com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para que o Supremo faça prevalecer a hierarquia e a autoridade da Constituição. Temos de ter a clareza que a alteração tópica da redação de uma PEC não é suficiente para retirar um fato: a matéria foi rejeitada em um dia e aprovada no dia seguinte. É justamente esse fenômeno que a constituição proíbe. Respeitamos os poderes da República e a Constituição".

Coêlho ressalta que o artigo 60, parágrafo 5º, "é uma norma constitucional que veda a utilização da nova votação de matéria rejeitada" e, como regra da Constituição, "deve ser respeitado".

"Trata-se do devido processo legislativo. Existe para que maiorias ocasionais não sufoquem as minorias", diz ele, em nota.

O presidente da OAB nacional também fez críticas à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes hediondos, homicídio doloso (quando se assume o risco de matar) e lesão corporal seguida de morte.

"A OAB reitera sua histórica posição sobre o tema, considerando um equívoco colocar mais alunos nas universidades do crime, que são os presídios do País. Mais adequado é aumentar o rigor de sanção do Estatuto da Criança e do Adolescente, aumentar o prazo de internação, ampliar o período diário de serviços comunitários para quem comete delitos, obrigar a frequência escolar e o pernoite em casa, além de investir na inclusão de todos".

Para Coêlho, outra medida importante seia punir, de forma mais grave, os maiores de idade que se utilizam de menores para o cometimento de crimes.

"Assim, a segurança pública estará mais protegida. Esperamos que o Senado, como casa revisora, não convalide tais inconstitucionalidades", afirma.

EMENDAS AGLUTINATIVAS

Molon, por sua vez, ressalta que um dos questionamentos a serem feitos ao STF é sobre o uso das chamadas emendas aglutinativas que vem sendo feito por Cunha para "atropelar" a Constituição Federal. A intenção é limitar os poderes de Cunha.

— Se o presidente diz que o regimento permite esse expediente em relação às aglutinativas, isso de fazer e refazer emendas até que o texto seja aprovado como ele quer, a Constituição não permite. A lógica do artigo 60 da Constituição é limitar o poder de agenda que o presidente tem. Ele tem o poder de pautas, mas não de decidir o que será aprovado — disse Molon, acrescentando:

— Vamos mostrar ao Supremo que esse comportamento do presidente Eduardo Cunha, de refazer as votações que perde até conseguir ser vitorioso, é uma ameaça, uma afronta à democracia. Mostrar que o alerta que fizemos está se tornando um hábito.

O deputado petista afirmou que os advogados estão trabalhando no teor do mandado para que o texto seja bem fundamentado e mostre que trata-se de comportamento reiterado de Cunha. Molon afirmou que além da votação da maioridade penal, o presidente também fez uso das emendas aglutinativas para reverter votações em que perdeu na reforma política e na votação do projeto da terceirização. Deputados que apoiam o mandado de segurança se reuniram hoje para tratar da questão.

— Ele (Cunha) constrói maiorias aqui e ali, às vezes com o governo, às vezes com a oposição. A única coisa que não pode acontecer é ele perder. Somos uma minoria que não aceita ser manietada, tiranizada pelo presidente da Câmara. Não é um ato só meu. Muitos de nós estamos incomodados. Acredito que a adesão deverá ser maior que no último mandado (quando 63 deputados apoiaram). A democracia é o governo da maioria com respeito às regras e às minorias — disse Molon.

— Nenhum poder absoluto é democrático. Nenhum poder absoluto pode se dar nesta Casa, que é a casa da soberania e da democracia — disse o vice-líder da oposição na Câmara, deputado Raul Jungmann (PPS-PE), ao criticar o comportamento de Cunha.

MINISTRO CONSIDERA MANOBRA INCONSTITUCIONAL

Também nesta quinta-feira, o ministro do STF Marco Aurélio Mello considerou inconstitucional a aprovação “a toque de caixa” da proposta de redução da maioridade penal. Segundo ele, após rejeição do projeto na terça-feira, a Câmara dos Deputados não poderia ter apresentado a matéria para ir à votação na mesma sessão legislativa.

— O texto constitucional é muito claro. Matéria rejeitada, declarada prejudicada, só pode ser apresentada em sessão legislativa seguinte. Nessas 48 horas nós não tivemos duas sessões. Eu tenho muito receio daqueles que se sentem bem intencionados. De bem intencionados o Brasil está cheio. Precisamos, sim, de homens que tenham respeito ao arcabouço jurídico constitucional — disse o ministro, ao GLOBO.

Mais cedo, Cunha disse que não não há espaço para contestações à forma como conduziu a tramitação da proposta de redução da maioridade penal. De acordo com o presidente da Câmara, há precedentes regimentais para a forma como conduziu o tema.

– Não há o que contestar. Existem precedentes regimentais de decisões do Arlindo Chinaglia (PT-SP) em 2007. Estamos tranquilos da decisão tomada – disse Cunha.