Política

Primeiros Minha Casa Minha Vida têm violência e abandono

Moradores lidam com tráfico, são assediados por milícia e até abrem comércio

Parede pichada com sigla de facção criminosa no condomínio Nova Conceição, Feira de Santana
Foto: Luiz Tito / Agência O Globo
Parede pichada com sigla de facção criminosa no condomínio Nova Conceição, Feira de Santana Foto: Luiz Tito / Agência O Globo

FEIRA DE SANTANA, CAMPINAS E RIO - Cinco anos após a entrega dos primeiros conjuntos habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida, moradores convivem com violência, problemas estruturais, fraudes e falta de equipamentos públicos e opções de lazer dentro dos condomínios. Ao mesmo tempo em que alguns conjuntos revelam problemas provocados pelo alto índice de inadimplência, em outros o tráfico de drogas estabeleceu a sensação de insegurança. Em algumas das primeiras unidades entregues no país — Feira de Santana (BA), Campinas (SP) e Rio — a conquista da casa própria ainda é uma dor de cabeça para os moradores.

O Minha Casa Minha Vida se tornou uma das principais vitrines do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, em meio à crise política, cortes no orçamento e proposta de aumento de impostos. Sem obras importantes a ponto de serem entregues, o governo jogou as fichas no programa habitacional. Desde 31 de agosto, foram 17 inaugurações, com a presença da presidente e de sete ministros. Segundo o governo federal, cerca de 360 mil famílias serão contempladas até o fim do ano.

O primeiro condomínio do país foi inaugurado em 31 de março de 2010 em Feira de Santana. Destinado a 440 famílias de baixa renda, o Residencial Nova Conceição é conhecido na cidade baiana pelo nome de uma facção criminosa local. Embora o grupo tenha perdido a influência no bairro, segundo a polícia, ainda é possível ver a sigla referente a ele pichada nas paredes de quase todos os 22 blocos de apartamentos, ao lado de desenhos de revólveres e de números de artigos do Código Penal, como 157 (roubo). Sete pessoas já foram assassinadas no condomínio.

Dentro dos blocos, todas as portas são protegidas por grades de ferro e cadeados. A estratégia não impediu roubos de eletrodomésticos nem que imóveis que estavam vazios fossem invadidos, segundo moradores. A falta de policiamento é uma das reclamações mais frequentes entre quem vive no Nova Conceição.

— A segurança aqui é péssima. Não deixo meus filhos na rua sozinhos. Em junho, descemos para tomar um ar e um homem apareceu armado para atirar em outro. Tô preferindo voltar para o aluguel — diz a dona de casa L.N., de 51 anos, que pediu para não ser identificada.

Ao longo de cinco anos, duas pessoas tentaram vender serviços de segurança para os moradores, num esquema que se assemelhava ao de milicianos. Quem não pagava, sofria represálias e ficava sem receber correspondências, por exemplo. A maior parte dos moradores recebe o Bolsa Família. Além da falta de policiamento, eles reclamam da ausência de creche nas proximidades e de médicos no bairro. O playground foi destruído, e os refletores da quadra de futebol não funcionam há pelo menos dois anos.

A responsabilidade pelo Minha Casa Minha Vida não é só do governo federal. A segurança deve ser oferecida pelos governos estaduais. Segundo o tenente-coronel Vanderval Ramos, de Feira de Santana, não dá para manter um posto policial no conjunto habitacional, mas “tem como patrulhar constantemente”. Equipamentos de Saúde e Educação ficam na conta das prefeituras. O secretário de Habitação da cidade, Sandro Ricardo, diz que a prefeitura faz um levantamento dos equipamentos públicos necessários na região dos empreendimentos. Segundo o Ministério das Cidades, são reservados 6% dos recursos de cada empreendimento para “contratação de edificação de equipamentos de Educação e Saúde, assim como aqueles destinados à assistência social, segurança e outros considerados complementares à habitação”.

CONTAS DE ÁGUA LUZ NÃO SÃO PAGAS


Apartamento transformado em bar no Condomínio Jardim das Palmeiras, no Rio
Foto: Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo
Apartamento transformado em bar no Condomínio Jardim das Palmeiras, no Rio Foto: Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo

O Nova Conceição também é palco de fraudes. Em 2011, 50 unidades foram vendidas. Na última semana, O GLOBO entrevistou duas pessoas que pagam R$ 200 de aluguel. A compra e o aluguel de unidades, segundo o Ministério das Cidades, são proibidos enquanto o imóvel não é quitado, o que leva dez anos. Quem descumprir a regra terá que “restituir integralmente os subsídios recebidos e não participará de mais nenhum programa social com recursos federais”.

No Rio, o primeiro conjunto habitacional, Jardim das Acácias, próximo ao Complexo do Alemão, foi entregue em 24 de junho de 2010, com 291 apartamentos. Cinco anos depois, moradores deixaram de pagar taxa de condomínio, serviços de água e luz. Um dos imóveis, que não pode ser utilizado para fins comerciais, virou um salão de beleza. A cabeleireira Jéssica Cunha, que vive no apartamento desde que sua família foi removida do Morro do Adeus, disse que decidiu montar o salão devido ao alto valor do aluguel de salas comerciais.

— A gente nunca usava a sala mesmo. Era um espaço que estava sobrando.

O síndico Pedro Pascoal afirma que a dívida com a Cedae é de cerca de R$ 100 mil. Segundo ele, apenas 120 dos 291 apartamentos pagam em dia a taxa de R$ 92 do condomínio. O dinheiro não cobre as despesas da folha de pagamento de funcionários, o salário de um contador e a manutenção do sistema de câmeras de segurança e portão eletrônico.

— Aqui tudo se paga. No morro, a gente não pagava luz, água, condomínio. E muita gente não entende que precisa pagar essas coisas — diz Pascoal.

Em outro conjunto do Rio, o Jardim das Palmeiras, o apartamento deu lugar a um bar. Embora o dono do estabelecimento tenha recebido o imóvel do governo, não mora mais no local.

Famílias que têm renda mensal bruta de até R$ 1.600 pagam 5% do valor que recebem durante dez anos. Caso não consigam custear o valor combinado, podem perder o benefício. “O objetivo do Minha Casa Minha Vida não é retomar imóveis nos casos de inadimplência, mas, sim, ajudar os beneficiários a superar eventuais dificuldades”, diz, em nota, o Ministério das Cidades.

Em São Paulo, o primeiro conjunto do Minha Casa Minha Vida, o condomínio Campina Verde, em Campinas, enfrenta uma situação diferente. Os moradores pagam vigia, mas reclamam do isolamento. Não há jovens na rua e os moradores praticamente só dormem no local.

TRAFICANTES E MILICIANOS INVADIRAM CONDOMÍNIOS

Em muitos condomínios do Minha Casa Minha Vida, o tráfico tomou conta das casas e expulsou moradores. Foi o caso do condomínio Haroldo de Andrade, em Barros Filho, na Zona Norte do Rio. Em setembro, a Polícia Civil fez operação no local e foi recebida a tiros por traficantes. Um suspeito morreu e três pessoas foram presas. Foram cumpridos 60 mandados de busca e apreensão em apartamentos invadidos por traficantes do Morro da Pedreira, perto do local. Segundo a Polícia Civil, o traficante Carlos José da Silva Fernandes, o Arafat, mandou que 80 famílias oriundas de áreas rivais à facção criminosa a que ele pertence deixassem o condomínio. Na Zona Oeste do Rio, foram milicianos que tomaram unidades do programa. Em agosto, uma ação da Polícia Civil em sete bairros prendeu quatro homens e apreendeu material de contabilidade dos criminosos. Os mandados foram cumpridos em 39 condomínios do Minha Casa Minha Vida. A polícia calcula que cerca de 30 mil moradores, que vivem em dez mil apartamentos, são explorados por milicianos.