Rio Bairros

Barcas: difícil travessia em transporte sem acessibilidade

Cadeirantes relatam problemas no serviço e cobram melhorias

Todos os dias o auxiliar administrativo Raphael Victor dos Santos, de 27 anos, acorda às 5h. Ele sai de casa, em Maricá, no máximo às 5h30m, para tentar chegar à estação das barcas Araribóia, no Centro de Niterói, às 6h30m. A mulher dele o leva de carro. Morando em Icaraí, o técnico de informática, João Pedro Fraga, de 20, levanta-se às 5h45m. No máximo às 7h, o jovem tem que estar no interior do terminal das barcas na Praça Araribóia. Os dois são amigos e trabalham no Centro do Rio, a partir das 8h30m, em locais próximos na Avenida Rio Branco. Eles não fazem questão de acordar tão cedo para um fazer companhia ao outro. Além de enfrentar os problemas comuns a quem atravessa para o Rio diariamente, tais como trânsito e filas no acesso à estação das barcas, os dois são cadeirantes e encontram outros obstáculos no caminho. Lidam com as dificuldades impostas por um meio de transporte público pouco adaptado para eles. Existe uma fila prioritária, mas nada além disso.

Raphael era dançarino e perdeu as duas pernas há três anos, quando, num ato de crueldade, um assaltante lhe empurrou para debaixo de uma carreta. Ele reagiu ao assalto e por um milagre não perdeu a vida. Da rotina agitada, Raphael precisou se adaptar às limitações impostas pela cadeira e superou, sem revoltar-se. Voltou a trabalhar, reconquistou a namorada com quem tinha terminado pouco antes do acidente e jamais deixou de sorrir diante das dificuldades. Já João Pedro nasceu com paralisia nas pernas, provocada por uma doença de nome de difícil pronúncia: mielomeningocele. Trata-se de um defeito congênito que afeta a espinha dorsal. O jovem se acostumou, desde pequeno, a se virar na cadeira de rodas. Ele conta que poucas vezes, durante a infância e adolescência, viu-se em situações que lhe impusessem muitas limitações. Estudou em escolas particulares que se adaptaram a ele. Hoje cursa Educação Física em universidade particular, sem empecilhos. O problema está no acesso ao trabalho, em outra cidade, e na dependência de um serviço público que não se adequou aos portadores de necessidades especiais.

A linha seletiva de Charitas oferece melhores condições: a plataforma pouco sofre desnivelamento com a embarcação. Por se tratar de uma linha seletiva, os passageiros não viajam em pé, e os cadeirantes, embora não tenham um espaço para prender as cadeiras, conseguem se sentar nos assentos regulares e dobram suas cadeiras. O problema está na falta de gratuidade para portadores de necessidade especiais. O benefício é garantido apenas aos idosos.

Na Estação Araribóia, a gratuidade é garantida. Contudo, o acesso dos cadeirantes depende da boa vontade dos tripulantes para embarcar e desembarcar das barcas. A agitação da maré faz com que a plataforma fique desnivelada com a embarcação. O acesso para quem tem mobilidade normal já é complicado e se faz necessário aceitar as mãos estendidas dos tripulantes. No caso dos cadeirantes, a gentileza é uma obrigação. Eles precisam ter as cadeiras carregadas para sair ou entrar.

GLOBO-Niterói registra a rotina complicada dos cadeirantes

Jovens esperaram 25 minutos para serem desembarcados com ajuda dos tripulantes

O GLOBO-Niterói acompanhou a travessia dos dois cadeirantes a bordo de um catamarã social em direção à Praça 15 e registrou a dificuldade deles. Os jovens contaram à equipe de reportagem que costumam ficar de 15 a 20 minutos esperando os tripulantes lhes desembarcarem na estação. No dia da reportagem, uma quarta-feira dia 13, a espera chegou a 25 minutos. A dupla precisa, normalmente, esperar todos os passageiros desembarcarem, para depois receber a atenção dos funcionários. No dia, um dos tripulantes informa “esperem um pouquinho ai!”. E eles esperaram um bocado.

— É extremamente constrangedor ser carregado e é todo dia esta demora. As vezes esperamos até 15 minutos para entrar, outros 15 minutos para desembarcar. Nos dias de chuva, ficamos esperando debaixo d’água. Na linha seletiva não precisamos de ajuda, conseguimos entrar sozinho. Mas pagar R$ 24 todos os dias fica pesado para o nosso bolso ( a passagem custa R$ 12) — reclama Raphael dos Santos.

A equipe de reportagem notou ainda que as cadeiras viajam soltas no interior da embarcação. Em caso de acidente, é perigoso.

— Não temos como sentar nos assentos regulares, dificilmente encontramos um lugar disponível — conta João Pedro Fraga.

A concessionária Barcas CCR informa que, conforme a Lei estadual 4.510, a gratuidade para pessoas com deficiência não se aplica a passageiros de Charitas, por ser uma linha seletiva. A nota informa ainda que a operação das barcas está sujeita a interferências climáticas. A altura das marés pode gerar um desnível entre a plataforma de embarque e as pontes de atracação. A tripulação é treinada para auxiliar o embarque de qualquer passageiro, inclusive de pessoas com deficiência. A concessionária investiu em revestimentos especiais nos pisos, sinalização e comunicação ao usuário.