RIO — O diretor Wolney Oliveira já tinha filmado 180 horas de material para o documentário “Lampião, o governador do Ceará”, quando recebeu uma “notícia-bomba” do historiador João de Souza Lima: “Wolney, a Durvinha e o Moreno ainda estão vivos!”, teria dito o baiano, referindo-se ao casal de jagunços reunido durante o reinado de terror do lendário cangaceiro pernambucano, encerrado em 1938, com a execução do bando. Naquele momento — era 2006 —, o realizador cearense decidiu virar totalmente o foco de seu projeto sem, no entanto, se desfazer das pesquisas realizadas até ali.
— Uma das cenas de que mais gosto no filme “Lampião, o rei do cangaço” (1937), do Benjamin Abrahão, o único que conseguiu registrar imagens do cangaceiro e seu bando, e do qual conseguimos descobrir trechos inéditos, é uma em que a Durvinha caminha em direção à câmera com uma arma, fingindo que está atirando. Aquilo me deu o novo caminho do filme — conta Oliveira sobre a origem de “Os últimos cangaceiros”, em cartaz nos cinemas desde esta quinta-feira (28).
O diretor deixou Lampião de lado e foi atrás de Durvinha e Moreno, que viviam no interior de Minas Gerais. O casal, que aderira ao grupo de Virgulino Ferreira voluntariamente e conseguira fugir das autoridades que perseguiram os remanescentes do bando, constituiu família naquele estado e escondeu seu passado dos filhos por mais de 50 anos. Considerado o último cangaceiro homem, Moreno, cujo nome de batismo era Antônio Ignácio da Silva, morreu em 2010, aos 100 anos; sua companheira, Durvinha, na verdade Durvalina Gomes de Sá, faleceu dois anos antes, aos 93.
Mais do que um filme sobre o casal, “Os últimos cangaceiros” é um documentário sobre o cangaço, o código de honra que regia a vida de seus integrantes. Em um certo momento da narrativa, quando Moreno é levado a visitar Brejo Santo, no interior do Ceará, sua cidade natal, e é recebido como um herói, ele confessa que tinha 16 anos de idade quando matou pela primeira vez, e que “não sentia remorso nenhum”.
CANGAÇO OSTENTAÇÃO
É também um filme sobre costumes e rituais dos cangaceiros, que costuravam suas próprias roupas, muito ornamentadas e coloridas.
— Os bandidos, em geral, procuram o mimetismo, se camuflam. Eles, não — observa Oliveira. — Um repórter da época descreveu a passagem do bando como um desfile de escola de samba, de tão coloridos. Gostavam de usar peças de ouro. Era a ostentação do poder econômico e da arma.
“Os últimos cangaceiros” teve sua première em 2011, no Cine Ceará, festival do qual Oliveira é diretor, e percorreu mais de 50 eventos nacionais e estrangeiros, enquanto esperava verba para o lançamento, “um problema comum à toda a produção independente no país”. Com o filme finalmente entregue ao público, o diretor finaliza “A guerra da borracha”, sobre o período de declínio da extração do produto, e prepara um documentário sobre os 100 anos do Ceará Sporting Club, antes de retomar “Lampião, o governador do Ceará”.
— Um dos aspectos interessantes da vida do cangaceiro é que ele foi recebido por interventores. Ele queria financiar campanhas políticas. Morreu pela fortuna que carregava — adianta o diretor.