Para MP, Lava-Jato pode ajudar a esclarecer caso Celso Daniel

Investigadores pedem acesso a citações sobre corrupção em Santo André

por Sérgio Roxo

As investigações da Operação Lava-Jato podem ajudar a esclarecer mistérios que ainda cercam o assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel (PT), que completa 14 anos na próxima quarta-feira. O Ministério Público de São Paulo pretende pedir nos próximos dias ao juiz Sérgio Moro acesso às informações levantadas na apuração do Paraná sobre um empréstimo fraudulento obtido pelo pecuarista José Carlos Bumlai, cujos recursos podem ter sido usados para calar um empresário de Santo André, que teria chantageado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A partir da análise dos documentos, o Ministério Público paulista decidirá se abre novas frentes nas investigações sobre o esquema de pagamento de propina que funcionava na prefeitura da cidade do ABC paulista e teria motivado o assassinato de Daniel. As informações levantadas pela Lava-Jato podem esclarecer se a cúpula do PT sabia dos desvios de recursos em Santo André.

Valério citou empréstimo

Assassinato sobre o prefeito Celso Daniel, que completa 14 anos, é cercado de dúvidas sobre a sua motivação - 20/01/2002 / Vania Delpoio 20.01.2002

A suposta ligação dos desvios no município paulista e o comando petista foi levantada em 2012, quando o publicitário Marcos Valério, operador do mensalão, citou, em depoimento à Procuradoria Geral da República, que foi abordado por um dirigente petista, em 2004, para obter R$ 6 milhões para pagar o empresário Ronan Maria Pinto. Ronan estaria chantageando Lula, então presidente da República, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, com ameaças de contar detalhes da corrupção na prefeitura do ABC. O depoimento de Valério foi usado por Sérgio Moro, em novembro, como um dos motivos para justificar a decretação da prisão preventiva de Bumlai, amigo de Lula.

No depoimento de Valério, o publicitário conta que foi informado que Ronan, para não contar o que sabia, queria dinheiro para comprar o jornal “Diário do Grande ABC”. Em seu despacho, Moro diz que a Receita Federal constatou que o empresário pagou R$ 6,9 milhões pelo jornal, em 2004, e que há suspeita de simulações de empréstimos para camuflar a origem do dinheiro que permitiu a compra.

A análise dos dados fiscais de uma empresa de ônibus de Ronan também confirma o recebimento de um empréstimo de R$ 6 milhões no mesmo ano. Os investigadores da Lava-Jato acreditam que Ronan foi o destinatário final de parte do dinheiro de um empréstimo fraudulento de R$ 12 milhões que Bumlai admitiu ter pego para o PT no Banco Shahin (perdoado com a obtenção pelo grupo Shahin de um contrato na Petrobras).

— O Ministério Público está atento aos fatos que surgem na Operação Lava-Jato e às implicações que eles podem ter aqui em Santo André — afirma a promotora Sirleni Fernandes da Silva, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do ABC.

Ronan, que possui empresas de coleta de lixo, não é acusado de participação na morte de Celso Daniel, mas é réu em três ações criminais que tem relação com irregularidades na gestão de Santo André. Em novembro de 2015, ele foi condenado a dez anos e quatro meses de prisão em primeira instância numa das ações, mas recorre em liberdade.

Segundo a sentença, Ronan seria responsável por arrecadar propina entre os empresários que exploravam linhas de ônibus em Santo André. Além disso, foi sócio numa empresa de ônibus de Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, apontado pelo Ministério Público como mandante do assassinato.

De acordo com a apuração do Ministério Público, Celso Daniel teria decidido acabar com um esquema de cobrança de propina na prefeitura de Santo André liderado por Sombra. Insatisfeito com a decisão do prefeito, o empresário, que era amigo e ex-segurança do prefeito, teria contratado uma quadrilha para simular o seu sequestro e matá-lo. A tese do Ministério Público de crime de mando já foi referendada nos julgamentos dos seis executores do assassinato — todos condenados.

Ronan diz desconhecer bumlai

O empresário Ronan Maria Pinto negou conhecer pessoalmente Marcos Valério em 2012 - Ailton de Freitas / O Globo

Procurado, Ronan disse, por meio de sua assessoria, que não conhece Bumlai nem Valério. Disse ainda que aguarda “com total tranquilidade as investigações que vêm sendo feitas no âmbito da Operação Lava Jato, e que devem encerrar de vez esse assunto no qual a toda hora sou citado”.

O Instituto Lula disse que não comentaria as informações de Valério sobre a chantagem. Já Dirceu nega que tenha sido chantageado. Gilberto Carvalho não foi localizado, mas em outras oportunidades também negou ter sido alvo de chantagem por parte de Ronan. Sombra nega participação na morte de Celso Daniel.

Mais 7 mortes ligadas ao caso

Juiz fala com Ivan Rodrigues da Silva (de costas), um dos condenados pelo assassinato de Celso Daniel - Eliária Andrade/ O Globo

Celso Daniel foi sequestrado no dia 18 de janeiro de 2002, na Zona Sul de São Paulo, quando voltava de um jantar com Sérgio Gomes Gomes da Silva, o Sombra, de quem era amigo. O empresário dirigia uma Pajero blindada e o prefeito estava no banco do passageiro. Dois dias depois, a polícia encontrou o prefeito morto, com oito tiros, numa estrada rural de Juquitiba, na região metropolitana de São Paulo. De acordo com o Ministério Público, Sombra contratou Dionísio de Aquino Severo, resgatado de helicóptero de um presídio em Guarulhos um dia antes do sequestro, para organizar a ação e recrutar os demais integrantes da quadrilha que simulariam um crime comum. Dias depois de ser preso, em abril de 2002, Dionísio foi morto, antes de dar o seu depoimento.

Outras seis pessoas que tiveram algum tipo de vínculo com a morte de Daniel também morreram. Sérgio “Orelha”, que abrigou Dionísio nos dia seguintes à morte do prefeito, foi metralhado, em novembro de 2002. O investigador de polícia Otávio Mercier, que ligou para Dionísio na véspera do sequestro, também foi morto. Em dezembro de 2003, o agente funerário Iran Moraes Redua, primeiro a identificar o corpo do prefeito, foi assassinado com dois tiros. O garçom Antonio Palácio de Oliveira, que serviu o prefeito no jantar com Sombra no dia 18 de janeiro de 2002, morreu em fevereiro de 2003. Ele levou um chute quando dirigia uma moto, perdeu o controle e colidiu com um poste.

A única testemunha da morte do garçom, Paulo Henrique Brito, foi assassinada, 20 dias depois. O médico legista Carlos Alberto Delmonte Printes, que constatou indícios de tortura ao examinar o corpo de Daniel, se suicidou com ingestão de medicamentos em 2006.

Os seis criminosos contratados por Dionísio já foram condenados pela morte do prefeito. A Justiça também decidiu levar Sombra a júri popular, mas, em dezembro 2014, ele conseguiu uma decisão no STF para anular o processo com o argumento de que os seus advogados não puderem interrogar os demais réus. A fase de instrução do processo terá que ser feita, com novos depoimentos. Num cenário otimista, o juiz Wellington Urbano Marinho acredita que o julgamento ocorrerá em 2017.