Economia Defesa do Consumidor

Pedir exame até pode, mas o plano não paga

Requisições de nutricionista e dentista têm cobertura negada. Leis controversas complicam vida de paciente

Janaina carrega norma da ANS sobre cobertura de exames pedidos por dentistas, após negativa
Foto: Barbara Lopes
Janaina carrega norma da ANS sobre cobertura de exames pedidos por dentistas, após negativa Foto: Barbara Lopes

RIO - Na última quarta-feira, a empresária Elisa Miguens Coutinho, moradora de Niterói, foi surpreendida ao ter seus exames recusados pelo laboratório Bronstein para serem feitos com a cobertura do plano de saúde. Isso porque a requisição tinha a assinatura e o carimbo de sua nutricionista, com o número do Conselho Regional de Nutrição (CRN). Apesar de a regulamentação do conselho federal da profissão dizer que os profissionais estão aptos a fazer requisição de exames, ela não é reconhecida pelos planos de saúde, que se baseiam na lei 9.656/98, que determina a cobertura assistencial obrigatória. Pela legislação, a solicitação de exames complementares e auxiliares deve ser atendida quando feita por médico ou odontólogo.

— Disseram que só há cobertura para os pedidos de médicos e dentistas. Se não quisesse voltar outro dia, com uma solicitação de um médico, teria que desembolsar R$ 380 — conta a empresária, que paga um plano top da Bradesco Saúde e não esperava passar por esse constrangimento.

Apesar de ter os pedidos de raios X e laboratoriais carimbados por dentista, a doceira Janaína da Cunha, submetida a uma cirurgia ortognática para correção da região buco-maxilo-facial, há cerca de dois anos, passou pelo mesmo constrangimento que Elisa durante o pré-operatório nos laboratórios das redes Labs a+ e Sérgio Franco. Janaína prestou queixa na delegacia e na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

— Depois de esperar uma hora para fazer o exame, para não perder a vez, a atendente pôs no meu cadastro o CRM de um médico que já constava no sistema. Fiquei surpresa, pois a indicação dos exames era para uma cirurgia complexa, que durou cerca de seis horas — conta a doceira, que, a partir deste episódio, passou a andar com o regulamento da ANS na bolsa.

CONSELHO DE NUTRICIONISTAS BRIGA NA JUSTIÇA

Uma decisão judicial pode ser o primeiro passo para esclarecer a controvérsia em torno dos nutricionistas. A Justiça Federal julgou procedente o pedido do Conselho Federal de Nutricionistas feito numa ação civil pública que solicita à ANS a atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, a fim de que os profissionais possam solicitar os exames necessários ao acompanhamento da dieta do paciente, com a consequente cobertura de pagamento pelos planos de saúde. Contudo, essa decisão ainda está pendente do julgamento final.

Nutricionista esportiva e estética, Thatiana Ferreira já abriu registro contra os planos de saúde que negaram o procedimento e orienta os pacientes a fazerem o mesmo. Ela se queixa de nunca ter obtido resposta da ANS a seus questionamentos. Thatiana conta que mandou, inclusive, fazer um carimbo com os artigos da lei 8.234/1991 e da resolução do Conselho Federal de Nutricionistas nº 306/2003, que confirmam que estes profissionais estão aptos a pedir e interpretar exames.

— Algumas enfermidades são tratadas diretamente com dietoterapia como anemia ferropriva, colesterol alto e diabetes melito tipo 2, entre outras. E, para observamos se a conduta nutricional está surtindo efeito, os exames são necessários. Outro ponto é que muitas vezes a obesidade não é uma enfermidade isolada, mas, sim, um sintoma de um problema de saúde mais grave, como hipotireoidismo, ovário policístico, e os exames são fundamentais para podermos encaminhar o paciente para um profissional especializado e, juntos, fazer um tratamento multidisciplinar — explica.

A também nutricionista esportiva Rita Melo já passou várias vezes pelo constrangimento de ter a cobertura de seus exames rejeitada pelos planos de saúde:

— Hoje, já não arrisco e aviso ao paciente que estou prescrevendo os exames, mas que ele terá de procurar um médico para assinar e carimbar o pedido, para que não passe por um constrangimento e não tenha que arcar do próprio bolso.

Katyuscia Lurentt, dentista responsável pela cirurgia de Janaína, diz que tal situação é muito mais comum do que se imagina, mas a grande maioria dos pacientes acha normal e vai a outro médico trocar o carimbo:

— Por isso, muitas vezes só ficamos sabendo do problema quando recebemos o resultado do exame com o nome de outro profissional, com CRM. Infelizmente, a situação não é tão divulgada quanto deveria. Como posso realizar uma cirurgia de alta complexidade em âmbito hospitalar, amparada pela lei, mas não posso solicitar exames?

Advogada especialista na defesa dos consumidores de planos de saúde, Renata Vilhena entende que se o profissional estiver devidamente registrado no respectivo conselho de classe, e se o plano realizar a cobertura médica, não existe qualquer motivo para não autorizar a realização de um procedimento.

— O ideal é que o profissional que teve o pedido de exame negado, assim como o paciente, faça uma reclamação formal à ANS, evitando que esses casos se repitam — orienta Renata.

Para Rita Melo, laboratórios e planos de saúde estão descumprindo a lei:

— Se não houver um número predeterminado de nutricionistas entre os credenciados, a ANS multa o plano. Isso não acontece, no entanto, se a requisição do exame não é atendida.

O Conselho Federal de Nutricionistas também recomenda que os pacientes exijam seus direitos junto aos órgãos de defesa do consumidor e ao Ministério Público, além de pressionar a agência reguladora por mudanças.

PARA ANS E EMPRESAS, VALE LEI DE COBERTURA

A ANS, assim como a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) e a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), também se apoia na lei 9.656/98 para explicar as recusas de cobertura.

— Uma coisa é o profissional estar apto e habilitado pelo conselho federal, outra é a cobertura obrigatória que as operadoras devem oferecer — explica Raquel Lisboa, gerente-geral da área de regulação assistencial da ANS.

Ela lembra que há vários tipos de planos e, em cada um deles, diferentes coberturas. As mais completas incluem atendimento médico-hospitalar, ambulatorial, obstétrico e odontológico e suas segmentações, e são justamente essas nuances que tornam a situação complexa:

— O beneficiário precisa conhecer o seu contrato e estar a par de quais coberturas tem direito. Se tem direito a fazer os exames laboratoriais, só consulta ou só internação. Terá direito a fazer exames com pedidos assinados por dentista, por exemplo, se contar com cobertura odontológica. Caso contrário, só se a solicitação tiver um carimbo do CRM.

Raquel aconselha que, na dúvida ou se tiver um problema de recusa de atendimento, o paciente entre em contato primeiro com a operadora. Caso sua situação não seja resolvida, ele deve, com o protocolo de atendimento, acionar a ANS.

— Caso tenha direito à cobertura, e o plano de saúde se recuse a atendê-lo, com o protocolo, o paciente pode gerar uma notificação e, consequentemente, uma multa à operadora, que terá um prazo de cinco dias para se manifestar.

Em resposta ao caso de Elisa Coutinho, a Bradesco Saúde informa que a solicitação de exame complementar por parte de nutricionista não está prevista nas regras estabelecidas pela lei 9.656/98. O Labs a+, por sua vez, esclarece que toda solicitação de exame é analisada para verificar se está em conforme com as diretrizes da ANS. E argumenta ainda que as operadoras estabelecem regras para cobertura e quando o plano não cobre é oferecida a opção de realização como particular. Procurado, o Bronstein não quis comentar o tema. Já o Sérgio Franco não respondeu ao GLOBO.

O Richet, por sua vez, esclarece que a aceitação de solicitações de exames laboratoriais, emitidas por nutricionistas, fisioterapeutas, dentistas ou profissionais de quaisquer outras especialidades, que não sejam médicos, está diretamente condicionada à regra de atendimento imposta por cada operadora de saúde. Assim, laboratórios e demais estabelecimentos de saúde, enquanto prestadores de serviços, ficam subordinados às determinações das operadoras, sob pena de não receberem pelo serviço prestado. Deste modo, vale ressaltar que o Richet não se recusa a aceitar pedidos de exames feitos por profissional não médico. Contudo, se o paciente utiliza convênio, o laboratório segue a regra estabelecida pela operadora em questão.