24/05/2016 12h20 - Atualizado em 24/05/2016 15h01

Medidas não trazem corte efetivo de despesas, dizem analistas

Temer propõe receber R$ 100 bilhões do BNDES e limitar gastos públicos.
Para analistas ouvidos pelo G1, momento é de aguardar medidas efetivas.

Anay Cury, Darlan Alvarenga e Karina TrevizanDo G1, em São Paulo

O presidente em exercício, Michel Temer, anunciou nesta terça-feira (24) duas medidas para tentar conter o crescimento dos gastos públicos e retomar o crescimento da economia brasileira.

 

A primeira medida anunciada foi a proposta de devolução pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de pelo menos R$ 100 bilhões em recursos repassados pelo Tesouro Nacional nos últimos anos que, no total, somam mais de R$ 500 bilhões. Segundo Temer, a ideia é que sejam devolvidos ao Tesouro Nacional R$ 40 bilhões neste momento, e o restante no futuro.

Outra medida é a proposta de adoção de um teto para os gastos públicos, proposta semelhante à que foi feita pela equipe econômica da presidente afastada Dilma Rousseff no que ficou conhecida como “reforma fiscal”. O presidente em exercício disse que a proposta prevê que a alta dos gastos públicos em um ano não poderá ser superior à inflação do ano anterior.

Os anúncios acontece um dia depois de Temer entregar ao Congresso pedido de autorização para que o governo registre em 2016 um rombo recorde de R$ 170,5 bilhões neste ano.

Veja abaixo a repercussão do anúncio das medidas:

as duas medidas não significam absolutamente nada do ponto de vista do ajuste fiscal"
Pedro Paulo Silveira

Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Corretora
"Eu já estava cético em relação a capacidade que esse governo tem de fazer alguma mudança muito efetiva na composição do déficit público. Não esperava grandes coisas. As duas medidas anunciadas hoje não significam absolutamente nada do ponto de vista do ajuste fiscal. A primeira [proposta de devolução de R$ 100 bilhões pelo BNDES] não tem efeito nenhum sobre o déficit primário. A relação entre a dívida bruta do governo e o PIB cai, pode melhorar a contabilidade da dívida pública, mas isso não afeta o resultado do déficit primário."

"A segunda [teto para os gastos públicos] já vem acontecendo. A despesa do governo já vem caindo fortemente, já vem sendo cortada desde pelo menos o início do ano passado, crescendo muito abaixo da inflação. Para mim, não surpreendeu. O que o mercado precisa aguardar são medidas efetivas de controle do déficit público. É uma cobrança que o mercado já fez, mas com uma expectativa muito superior."

 

faltou indicar exatamente alguma medida efetiva de corte de despesa e também não se falou em aumento de receita via imposto"
Alex Agostini

Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating
"As medidas são importantes e seguem a programação do governo no sentido da austeridade. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que algumas medidas adicionais ainda serão adotadas e que estarão na PEC enviada ao Congresso para limitar o crescimento das despesas apenas na mesma variação da inflação."

"Na minha opinião, creio que faltou indicar exatamente alguma medida efetiva de corte de despesa e também não se falou em aumento de receita via imposto. Ou seja, fica em aberto dois pontos extremamente importantes para efetivamente se obter o equilíbrio fiscal em 2017, visto que para 2016 o governo já trabalha com o rombo de R$ 170,5 bilhões, que ainda deve ser aprovado pelo Congresso."

"Por fim, é importante lembrar que o governo está apenas a 12 dias no comando, então, creio que o cronograma está relativamente de acordo com o prazo de comando. Mas não dá para se perder tempo diante do caos econômico que consome o país.  Portanto, é esperado nos próximos 10 dias a divulgação de mais novas medidas."

 

Júlio Miragaya, presidente do Conselho Federal de Economia
"Não vejo como medidas efetivas, e sim como uma necessidade de o governo anunciar medidas. E lamento que muito do que está colocado é do governo anterior, da Dilma."

pode vir a ser interpretado mais adiante como uma nova pedalada fiscal"
Júlio Miragaya

"Essa medida do BNDES está pouco clara do jeito que foi anunciada. Esses recursos foram repassados pelo BNDES para empresários na forma de financiamentos, então não entendo como possam ser devolvidos. O BNDES rega uma rentabilidade para o banco e volta para o governo na forma de pagamentos e dividendos. Eu presumo inclusive que isso pode vir a ser interpretado mais adiante como uma nova pedalada fiscal."

"A outra medida tem a limitação dos gastos do governo. É a mesma discussão da DRU. Não haveria aquela obrigatoriedade de cumprir os gastos totais com saúde, educação, tecnologia. Tudo isso está dentro de um grande bloco que é o da redução de gastos públicos. Aí vem aquelas discussões de criar CPMF etc. Mas não se discute a questão do modelo tributário ou da renúncia fiscal, que responde por algo em torno de R$ 200 bilhões do nosso orçamento. Não se discute os gastos com os juros da dívida pública, com swaps cambiais. O que vem é essa discussão de corte com gastos com saúde e educação. É muito complicado, a gente sabe que vai ter uma reação muito forte."
 

ainda falta muita coisa"
Simão Silber

Simão Silber, professor de economia da USP
"Para 2016 não se deve esperar nenhuma medida capaz de evitar um déficit primário acima de 2% do PIB e dívida do governo aumentando para 75% do PIB. O jogo de 2016 já foi jogado, com queda do PIB próximo de 4%. As medidas anunciadas são consistentes com a redução do crescimento da relação dívida do governo/PIB e do déficit primário esperados para 2017 e 2018. Este é o caso da devolução de R$ 100 bilhões de recursos do Tesouro emprestados para o BNDES e que podem ser utilizados para abater a dívida do Tesouro. A fixação do teto da despesa primária de um exercício com base na inflação do ano anterior pode ser um elemento importante para reduzir o déficit primário a partir do ano que vem. Mas ainda falta muita coisa: desvinculação de recursos da União, aumento de contribuições, redução de subsídios, desonerações fiscais, etc."

 

o governo talvez esteja apresentando coisas de um prazo mais longo do que o mercado gostaria de ouvir agora"
Jason Vieira

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management
"A primeira recepção é boa, mas o mercado pode estar esperando algo mais contundente. O governo talvez esteja apresentando coisas de um prazo mais longo do que o mercado gostaria de ouvir agora. São ações no estágio embrionário, mas vieram na linha do que se espera. A limitação de gasto é um ponto importante, abre um precedente constitucional para se evitar que os processos se arrolem novamente, e se sinalizou que vai ter que privatizar alguma coisa, porque ainda não se falou de impostos e os cortes estão dentro da questão discricionária (gastos que não são obrigatórios dentro do Orçamento, sobre as quais o governo tem controle e liberdade para cortar)".



Alexandre Cabral, professor de Economia da FIA
"Duas coisas me chamaram bastante atenção: teto nas despesas públicas, não iremos gastar mais do que já gastamos hoje (a não ser a correção natural da inflação), e também destaco  que não teremos aumento de impostos. Logo, vamos cuidar da nossa economia nas despesas e não aumentando impostos. Excelentes medidas."

 

medidas mais amplas, como a Previdência, ficam para depois
José Francisco de Lima Gonçalves

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Fator
"As medidas contemplam, no curto prazo, apenas medidas que buscam reduzir a dívida bruta, com os recursos do FSB e do BNDES, sem surpresas. No médio prazo, entram a redução dos subsídios, e a PEC sobre limite de crescimento das despesas e mudança de vinculações na saúde e educação. Dentro do esperado, novamente. Medidas mais amplas, como a Previdência, ficam para depois, por questões técnicas e políticas, também sem novidades. Há dificuldades em todas elas, mesmo que algumas dependam exclusivamente do executivo".

 

Monica de Bolle é economista e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics
"As medidas têm por objetivo proteger os recursos do povo, dos contribuintes, não os recursos 'do governo', como os brasileiros costumeiramente pensam sobre aquilo que o governo administra. Há foco pragmático no médio prazo, já que nada é possível no curto prazo dada a hecatombe 'dilmística'. Gostei do teto para o gasto nominal - ele elimina a indexação perniciosa das despesas ao salário mínimo, sem mexer no salário mínimo."

nada é possível no curto prazo"
Monica de Bolle

"A aprovação do projeto Serra pela Câmara para o setor de óleo e gás, com eliminação da participação da Petrobras, é fundamental, tanto para a empresa, quanto para estimular algum investimento externo no setor. Tais investimentos têm o potencial de vir mais rapidamente do que investimentos para a área de infraestrutura. Em suma, há clareza que há muito não víamos nos anúncios de hoje, tanto de Temer, quanto de Meirelles. Tampouco há tendência do governo anterior de criar expectativas irrealistas. Essa é a primeira leva de medidas. Vejamos o que mais virá."

veja também
Shopping
    busca de produtoscompare preços de