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Direitos humanos são violados – e o Brasil se omite

Direitos humanos são violados – e o Brasil se omite

Das Nações Unidas à União Europeia, todos protestam contra a prisão arbitrária de Leopoldo López, que faz oposição a Nicolás Maduro na Venezuela. Todos – menos nós

26/09/2015 - 10h02 - Atualizado 26/09/2015 12h13

A Venezuela está no caminho inexorável para se tornar uma ditadura de fato. No último dia 10, em um arremedo de julgamento, a Justiça do país condenou o líder oposicionista Leopoldo López, dirigente do partido Vontade Popular, a 13 anos, nove meses, sete dias e 12 horas de prisão. López, um economista de 44 anos com mestrado em Harvard, foi um dos mais ferrenhos críticos de Hugo Chávez e o principal promotor da estratégia conhecida como “La Salida”, que pedia a saída do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.

Entre fevereiro e maio de 2014, milhares de venezuelanos protestaram contra o governo pedindo o fim do chavismo. Os protestos, duramente reprimidos pela polícia de Maduro, causaram a morte de 43 pessoas. López e quatro opositores foram acusados de incitar os crimes. Depois de ficar um ano e meio preso sem julgamento, López foi condenado por “promover a perturbação da ordem pública”, “danos à propriedade”,  e “associação criminosa”. O advogado de defesa, Carlos Gutiérrez, disse que o julgamento foi repleto de irregularidades, que refletem a “falta de independência” da Justiça venezuelana. López cumprirá a pena na prisão militar de Ramo Verde, em uma cela de 4 metros quadrados, sem luz e isolada na ala solitária do presídio. Diversos organismos internacionais protestaram contra o julgamento de López e manifestaram preocupação com a democracia e os direitos humanos na Venezuela. A subsecretária de Estado dos Estados Unidos, Roberta Jacobson, se mostrou “profundamente preocupada” com a pena. A União Europeia (UE) disse que o processo contra López não foi transparente. Na última Assembleia-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, em maio, o novo secretário-geral da instituição, o uruguaio Luís Almagro, pediu respeito à oposição de ideias no continente. O representante do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad al Hussein, criticou as condições de encarceramento de manifestantes pacíficos pelo governo de Maduro.
 

Leopoldo López, ao ser preso em 2014. (Foto: Jorge Silva/Reuters)

Não bastassem as claras violações de direitos humanos na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro parece cada dia mais afeito às típicas bravatas de regimes ditatoriais em busca de manobras diversionistas. Desde junho, Maduro mergulhou a Venezuela em conflitos bilaterais com vizinhos, como Colômbia e Guiana. Muitos enxergam nas manobras de Maduro um eco da política externa do general argentino Leopoldo Galtieri. Em 1982, Galtieri invadiu as Ilhas Malvinas com a clara intenção de desviar a atenção da gravíssima crise econômica em que a Argentina mergulhara.

A tensão entre Colômbia e Venezuela é cada vez maior. O governo Maduro aumentou o estado de exceção na fronteira entre os dois países. No total, 23 municípios (de 335) estão sob rigorosa vigilância militar. Estima-se que cerca de 20 mil colombianos tenham sido deportados ou abandonado a Venezuela, provocando uma crise humanitária que o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, não esperava encarar em seu segundo mandato. Apesar da pressão de alguns países da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), não há data para uma reunião de emergência entre os presidentes do bloco para discutir o conflito. Santos se dispôs a encontrar Maduro, mas exigiu que os líderes da Unasul “tomem decisões e não apenas tirem fotos”. Tudo isso ocorre em plena campanha para as eleições legislativas na Venezuela, em dezembro. Nelas, a oposição ao chavismo seria franca favorita, se houvesse certeza de lisura no processo eleitoral. O que há, porém, é a violência do Estado por toda parte, com a prisão arbitrária de líderes oposicionistas e cidadãos que participam de manifestações; a coação do Legislativo e do Judiciário pelo Executivo; a proliferação das milícias bolivarianas; o controle dos meios de comunicação.

Enquanto Maduro envereda rumo ao radicalismo e a truculência do governo preocupa a comunidade internacional e organismos multilaterais, o Brasil silencia. Trata-se de um mutismo contumaz – e eloquente. Depois de mais de uma década de leniência com os atos tresloucados do regime bolivariano, o Brasil está de mãos atadas para servir como mediador na Venezuela. O governo brasileiro escolheu Nelson Jobim para ser o enviado especial às eleições venezuelanas. Ex-deputado e ex-presidente do Supremo, ele serviu como ministro dos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma. Jobim esteve na linha de frente para contornar crises anteriores provocadas pelo chavismo. Mas, desta vez, a tarefa é inglória. Maduro rejeitou a criação de uma comissão de observadores eleitorais, inviabilizando os planos originais do governo brasileiro para tentar amainar os ânimos na Venezuela. Jobim, o Brasil e nenhuma instituição ou organismo internacional terão mandato para averiguar ou denunciar irregularidades nas eleições. Nesta altura, o Itamaraty teme que qualquer manifestação sua gere uma reação intempestiva de Maduro e até um rompimento de relações da Venezuela com o Brasil. O Brasil abdicou do papel de liderança regional. Hoje, não tem mais instrumentos para influenciar o comportamento do regime venezuelano – que, enquanto isso, prende inocentes. 








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