Economia

Fachin vota pela revogação de liminares concedidas a RS, SC e MG

Relator argumenta que alteração de indexador da dívida é inconstitucional
. Foto: Agência O Globo
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BRASÍLIA - O ministro Edson Fachin, relator de três mandados de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o cálculo das dívidas dos estados perante da União, votou nesta quarta-feira pela revogação das liminares concedidas ao Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais. As liminares davam aos estados o direito de calcular suas dívidas com base em juros simples, e não compostos. O STF julga nesta quarta-feira se o indexador do estoque das dívidas estaduais com a União pode ser alterado .

Para justificar o voto, Fachin argumentou que é inconstitucional a Lei Complementar 151, que obriga a União a mudar os indexadores e dar desconto nas dívidas dos estados. Segundo ele, a lei é uma afronta ao princípio do planejamento e da organização orçamentária, previstos na Constituição Federal. Isso porque a norma não leva em consideração o impacto do recálculo nas contas públicas. Ainda faltam os votos de outros dez ministros.

O posicionamento da Procuradoria-Geral da República (PGR) foi desfavorável aos governadores. O procurador-geral Rodrigo Janot argumentou em sustentação oral que a União capta recursos a juros compostos e não poderia cobrar dos estados juros simples, pois isso criaria um desequilíbrio nas finanças públicas.

— Existe equilíbrio entre a captação pela União e a cobrança que ela faz? A União não pode captar recursos por índices maiores e depois cobrar menores, ou seja, subsidiar os estados — afirmou Janot.

O procurador também alfinetou os estados, que justificaram ao STF que precisam de juros simples porque estão em graves dificuldades financeiras. Para Janot, o debate em torno a forma de cálculo dos juros é jurídico e, por isso, não se pode trazer para o julgamento argumentos políticos em torno do pacto federativo.

— O debate é político e não jurídico. A discussão sobre o contorno do federalismo adequado ao Brasil está afeto ao debate político e não jurídico — disse Janot.

AGU VÊ 'NOCAUTE' SOBRE CONTAS PÚBLICAS

A representante da Advocacia Geral da União (AGU), Grace Maria Fernandes Mendonça, disse que, se o STF mantiver o cálculo das dívidas dos estados perante a União com base em juros simples, as contas públicas serão nocauteadas. Segundo a advogada, o rombo nos cofres da União refletirá no aumento da crise financeira, com repercussão grave na vida da população.

— Medida dessa ordem é verdadeiro nocaute nas contas públicas federais, um nocaute capaz de gerar concretamente expansão do desemprego, encolhimento das políticas públicas sociais e inibição do crescimento — declarou na tribuna do STF.

Grace lembrou que, nos anos 1990, diante da crise financeira e da inflação nas alturas, a União assumiu a dívida dos estados, que era calculada com juros compostos, e refinanciou com taxas mais amenas. Agora, a União não poderia conceder aos estados o cálculo das dívidas em juros simples, ou ficaria no prejuízo. Segundo a advogada, a União assumiu as dívidas no valor de R$ 124 bilhões. Hoje, o valor atualizado, já com os abatimentos das parcelas quitadas, seria de R$ 1,1 trilhão – quase um terço da dívida total do país, atualmente em R$ 3,9 trilhões.

— É preciso equilibrar a balança entre ativos e passivos. Não há como União captar dívidas com juros compostos e refinanciar para os estados com juros simples. Não há como se equilibrar essa conta — argumentou a representante da AGU.

Grace também refutou o argumento dos estados de que as dívidas seriam “impagáveis”, garantindo que incide desconto sobre o saldo devedor. A advogada ponderou que, se as liminares forem mantidas, a União acabaria devedora dos estados, mesmo tendo feito tanto esforço para ajudar os entes no momento de dificuldade financeira.

— A União acabaria na inusitada posição de devedora, depois de todo esforço de assumir a dívida dos estados, numa completa inversão do trato que deve se dar no que se refere à dívida pública. Não há sabotagem, há um trato responsável da dívida pública por parte da União. A união não atua para sabotar, para construir um federalismo forma, cooperativo sim, mas responsável — declarou.

Representantes de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais já se pronunciaram na tribuna do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento em que a Corte vai decidir se o estoque das dívidas estaduais com a União podem ser corrigidos por juros simples . Enquanto estados defendem a mudança, o governo afirma que o rombo nas contas públicas causado pela mudança pode chegar a R$ 402 bilhões.

SANTA CATARINA: 'DAR COM UMA MÃO E TIRAR COM OUTRA'

Santa Catarina foi o primeiro estado a se pronunciar. Em sustentação oral, o procurador-geral do estado, João dos Passos Martins Neto, afirmou que o estado apenas quer fazer valer uma regra prevista em lei, que permitia que o saldo dos débitos em janeiro de 2013 fosse corrigido por juros simples e não compostos, como defende o Tesouro Nacional. Segundo ele, um indicativo de que o argumento dos estados é forte está no fato de que o uso de juros compostos para abater os estoques não teria impacto sobre as dívidas ou até aumentaria o saldos devedores:

— Se for utilizada a Selic composta (para abater as dívidas), não há desconto algum no saldo devedor. Usar juros compostos é dar com uma mão e tirar com a outra. É sabotar a ordem legal da revisão contratual que foi autorizada.

O procurador criticou a União, que já divulgou que o uso de juros simples nas dívidas estaduais teria um impacto de mais de R$ 400 bilhões nas contas públicas. Segundo ele, isso é parece ser um exagero, mas, se o número estiver correto, “que assim seja”, pois os estados estão em graves dificuldades financeiras:

— Dizem por aí que haverá uma catástrofe. É um exagero. Mas se for verdade, que assim seja. Pois essa é a forma de permitir que os hospitais continuem cuidando dos doentes e que as escolas atendam os estudantes.

RIO GRANDE DO SUL: 'UNIÃO NÃO SOFRERIA'

Já o procurador-geral do estado do Rio Grande do Sul, Euzébio Fernando Ruschel, minimizou o rombo que a União amargará se o STF mantiver juros simples, e não compostos, no cálculo das dívidas dos estados. O governo calcula que o prejuízo será de R$ 402 bilhões nas contas públicas. Mas Ruschel apresentou a cifra de R$ 313 bilhões. Segundo o procurador, esse valor é irrisório para a União, porque será diluído em 22 anos — o tempo que os contratos de renegociação das dívidas ainda vai durar.

— São R$ 15 bilhões anuais (de prejuízo para a União). Comparado com os R$ 3 trilhões do Orçamento Geral da União, representa menos de 3%. A União não sofreria, ao contrário dos estados, que estão sofrendo, estão sangrando e não conseguem prestar serviços à população. A União tem mais condições para contrair empréstimos do que os estados — argumentou Ruschel.

Segundo o procurador, os juros impostos aos estados transformam as dívidas em “impagáveis” e “eternizadas”. Ele informou que o Rio Grande do Sul financiou R$ 9 bilhões de dívida, já pagou R$ 25 bilhões e ainda deve R$ 52 bilhões. Ruschel argumentou que a dívida dificulta a prestação de serviços. Ele citou que, com os cofres minguados, o governo gaúcho está parcelando os salários dos servidores do Executivo, atrasando o pagamento de fornecedores e deixando de atuar de forma satisfatória na saúde.

MINAS GERAIS: ESTADOS 'DE JOELHOS'

O advogado-geral de Minas Gerais, Onofre Alves Batista Jr., afirmou que os estados brasileiros “estão de joelhos” e que o uso de juros compostos para corrigir os estoques das dívidas desses entes com a União é jogá-los no chão. Ao fazer sustentação oral no julgamento em que o STF vai definir se os débitos estaduais com o governo federal podem ser corrigidos por juros simples, o advogado de Minas criticou a União e disse que o prejuízo de mais de R$ 400 bilhões que ela alega ter com a mudança na forma de cálculo não será imediato, mas diluído num prazo de 22 anos.


O ministro do STF Marco Aurélio Mello conversa com o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel
Foto: Jorge William / Agência O Globo
O ministro do STF Marco Aurélio Mello conversa com o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel Foto: Jorge William / Agência O Globo

— Isso é uma gota d´água num oceano de um lado. Mas, do outro, é um balde de sangue. Haverá prejuízo de serviços essenciais à população — disse Batista Jr.

Ele afirmou que os estados estão quebrados e que a União é uma das responsáveis por esse quadro, uma vez que o governo federal atrasou pagamentos aos governadores decorrentes da Lei Kandir e também fez desonerações com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que é repartido com estados e municípios.

— Os estados estão arruinados. Basta ver o Rio, que não paga pensões. O cidadão não pode ficar sem serviços essenciais. Os estados estão de joelhos e os juros (compostos) cobrados (nos contratos de dívida) os jogaram no chão — afirmou o advogado.