• Raphael Salomão, de Passo Fundo (RS)*
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economia-biotrigo-trigo-aerea (Foto: Divulgação/Biotrigo)

Vista aérea do novo centro de pesquisas da Biotrigo. Investimento de R$ 20 milhões (Foto: Divulgação/Biotrigo)

A Biotrigo, empresa especializada em desenvolvimento genético do trigo, planeja lançar em dois ou três anos uma variedade exclusivamente voltada para a produção no Cerrado. Foi o que afirmou, nesta quinta-feira (1/10) o diretor de Negócios, André Cunha Rosa. Segundo ele, pelo menos duas cultivares da companhia já são planatadas em áreas que integram o bioma, mas são produzidas no Sul e adapatadas para as características da região.

“O trigo para o Cerrado está em fase de multiplicação e testes de adaptação. Acreditamos que poderá contribuir com qualidade, desempenho e resistência a brusone, muito agressiva, muito presente naquela região e um dos principais limitantes da cultura lá”, avaliou André, agrônomo de formação, mencionando a doença também conhecida como branquamento da espiga, considerada de difícil controle e contra a qual fungicidas, segundo ele, têm pouca eficácia.

Para a direção da Briotrigo, a triticultura deve se consolidar em um horizonte de cinco anos no Cerrado, considerado uma das principais fronteiras agrícolas para o cereal no Brasil. Na avaliação da companhia, mesmo com o clima quente e menor disponibildiade de água, há potencial de produção, tanto para lavoura irrigada quanto para a de sequeiro. “Não é tão difícil produzir lá”, avalia André, que gerencia a empresa com Ottoni Rosa Filho, diretor técnico.

“Nós temos variedades plantadas lá e a tendência, a meu ver, é aumentar. Obviamente existe uma parte de conhecimento. Os agricultores vão conhecendo, o mercado vai reconhecendo como um local que tem trigo e as coisas vão mudando safra a safra. Todos os anos acontece alguma coisa diferente, mas está aumentanto”, avalia Ottonio, sem estimar uma área potencial a ser plantada.

Os executivos fizeram as declarações durante a inauguração da nova sede e centro de pesquisa, no município de Passo Fundo (RS). Além dos escritórios administrativos, o local tem estufas, unidades de armazenagem e de processamento, para análise do desempenho industrial. As obras duraram cinco anos. O investimento de R$ 20 milhões foi parte financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e parte capital próprio, das vendas e de um contrato de cessão de parte do germoplasma para a Bayer Cropscience, firmado em 2012.
 

Mercado

Em relação ao mercado, André Cunha Rosa avaliou que, em função das perdas ocorridas nas lavouras e nas sementeiras, a expectativa é deixar de receber parte dos royalties sobre suas tecnologias neste ano. No entanto, sem detalhar os números, considerou a possibilidade dessa perda ser, em alguma parcela, compensada. “O agricultor terá que plantar e se o sementeiro não tiver, vai ter que buscar. A preocupação acaba não sendo a nossa renda, mas o triticultor e o sementeiro, que perdeu, muitas vezes, o que tinha recém-comprado”, disse.

Apesar disso, a Biotrigo deve manter a trajetória de crescimento, acredita o executivo. Além da matriz em Passo Fundo, a empresa tem uma filial em Campo Mourão (PR). Detém, segundo suas próprias informações, 67% do mercado de sementes de trigo no Brasil. No Rio Grande do Sul, a participação chega a 90% e no Paraná, a 55%. O estado é de onde se espera maior expansão em 2016. A Biotrigo atua ainda em países como Argentina, Uruguai, Paraguai e Estados Unidos, com genética adaptada para essas regiões e por marcas de empresas parceiras. A participação dessas operações no total dos negócios ainda é menor do que 10%.

“É pouco, mas há uma troca de informações sobre melhoramento e desenvolvimento. Esse conhecimento dos outros países ajuda a fazer as coisas aqui. Não remunera tanto, mas é uma segurança. Se algo der errado aqui no Brasil, estamos com o pé nesses países”, pondera o diretor de negócios.

O portfólio atual tem pelo menos 14 cultivares. Cada uma leva, em média, cerca de dez anos para chegar ao mercado e os investimentos milionários começarem a dar retorno. O mix de produção está em 97% de sementes de trigo pão ou melhorador. O restante é para massas e biscoitos e um trigo chamado de branqueador, para corrigir defeitos como a coloração ou baixo teor de gluten. O material é vendido para sementeiras que, por sua vez, fornecem em maior escala aos triticultores.

Obstáculo

Na opinião de André Cunha Rosa, o trigo brasileiro ainda tem muito a melhorar em qualidade, um processo que passa pelo desenvolvimento genético. No entanto, o setor ainda enfrenta obstáculos. Entre os principais, está a chamada semente salva, quando o produtor guarda parte da colheita para replantio. Outra, masis grave, é quando o agricultor estoca para revender, o que considerado um tipo de “pirataria” e é ilegal.

Do ponto de vista de uma empresa como a de André, o efeito desse tipo de prática é a queda de receita com os direitos de uso das variedades. Segundo ele, prejudica a sequência do trabalho de pesquisa e desenvolvimento de cultivares. “Se a minha renda cai, eu reduzo a pesquisa e a velocidade do meu desenvolvimento.”, diz ele.

O executivo se diz pessoalmente contra o uso da chamada semente salva, mas como esta prática especificamente não é ilegal, admite que não tem como interferir na escolha do agricultor. Mas defende a criação de um sistema de pagamento pela tecnologia a ser reutilizada, embora pouco acredite na viabilidade desse tipo de medida no Brasil. 

“Temos que evoluir nisso. No Uruguai, por exemplo, ou você compra a semente ou paga pelo que guardou. Esse é o motivo do mercado ser mais atrativo para quem desenvolve sementes”, afirma o executivo.

*O jornalista viajou a convite da Biotrigo