Esportes Rio 2016

Desapropriações na Vila Autódromo já custam uma arena olímpica

Ação da Prefeitura é questionada por especialistas. Município não se pronunciou
Vista aérea da Vila Autódromo antes das remoções: casas nas margens da lagoa e próximas à avenida Abelardo Bueno não existem mais Foto: Genilson Araújo / Parceiro/O Globo
Vista aérea da Vila Autódromo antes das remoções: casas nas margens da lagoa e próximas à avenida Abelardo Bueno não existem mais Foto: Genilson Araújo / Parceiro/O Globo

RIO — Sábado, 13 de fevereiro. O rompimento de uma tubulação de água no interior do Parque Olímpico provoca um lamaçal que invade a sede da Associação de Moradores da Vila Autódromo, vizinha às obras olímpicas na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, e o prédio é completamente esvaziado. Foi um prenúncio do que aconteceria 11 dias depois, nesta quarta-feira, quando a associação foi esvaziada de vez para que fosse demolida, após o município conseguir um mandado de imissão de posse .

O fato pode ser interpretado como um acidente de trabalho corrigido assim que possível. Segundo a Prefeitura do Rio, funcionários da empresa responsável pelas obras auxiliaram na limpeza do prédio. Mas também tem uma dimensão simbólica: como o desejo de erguer o coração dos Jogos Olímpicos de 2016 ignorou opções menos traumáticas aos moradores da comunidade, reduzida a cerca de 50 famílias, menos de 10% do que havia em 2013, antes do início das remoções.

— Houve demolições desnecessárias no miolo da Vila Autódromo. Mostramos que seria possível fazer alargamento das avenidas de acesso ao Parque Olímpico atingindo muito menos do que foi atingido. Não há motivo técnico ou econômico, apenas preconceito social, que justifique tantas remoções. Fizeram a avenida passar por cima das pessoas para limpar o terreno para a especulação imobiliária. É limpeza social a pretexto de alargamento das vias — afirma Carlos Vainer, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPPUR) da UFRJ.

A Prefeitura do Rio foi procurada, por telefone e por email, mas não se manifestou até o fechamento desta reportagem.

INDENIZAÇÕES SUPERAM GASTOS EM ARENAS OLÍMPICAS

Vainer participou da coordenação do Plano Popular da Vila Autódromo, feito em parceria com o Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (NEPHU) da UFF e com os próprios moradores da comunidade. A primeira versão, divulgada em 2013, estimava em R$ 13,5 milhões o custo de reurbanização do local, incluindo a recuperação ambiental da margem da Lagoa de Jacarepaguá e a redistribuição de 82 famílias dentro da própria comunidade. A Associação de Moradores permaneceria no terreno original, dividindo espaço com uma creche.

Levantamento realizado pela vereadora Teresa Bergher (PSDB) mostra que, só com indenizações para moradores removidos, a Prefeitura já gastou cerca de R$ 208 milhões desde 2014. O custo é 16 vezes maior do que o previsto originalmente no Plano Popular e, se comparado ao investimento em arenas olímpicas, só ficaria abaixo do Centro de Esportes Aquáticos, orçado em R$ 217,1 milhões.

Altair observa os escombros da casa onde vivia, nos fundos da Associação de Moradores Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Altair observa os escombros da casa onde vivia, nos fundos da Associação de Moradores Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

Vainer reclama que a Prefeitura jamais deu atenção para seu projeto, e também nunca apresentou um plano próprio. O prefeito Eduardo Paes vem dizendo que só apresentará uma proposta de reurbanização quando acabarem as remoções. Não se sabe quando isso vai acontecer .

— Falta transparência ao processo de desapropriações da Vila Autódromo. Denunciei a discrepância de valores, pois para alguns imóveis a Prefeitura chegou a pagar milhões; e para outros, 40 mil. Agora, o Diário Oficial publica desapropriações em bloco e não sabemos mais quanto vale cada desapropriação. Só descobrimos que são referentes à Vila Autódromo quando lançamos o processo no SICOP (Sistema Único de Controle de Protocolos) — acusa a vereadora Teresa Bergher.

PRESENÇA OSTENSIVA DO MUNICÍPIO

Neste sábado, 27, será apresentada uma atualização do Plano Popular de reurbanização. Até lá, novas remoções podem ocorrer. De acordo com a Defensoria Pública do Rio, ainda há quatro casas em áreas listadas no decreto de desapropriação. Duas delas ficaram cercadas pelos tapumes do Parque Olímpico, e só podem ser acessadas com credenciais dadas pela Subprefeitura da Barra. No último dia 12, o prefeito Eduardo Paes afirmou que ambas não poderiam mais ficar onde estão.

— Tenho a sensação de que alguma hora vou chegar em casa e ela não estará mais de pé. Estamos deixando eles com raiva. Quando eles ficarem com muita raiva, vão derrubar tudo, pode ter certeza — afirma a decoradora de festas Marcia Lemos, de 59 anos, moradora de uma das casas ilhadas.

João Helvécio, coordenador do Núcleo de Terras e Habitação (Nuth) da Defensoria Pública do Rio, critica o que considera uma intervenção exagerada da Prefeitura na Vila Autódromo. Na quarta-feira, segundo moradores, um agente da Guarda Municipal à paisana entrou na casa da diarista Maria da Penha, de 50 anos, uma das listadas no decreto de desocupação, e passou a fazer fotos sem autorização. A Prefeitura não respondeu ao pedido de esclarecimentos da reportagem do GLOBO.

Helvécio vem argumentando que o município não poderia negociar remoções, porque os títulos de posse foram distribuídos pelo Governo do Estado na década de 1990.

— A própria presença da Guarda Municipal (na Vila Autódromo) se tornou ostensiva. Estão sempre com um micro-ônibus por lá. As pessoas não podem conversar, eles se aproximam quando veem grupos de cinco pessoas ou mais. Estamos voltando para a década de 1970, no AI-5, e está se naturalizando essa questão.