Jefferson costuma dizer que a única estrela presente é a do
Botafogo. Mas ninguém duvida que o goleiro é a estrela solitária do grupo
comandado por René Simões. Mais uma vez convocado para a seleção brasileira - para os amistosos contra França e Chile, no fim de março -, o
camisa 1, entretanto, não vê como desvantagem o fato de atuar num elenco
formado basicamente por jovens e atletas com pouca ou nenhuma experiência em
grandes clubes. Ele vai além: acredita que esta característica tem sido
fundamental para o sucesso do Alvinegro no Campeonato Carioca até o momento.
Para Jefferson, aliás, o Botafogo não deve admitir a chegada
de um reforço que, por mais qualificado que seja, não esteja comprometido com a
causa alvinegra. Uma causa que tem como meta recuperar a autoconfiança de um clube e a
confiança de seus torcedores, após um 2014 para ser esquecido.
Em entrevista ao GloboEsporte.com, Jefferson admite assumir
uma espécie de função de embaixador internacional do Botafogo a cada vez que
serve a seleção brasileira e faz quase que um apelo para que os atletas se
identifiquem mais com as camisas que vestem. Os exemplos? Léo Moura e ele
próprio.
- Tem que ter mais disso nos clubes, não jogar dois anos
aqui, depois dois anos em outro, depois em outro. Essa identificação é legal e
eu pretendo ter isso aqui no Botafogo, essa história - ressalta ele, que defendeu o Alvinegro em 376 partidas.
GloboEsporte.com - Na visão geral, os resultados do Botafogo neste início de
Campeonato Carioca estão surpreendendo. Você, que acompanhou a formação do
grupo, a chegada de novos jogadores, também ficou surpreendido de alguma forma?
Jefferson - É normal que tenha a desconfiança de pessoas que não estejam
trabalhando com a gente. É claro que nós não esperávamos a liderança absoluta
depois desses sete jogos. Nosso objetivo principal era sempre nos manter entre
os quatro primeiros colocados, deixamos isso claro. Reformulamos o elenco do
ano passado para essa temporada, temos jogadores novos, treinador, comissão, e
por isso já surpreendemos muita gente. Mas nós esperávamos fazer uma boa
campanha. Não em primeiro lugar como estamos hoje, mas sempre na parte de cima
da tabela, entre os quatro, três primeiros. Até porque o elenco é forte para a
realidade que vivemos hoje.
A que você atribui essa campanha do time?
Acho que é a união dos jogadores, o ambiente. Nós sempre
falamos que nosso time é um time de jogadores comprometidos. Não me esqueço até
hoje quando o René falou comigo no começo do ano. Ele disse: “Jefferson, eu
estou contratando jogadores a dedo, jogadores que querem realmente buscar seu
espaço no futebol. Não tem nenhum jogador consagrado, são jogadores que querem
voltar a jogar em time grande”. Isso me chamou muito a atenção. É muito mais
fácil trabalhar em um grupo sem vaidade. E tudo isso em prol do Botafogo.
Estamos no caminho certo.
Já que você tocou nesse assunto da vaidade: Campeonato
Carioca é uma coisa, Brasileiro é outra. O Botafogo deve se reforçar para a
disputa da Série B. Você acha que tem espaço no time para um jogador já consagrado,
que já seja conhecido, com um histórico de conquistas e bem resolvido
financeiramente? Isso às características desse elenco montado desde o início do
ano.
Espaço, tem. Mas acho que, pela filosofia que o René
implantou aqui, de todo mundo se empenhar, de correr um pelo outro, vai
depender muito do jogador, do perfil do jogador que quiser vir para cá. Tem que
ser muito bem selecionado para que não mexa em um elenco que está dando certo.
É como eu falei: nosso grupo hoje não tem vaidade, não tem estrela, não tem
ninguém querendo ser mais do que ninguém. Todo mundo busca seu espaço. Então,
hoje, para colocar um jogador assim, até de um patamar diferente financeiramente
falando, o clube terá realmente que escolher a dedo.
Então o jogador teria que se enquadrar nessa filosofia,
mesmo sendo um jogador que tenha mais destaque no cenário do futebol?
Sem dúvidas. Tem que
se enquadrar. Hoje, aqui no Botafogo, todo mundo está correndo. Você vê o Bill.
É um jogador que nos ajuda na frente, fazendo gol, mas também é um dos que mais
correm ajudando na defesa, no meio. Isso é muito bom para um time. É diferente
de alguns clubes em que você vê um atacante que diz que a obrigação dele é
apenas fazer gol, que não vai correr para marcar. Para jogar aqui, vai ter que
se enquadrar mesmo nessa filosofia, porque nós já criamos uma identificação
muito grande com esse método de trabalho, que está dando certo.
O que você aprendeu com o René Simões até agora? Nós vemos que
há reuniões e conversas dele com vocês antes dos treinos quase que diariamente.
O René não é só um treinador, é um professor. Em todas as
reuniões ele procurar passar para nós lições de vida. Acho que isso é
fundamental. Coisas não só de dentro do campo, mas fora também. Questões
financeiras, questões de sentimento, de profissionalismo. Enfim, nós aprendemos
muito com ele a cada dia. Essa questão de valorizar a família, de ter a
consciência de que o tempo passa muito rápido. Ele passa muita coisa para nós
nesse sentido. Às vezes, nós nem falamos de futebol, do jogo. Quando nos damos
conta, estamos refletindo sobre a nossa vida em geral. E isso é muito bom,
porque tem muitos jogadores que precisam ouvir isso, essa questão de valorizar
o trabalho, de ser profissional, até de se alimentar bem. De tudo. Ele passa
muito isso para nós, e isso é legal.
Você falou de várias coisas positivas desse ano. O que você
estava sentindo falta no ano passado e que tem esse ano?
É até difícil eu falar, porque o ano passado eu tiro de
exemplo como o que nós não devemos fazer. Essa é a realidade. Ano passado foi
muito triste. Eu estava com saudades do ambiente bom do dia a dia, de chegar ao
treino e poder ser transparente com todo mundo, com uma alegria verdadeira. Ano
passado, você via jogador que chegava faltando 10 minutos para começar o
treino, porque não aguentava ficar aqui. Estávamos em um ambiente pesado. Esse
ano está muito leve, todo mundo se dá bem, todo mundo está em prol do mesmo
objetivo, desde o presidente até o porteiro. Todo mundo está envolvido,
comprometido, e o ambiente faz a diferença.
Todos estão extremamente à vontade? Não há um pouco de
nervosismo ainda?
Está todo mundo super à vontade. Todos se soltando, acho
isso legal. Tem jogadores que no começo ficavam um pouco tímidos de brincar um
com o outro, mas agora já quebrou esse gelo. Isso faz parte. Na hora de cobrar,
todo mundo sabe que tem que cobrar. Nós temos o mesmo objetivo, com os pés no
chão, trabalhando com humildade. Está cada vez melhor.
Como tem sido trabalhar com jogadores que ainda estão
adquirindo experiência?
Acho que é jogo após jogo. Não podemos jogar uma
responsabilidade para cima de alguns jogadores que nem viveram muitas coisas
ainda. Há muitos jogadores que não passaram por clube grande, que jogaram pela
primeira vez no Maracanã. Tanto que no primeiro tempo contra o Flamengo o time
teve ainda um pouco de receio, depois se soltou mais. Eu não falo muito com
eles, porque acho que eles têm que viver para aprender as lições. Deixo todos
muito à vontade, mostro a confiança que temos neles. O Renan Fonseca falou no
começo do ano: “Vou jogar com o Jefferson”. Falamos que é uma coisa normal, e
ele viu que é totalmente natural. Converso com ele como conversaria com
qualquer outro zagueiro, com qualquer outro jogador. Na hora de cobrar, eles me
respeitam, acho que isso é legal. As coisas estão se encaixando.
O que você fala para os jogadores em relação à torcida do Botafogo?
Sassá disse que você foi quem disse para o time agradecer à torcida
no clássico contra o Flamengo.
Eu digo que a torcida do Botafogo está sendo fundamental
para nós, principalmente nesse ano. No momento mais difícil, eles comparecem.
Eles estão sendo praticamente o 12º jogador. Fizemos um pacto com eles, de que
vamos agradecê-los todo jogo, na vitória, no empate e na derrota. Nós vamos lá.
Esse casamento vem dando certo, essa aliança que fizemos com os torcedores é
para mostrar que os jogadores estão realmente comprometidos para dar a volta
por cima este ano. Depois de tudo o que passamos no ano passado, depois de tudo
o que eles passaram... Nós sentimos na pele e realmente queremos dar um
presente para eles. Títulos e subir para a Primeira Divisão.
Na sua avaliação, o que você acha que o Botafogo mostrou
para todo mundo nesse jogo com o Flamengo?
Mostrou que nós estamos no caminho certo, que formamos um
plantel para vencer. Até então havíamos vencido times de menor expressão.
Mostramos agora que estamos montando um time competitivo. Eu até falei com os
jogadores antes do jogo contra o Flamengo que a nossa identidade é de um time
competitivo, aguerrido e humilde. Não é porque vencemos o Flamengo que vamos
mudar a nossa característica. Vamos ter que manter os pés no chão, porque virão
jogos mais difíceis, assim como esse clássico contra o Flamengo.
Jogar dois clássicos na sequência é uma coisa boa? Já entram
embalados para enfrentar o Fluminense neste domingo?
É bom, porque acho que todos os jogadores ainda estão com
essa tensão do jogo contra o Flamengo. Todos estão concentrados ainda. Sabemos
que o jogo contra o Fluminense vai ser bem mais difícil do que contra o
Flamengo, até porque acho que o Fluminense já sabe como entraremos no clássico.
Podemos esperar um jogo bem mais difícil.
Mudando de assunto. Você foi convocado mais uma vez para a
seleção brasileira, o que não foi novidade para ninguém. Você acha que tem um
papel de levar o nome do Botafogo de volta a um patamar internacional que já
teve em outros tempos? De ser uma espécie de embaixador do Botafogo?
Tenho. Eu não posso fugir dessa responsabilidade, desse
dever bom que todos os jogadores gostariam de ter, de poder representar o
Botafogo na seleção brasileira, de poder abrir as portas novamente para outros
futuros jogadores. Ficamos orgulhosos quando vamos jogar lá fora e vemos
torcedores do Botafogo, com a bandeira do clube, dizendo que é um orgulho ter
um jogador do Botafogo na Seleção. E o Botafogo foi um dos maiores clubes a
ceder jogadores para a seleção brasileira. Fico feliz. Toda vez em que eu sou
convocado, os torcedores do Botafogo são convocados junto comigo, torcem junto
comigo. Espero que eu possa honrar o Botafogo na seleção.
De 23 jogadores convocados por Dunga para os amistosos contra França e Chile, você é um dos cinco que jogam no Brasil.
Isso é bom para chamar a atenção para os clubes, para o Botafogo...
Com certeza. Até mesmo pelo respeito que todos têm por mim.
Não somente pelo o que eu faço dentro de campo, mas pela história do Botafogo.
É bacana relembrar a história do Botafogo, é importante. Você vai trazendo à
memória das pessoas o quanto o Botafogo é importante.
Já estava com saudades da Seleção?
Já, sem dúvidas (risos). Já estávamos pensando a
programação, os jogos... O ambiente na Seleção é muito bacana.
Para finalizar. A sua decisão de permanecer no Botafogo
neste ano surpreendeu muitas pessoas, pela situação financeira ruim por qual o
clube passa. Você disse uma vez que poderia servir de exemplo para outros
jogadores. Você acredita que pôde inovar com a decisão da permanência?
Eu acho que sim. Eu vejo hoje que o clube e o jogador estão
pensando separadamente. Não tem mais aquela coisa de jogar por amor à camisa. É
claro que a parte financeira é importante, não vou ser hipócrita de dizer que
não, mas acho que tem que ter a valorização, tem que ter o respeito de ambas as
partes. Eu, particularmente, já dei parabéns ao Léo Moura. É uma coisa que
temos que enaltecer. É um cara que ficou 10 anos no Flamengo, tem uma história
pelo clube. Tem que ter mais disso nos clubes, não jogar dois anos aqui, depois
dois anos em outro, depois em outro. Essa identificação é legal e eu pretendo
ter isso aqui no Botafogo, essa história. Acho que essa minha decisão vai abrir
as portar para outros jogadores tomarem essa decisão. No momento de tomar a
decisão de sair ou não, realmente colocar o carinho e o amor ao clube em
primeiro lugar.