Brasil Conte algo que não sei

Fernando Seguro Trejo, sociólogo: '‘Messi veio desafiar a ideia de um craque-Deus'

No Brasil para doutorado na FGV, mexicano estudou a construção simbólica da carreira do jogador argentino e atua em projetos sociais ligados ao futebol no Rio
Para ele, sucesso é resultado da soma entre talento, incentivo e sorte Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Para ele, sucesso é resultado da soma entre talento, incentivo e sorte Foto: Leo Martins / Agência O Globo

“Nasci na Cidade do México, me formei em sociologia e fiz doutorado na França. Vivi na Argentina. Estou no Brasil há dois anos, fazendo outro doutorado. Trabalho com futebol há dez anos, interessado que sou em diferentes questões, principalmente no jogo como ferramenta social ”

Conte algo que não sei

Houve um festival no Rio, no Caju, com ONGs, durante a Copa do Mundo, que tive o privilégio de acompanhar. Ali, enquanto a Copa rolava, o interesse e as paixões das crianças estavam sendo trabalhados para a busca um futuro melhor. Não é conhecido o efeito desses projetos. Há dinâmicas onde os gols não contam e o que vale é o comportamento, tendo o jogo como parâmetro. Transcende o futebol.

Mas a maioria não consegue se tornar jogador...

É uma grande decepção. Muitos sofrem violência, e na maior parte das vezes sequer têm uma oportunidade. No clube, há agentes para garantir o sucesso. No projeto social, porém, eles podem descobrir talentos novos. Mudar o vocabulário. Aceitar outros pontos de vista.

O talento leva ao sucesso?

Não. É essencial. Mas é preciso que uma equipe acompanhe a criança (podem ser o pai ou a mãe); condições físicas adequadas; e um processo de constante avaliação, de acordo com o conceito do sociólogo Pierre-Michel Menger. Além disso, eu agregaria a sorte. Este é o caso do Messi.

Quem é, afinal, Lionel Messi?

Um garoto normal com talento anormal, que explica, por si, o que é o mais alto nível do futebol. Com prazer e a força mental para nem se incomodar com as radicais criticas dos argentinos.

Que críticas?

Há uma pressão para ele ser o maior da História. Mas isso nunca esteve entre os objetivo dele ou da família. Ele já está virando simplesmente o Messi. Alguns dizem que já ultrapassou Maradona: é o jogador argentino com mais títulos em clubes. No fundo, Messi tem pouco reconhecimento.

Como se ultrapassar Maradona, se ele é “Deus”?

Maradona é o maior ídolo de Messi. E não vai se repetir. Esse é um peso que a sociedade e a imprensa têm colocado sobre Lionel. Messi quer ser Messi. Não quer ser Maradona. Seria bom para os Argentinos equilibrar este jogo, para evitar heróis absolutos, gente que vira divindade. Messi veio desafiar a ideia de um craque-Deus.

Por que Maradona é o que é?

Ele chegou para redimir uma sociedade de um período de ditadura e da derrota nas Malvinas. Bateu o inimigo simbólico, a Inglaterra. Ganhou a Copa e vingou a derrota. Ele também representa perfeitamente a saga do menino pobre.

E Messi falhou na Copa.

As duas finais perdidas, da Copa do Mundo e da Copa América, foram difíceis. Ele chorava como uma criança.

Não falta a Messi aquela vibração do seu ídolo?

Ele não tem o carisma do Maradona. Nunca terá. É uma questão de personalidade. É o que fazia Maradona ser decisivo nos momentos certos. A falta dela pode estar ofuscando Messi na hora da decisão.

Fala-se de autismo...

Estive com o médico do Messi, que se espanta com esta tese e diz que não é verdade. Messi é tímido. Não tem opiniões fortes sobre o poder. Isso não é importante para o ele. Por isso, evita a imprensa.

Por que a decisão de estudar a trajetória de Messi?

Meu interesse era estudar Maradona, mas as comparações me levaram a rever isso. Fiquei um ano na Argentina, entrevistei as pessoas próximas e concluí: Messi é muito diferente de Maradona, mas, involuntariamente, contesta a figura dele.