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O desenvolvimentismo de pé-quebrado

O desenvolvimentismo de pé-quebrado

O pacote de crédito emergencial para setores escolhidos pelo governo sinaliza a retomada de práticas econômicas do primeiro mandato de Dilma que levaram o país ao atoleiro

29/08/2015 - 10h01 - Atualizado 29/08/2015 10h01

Perto de completar oito meses de seu segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff parece ainda não ter compreendido plenamente as razões que levaram a economia do país ao atoleiro. Diante do enorme desafio de recuperar a confiança dos empresários e a credibilidade da política econômica, Dilma continua a insistir em soluções adotadas no primeiro mandato que se mostraram claramente equivocadas e deveriam ser abandonadas para sempre. Com isso, em vez de contribuir para melhorar o quadro, ela acaba por alimentar as dúvidas sobre suas reais intenções de rever o modelo do nacional-desenvolvimentismo de pé-quebrado implementado desde o segundo governo de Lula e ampliado em sua gestão. Dilma ainda reforça os rumores sobre a perda de influência do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a principal trincheira de credibilidade do governo, e aumenta as incertezas dos agentes econômicos, que já não são poucas, sobre as perspectivas econômicas do país.

Num momento em que procura desesperadamente obter o apoio do setor produtivo para superar a pasmaceira da economia e enfrentar a crise política, o governo decidiu recorrer novamente aos bancos públicos para liberar empréstimos a juros de pai para filho para alguns setores da economia, se eles se comprometerem a não demitir funcionários. O crédito emergencial poderá chegar a R$ 8,1 bilhões. O primeiro setor a se beneficiar das benesses oficiais será ela, sempre ela – a indústria automobilística. Como acontece desde os tempos do regime militar, com breves períodos de exceção, as montadoras deitam e rolam em Brasília. A partir da posse de Lula, em 2003, passaram a contar com o apoio decisivo dos sindicatos de metalúrgicos do setor, vinculados historicamente ao PT. Em breve, segundo a presidente da Caixa, Miriam Belchior, a bondade do governo deverá se estender aos setores de eletroeletrônicos, telecomunicações, papel e celulose, farmacêutico e químico, embora não haja uma explicação clara para a escolha dos setores beneficiados.
 

Pátio da Ford  (Foto: Paulo Whitaker/Reuters)

Com o ajuste fiscal fazendo água, Dilma deveria se preocupar em reforçar a ideia da estabilidade nas regras do jogo e mostrar que elas valem para todos. Seria um sinal claro de mudança, em vez de trazer de volta o patrimonialismo do primeiro mandato, tão criticado por Levy, segundo o qual se dá melhor quem mantém boas relações nos gabinetes oficiais. Como se pode comprovar agora, o patrimonialismo do governo, geralmente atribuído ao ex-ministro Guido Mantega, tinha muito da mão da própria Dilma – e nem Levy consegue enfrentá-la nesse quesito.

Levy até tentou defender a medida, ao afirmar que ela não compromete o plano de estabilização apoiado pela Fazenda e pelo Banco Central. Seu argumento é que os bancos públicos, como o BB e a Caixa, vão usar recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e não do Tesouro, nas operações. Não é preciso ser um gênio das finanças, porém, para perceber que a operação hospital montada pelo governo para as grandes empresas vai na direção oposta do ajuste. Com as taxas de juro na estratosfera, para tentar enxugar a liquidez da economia e conter a inflação, é um contrassenso o governo estimular o crédito, colocando mais recursos na praça. Isso poderá levar o Banco Central a ter de subir ainda mais os juros para tirar o dinheiro de circulação depois. É o próprio governo, com a dívida pública na faixa de R$ 2,5 trilhões, o maior prejudicado com a alta das taxas.

No atual cenário, o melhor que o governo poderia fazer para favorecer a retomada do crescimento é se concentrar no equilíbrio das contas públicas. Não por meio do corte de investimentos e de benefícios sociais, nem do aumento de impostos, como fez até agora, mas da redução das despesas de custeio, aquelas feitas com a máquina administrativa. Sem uma ampla reforma, que permita uma diminuição significativa dos 25 mil cargos comissionados, e a adoção de medidas que levem à queda dos gastos obrigatórios, é pouco provável alcançar uma solução sustentável para as finanças públicas, que abra caminho para o desenvolvimento. O pacote patrimonialista pode até render para Dilma algum alívio junto ao Congresso Nacional e a alguns segmentos da sociedade, mas nunca passará de um mero paliativo.








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