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Análise: o São Paulo precisa mais de Osorio do que ele precisa do clube

Quebrado financeiramente, sem perspectivas e com um título em seis anos, Tricolor precisa proteger e recuperar confiança do treinador se quiser mudar a longo prazo

Por São Paulo

Osorio São Paulo (Foto: Rubens Chiri/saopaulofc.net)Juan Carlos Osorio, técnico do São Paulo
(Foto: Rubens Chiri/saopaulofc.net)

O texto é um exercício de humildade e pés-no-chão ao torcedor são-paulino. Portanto, aviso já na segunda linha: se não estiver disposto a ler sobre os problemas que deixam o clube muito, mas muito longe da tal "soberania", nem continue.

Por que o São Paulo precisa mais de Juan Carlos Osorio, neste momento, do que o contrário? Para responder essa pergunta, é preciso ir além do resultado de um jogo ou mesmo de um campeonato, e enxergar a real – e perigosa – situação.

O São Paulo ganhou um mísero título nos últimos seis anos, a Copa Sul-Americana de 2012. Colecionou decepções trocando quase sempre 12 por meia dúzia: no time, no banco de reservas e na diretoria. O ditado está errado de propósito. Na maioria das vezes, a troca foi para pior.

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Ao contratar Juan Carlos Osorio, essa gestão, de raríssimos acertos, sinalizou a intenção de mudança, uma ruptura maior do que trocar um esquema tático ou apresentar mais um reforço popstar. Foi a busca por métodos e uma identidade que não há por aqui. E isso não significa ser melhor ou pior, apenas é diferente, e só por isso já se torna louvável.

Quando o treinador foi apresentado, já se sabia que ele não repetia escalações, qual era seu sistema de jogo preferido, sua mania de fazer anotações durante as partidas e transmiti-las aos atletas... Ninguém contratou gato por lebre. O São Paulo sabia exatamente o que estava fazendo. Sabia-se também, pelo canto dos fanáticos torcedores do Atlético Nacional, que seu "time tem coração". Outra característica que, no Morumbi, andava feito água na Cantareira.

Ninguém no clube queria Lugano, mas, ao dizer publicamente que Osorio era contrário à volta do zagueiro, Aidar o expôs de forma desnecessária. E só o colombiano teve coragem de assumir sua posição publicamente - e também de falar isso para o zagueiro

Tudo parecia encaminhado até essa diretoria que propôs a ruptura abandonar o protagonista. Para que desse certo, Osorio precisaria de uma proteção que jamais teve de seus chefes. No cumprimento do compromisso de não se desfazer dos jogadores – já foram oito – e na palavra de apoio aos novos métodos. Em vez disso, o presidente Carlos Miguel Aidar se apressou em dizer que o técnico barrou a volta do ídolo Lugano. Exposição desnecessária e não tão sincera, já que ninguém queria Lugano desde o ano passado. Nem Aidar nem Ataíde nem Muricy. A diferença é que Osorio conversou pessoalmente com o zagueiro, e teve coragem de admitir publicamente.

Analisar o trabalho do colombiano sem considerar o contexto é tremendamente raso. Tanto nas vitórias como nas derrotas, só se fala do rodízio, das canetinhas... O time que perdeu por 3 a 0 para o Goiás, por exemplo, só tinha duas modificações feitas por sua vontade em relação ao que jogou muito bem e só não venceu o Corinthians graças à trave e à arbitragem: Wesley no lugar de Ganso e Pato no lugar de Luis Fabiano. As outras duas mudanças foram por lesão e cartão.

Osorio é coerente com sua história e sua palavra. Impõe seus métodos sem autoritarismo e adapta o coletivo às perdas individuais. Sem Denilson e Souza, treina novos volantes: Breno, Lucão, Thiago Mendes... 

Desde que pisou no Morumbi e no CT da Barra Funda, Osorio é coerente com sua história e sua palavra. Impõe seus métodos sem autoritarismo e adapta o coletivo às perdas individuais. Sem Denilson e Souza, treina novos volantes: Breno, Lucão, Thiago Mendes... Para usar o esquema com pontas, que crê ser o melhor, tenta adaptar atletas ao setor: Carlinhos, Auro...

Osorio erra? É claro que sim. Escalar Pato na direita contra o Ceará foi injustificável. Também não estou seguro de que Michel Bastos na lateral e Carlinhos na frente seja a opção mais viável, embora a explicação do técnico seja bastante plausível. Mas imaginar que erros não fossem acontecer num processo de ruptura drástica seria o cúmulo da ingenuidade.

A vinda ao futebol brasileiro era, para o colombiano, como avançar um nível de dificuldade no jogo de videogame. Entrar em um novo patamar na carreira. Descobrir, repentinamente, que não se pode confiar na palavra dos que deveriam ser parceiros nessa etapa é uma decepção tão grande quanto receber uma mensagem desaforada após uma derrota. Falta de palavra e falta de educação são imperdoáveis a quem ostenta o apelido de "Lorde".

O São Paulo de hoje não é território de lordes. Está mais para as baixarias que marcam, por exemplo, as reuniões de conselheiros e dirigentes, afundados numa dívida de quase R$ 300 milhões

O São Paulo de hoje não é território de lordes. Está mais para as baixarias que marcam, por exemplo, as reuniões de conselheiros e dirigentes, afundados numa dívida de quase R$ 300 milhões. Dívida que não foi nem aliviada com a negociação dos oito atletas. Eles fazem muita falta a Osorio, mas suas saídas "apenas" permitiram que salários fossem pagos em dia. Até quando? Ninguém sabe. Quantos jogadores mais terão de sair?

O São Paulo está quebrado. Deve e não tem fonte de receitas. Não tem patrocínio de camisa e seu estádio tornar-se-á cada vez mais obsoleto perante as novas arenas. Não há nenhum estímulo à adesão de sócios-torcedores. Estímulo não são brindes, e sim credibilidade. Pode piorar? Sim. Daqui a quatro meses, Rogério Ceni estará aposentado. Luis Fabiano e Alexandre Pato, provavelmente, em outros campos. Não haverá dinheiro, ídolos, referências. Nada.

O São Paulo está quebrado. Deve e não tem fonte de receitas. Não tem patrocínio de camisa e seu estádio tornar-se-á cada vez mais obsoleto perante as novas arenas

Se nada mudar radicalmente na maneira de administrar o São Paulo, nessa gestão marcada por contratos que exigem entrevistas para serem explicados e comissões ainda mal explicadas, o torcedor descobrirá em breve que ainda há muito a descer nesse incômodo buraco.

Juan Carlos Osorio é um técnico barato em comparação a outros de resultados medíocres. Encara o São Paulo como um desafio para alçá-lo a voos ainda maiores. Prioriza o trabalho bem feito, não tem vícios nem preguiça de melhorar o material que tiver em mãos. É uma reserva de dignidade e modernidade num clube perdido em sua diretoria arqueológica. É capaz de, mesmo com erros, dar uma identidade a uma equipe que será jovem e barata.

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Não importa se o São Paulo vai eliminar o Ceará na quarta-feira. Assim como não importaram, nesses últimos seis anos, derrotas vexatórias para Penapolense, Bragantino, Avaí, Ponte Preta, entre outros, ou algumas vitórias marcantes. O Tricolor ganhou, perdeu, empatou, e não mudou. Não saiu de sua inércia. Pior: andou para trás. É preciso enxergar além de um jogo.

Se o São Paulo quiser mesmo mudar, de verdade, a longo prazo, tem de lutar por Osorio. Protegê-lo. Ajudá-lo. Valorizá-lo. E recuperar sua confiança. Pois, pelos valores de vida que o técnico carrega, não consigo imaginá-lo trabalhando onde não se pode confiar nas pessoas.

alexandre lozetti fooster (Foto: Globoesporte.com)