Política

Em tempos de ajustes na economia, órgãos públicos mantêm centenas de ascensoristas

Cada vez mais raros em prédios comerciais, profissionais são mantidos em edifícios do governo

Hall dos elevadores. Deputados, servidores e visitantes da Câmara trafegam pelos elevadores da Casa, a cargo de 50 ascensoristas. Na administração federal, há pelo menos 232 funcionários responsáveis por abertar botões
Foto: André Coelho / Agência O Globo
Hall dos elevadores. Deputados, servidores e visitantes da Câmara trafegam pelos elevadores da Casa, a cargo de 50 ascensoristas. Na administração federal, há pelo menos 232 funcionários responsáveis por abertar botões Foto: André Coelho / Agência O Globo

BRASÍLIA — Cada vez mais incomum nos edifícios residenciais e comerciais, o trabalho do ascensorista ainda é requisitado nos prédios públicos. Nos principais órgãos da administração federal, há pelo menos 232 funcionários designados para a tarefa de apertar os botões dos elevadores e transportar servidores e visitantes. Acostumados a lidar com autoridades, eles têm muitas histórias para contar: de um deputado que pegou na perna de uma ascensorista às dúvidas de um presidente da Câmara que relutava em renunciar ao mandato após um escândalo de corrupção.

Por meio da Lei de Acesso à Informação, o GLOBO questionou ministérios, secretarias, Câmara, Senado, Procuradoria-Geral da República e Palácio do Planalto sobre a existência de ascensoristas. Dos 48 órgãos, 21 responderam que têm funcionários nessa tarefa. Em alguns casos, existe até a figura do supervisor de ascensorista. Em geral, esses funcionários são terceirizados, trabalham seis horas por dia apenas 12 têm salário superior a R$ 1.500.

CONSELHO SOBRE RENÚNCIA NO ELEVADOR

Na Câmara, são 50 funcionários, todos terceirizados. Um deles, que pediu para não se identificar, relatou episódio de 2005, quando o então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, foi acusado de receber propina do dono de restaurante que funcionava na Casa.

— Quando Severino Cavalcanti era presidente da Câmara, ele perguntou ao doutor Mozart (Vianna, ex-secretário-geral da Casa) se devia continuar no cargo. E Mozart o aconselhou a renunciar — contou o ascensorista.

Mozart confirmou a história, mas disse que não foi exatamente um conselho:

— Ele pediu uma opinião, fez uma consulta. Eu disse: a minha impressão é que o senhor não tem chance, a tendência é que o plenário casse o mandato.

Na Câmara, alguns ascensoristas, como Angélica Araújo de Andrade, começaram em outras funções. No posto há um ano e sete meses, ela trabalhou antes como copeira. Hoje, nos elevadores no Anexo IV, onde fica a maioria dos gabinetes dos deputados, Angélica diz que o atual trabalho é melhor que o anterior.

— Corri atrás, fiz pedido e consegui ir para o elevador. É melhor. Além de ser meio período, não carrego coisas pesadas — disse Angélica.

A ascensorista ouve muitas histórias e piadas.

— Uma pessoa que faz a gente rir é o Tiririca (deputado pelo PR de São Paulo), que tira sarro dos assessores dele. Ele faz piada dos assessores, mas da gente não — contou Angélica.


Angélica Araújo, ascensorista da Câmara dos Deputados, se diverte com as piadas de Titirica
Foto: André Coelho / Agência O Globo
Angélica Araújo, ascensorista da Câmara dos Deputados, se diverte com as piadas de Titirica Foto: André Coelho / Agência O Globo

Mas nem todas as histórias são boas. Uma ascensorista que também trabalha na Câmara relatou que um ex-deputado já a assediou. Com medo de perder o emprego, ela não levou a denúncia adiante, mas diz que conseguiu fazer um abaixo-assinado para mudar o uniforme. Conseguiu. As ascensoristas da Câmara deixaram de vestir saias e hoje usam calças.

— Tenho pavor dos elevadores de deputados. Na época em que usava saia, um pegou na minha perna — disse a ascensorista. — Eles cantam a gente, pode ser bonita, pode ser feia.

Os 78 ascensoristas na Câmara e no Senado — o que inclui dois controladores de tráfego — ganham entre R$ 1.022 e R$ 1.411. No Executivo, que emprega 79 pessoas, o salário é mais baixo: R$ 952. Apenas três servidores do Ministério da Agricultura, que também exercem outras funções, recebem mais de R$ 4 mil para trabalhar nos elevadores que atendem à ministra Kátia Abreu.

O Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Superior Tribunal Militar (STM) empregam 75 profissionais, com salários de R$ 952 a R$ 2.216. O STJ, que tem 46 ascensoristas e dois supervisores, listou 13 atribuições de supervisor, como orientar os subordinados, manter a disciplina, e fiscalizar o correto uso de uniformes e equipamentos.

NO BC, TRANSPORTE DE VALORES

Dos 21 órgãos da administração pública procurados pelo GLOBO, 14 deram explicações para a contratação de ascensoristas. As mais comuns foram a correta operação dos elevadores de carga, o bom atendimento a autoridades e público, e a necessidade de organizar o grande fluxo de pessoas. No caso do Banco Central, há uma peculiaridade: para garantir a segurança do transporte de valores por seus elevadores, a instituição diz que é necessário recorrer aos ascensoristas.

Algumas pastas estão diminuindo o efetivo. O Ministério da Fazenda, por exemplo, informou que alguns funcionários terceirizados estavam de aviso prévio. O Ministério do Desenvolvimento disse que reduziu o número de ascensoristas em 25%, o máximo permitido pelo contrato. Já o Meio Ambiente segue o caminho oposto: não tinha ascensorista, mas contratou dois. Polêmicas à parte, os ascensoristas confirmam alguns clichês da profissão.

— A gente escuta muita coisa, mas fica pela metade. Não tem começo, nem fim, só o meio — afirmou Antônio Terêncio de Almeida, que trabalha há 17 anos no Senado.