Rio

Trecho de ciclovia que despencou tinha só uma viga

Geo-Rio previa duas ao longo do trajeto
Bombeiros no ponto onde ocorreu o desabamento de um trecho da ciclovia, no costão da Niemeyer: construção em desacordo com documentos da Geo-Rio Foto: Fábio Motta/Estadão Conteúdo/23-4-2016
Bombeiros no ponto onde ocorreu o desabamento de um trecho da ciclovia, no costão da Niemeyer: construção em desacordo com documentos da Geo-Rio Foto: Fábio Motta/Estadão Conteúdo/23-4-2016

RIO - O trecho da pista da Ciclovia Tim Maia, em São Conrado, que despencou com a força das ondas só tinha uma viga, embora documentos técnicos da Fundação Geo-Rio especificassem modelos com duas. O engenheiro civil Antonio Eulalio, especialista em pontes e integrante do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio (Crea), diz que o tabuleiro (pista) com duas vigas seria mais pesado e, consequentemente, menos sujeito à agressividade da natureza no local.

— Basta observar como o tabuleiro tombou. Ele virou de cabeça para baixo. Com duas vigas, ficaria mais pesado e poderia até não cair. Não temos como saber. Com duas vigas, além do peso, há um equilíbrio maior. É uma questão a ser analisada. Há justificativa técnica para tudo, mas não consigo imaginar algo plausível para a decisão tomada. Seria preciso estudar toda a memória de cálculo — explica Antonio Eulalio.

Ele observou que, naquele trecho onde houve o acidente no último dia 21, em que duas pessoas morreram, a obra passava sobre a Gruta da Imprensa, erguida no século passado e tombada. A ciclovia é uma estrutura pré-moldada de concreto, com uma distância de cerca de 12 metros entre os pilares. Naquele ponto, provavelmente para dar mais visibilidade à construção histórica, a distância entre os pilares era maior: seria, de acordo com o engenheiro, de 18 a 20 metros.

— Uma hipótese é que eles optaram por fazer aquele trecho com apenas uma viga para deixá-lo mais leve, o que facilitou a montagem, quando guinchos são usados para erguer e posicionar cada parte da ciclovia. Como eles não consideraram a força das ondas de baixo para cima atuando na superestrutura, não viram problema — avalia Antonio Eulalio.

ONDAS LEVANTARAM ESTRUTURA

Ele ressaltou, no entanto, que o principal erro foi o fato de os pilares não terem sido engastados na superestrutura, ou seja, fixados por meio de ferragem ao tabuleiro.

— Você criaria um estrutura monolítica e mais rígida, que, com o peso adequado para as forças que agiam no local, sustentaria a ciclovia. A falha de concepção do projeto está na raiz do acidente. Se quiserem reconstruir todo o trecho colapsado, é preciso criar um quadro rígido engastado — analisa o engenheiro.

No documento da Geo-Rio sobre a ciclovia que consta no processo do Tribunal de Contas do Município (TCM), o modelo indicado é o de “tabuleiro idealizado como modelo linear e constituído de duas vigas ligadas à laje em concreto, trabalhando como vigas mistas”.

O trecho da pista que foi abaixo na Gruta da Imprensa: só uma viga na estrutura Foto: Roberto Moreyra/27-4-2016
O trecho da pista que foi abaixo na Gruta da Imprensa: só uma viga na estrutura Foto: Roberto Moreyra/27-4-2016

Para o oceanógrafo David Zee, professor da Uerj, a estrutura da viga, única ou dupla, poderia ter em seu interior uma espécie de ancoragem: uma barra de aço, aparafusada dos dois lados. Ele reforça que a falta de ancoragem foi a principal causa do acidente.

— O que a gente diz é que foi um erro de ancoragem, de fixação daquilo (dos tabuleiros). O problema lá é a construção. Eles podiam ter o cuidado de fazer um furo e passar uma barra de aço ali e ancorar. A ancoragem podia passar por dentro da viga. Se você passasse uma barra de aço com um parafuso de um lado e de outro, ia ancorar. A concepção do projeto pode ter mudado, e esse não é o principal problema. O problema é que a água do mar fez a estrutura levantar e tombar — diz o especialista.

Já o engenheiro especialista em estruturas Albino Joaquim Cunha, professor da Uerj, afirma que, com duas vigas, a queda poderia até ter sido mais difícil, mas provavelmente não seria evitada:

— Eu acho que seria um pouquinho mais difícil, mas possivelmente (a ciclovia) cairia também. O que precisava era ter travado (ancorado) a ciclovia. E isso era função de quem fez o projeto executivo.

Dentro da apuração do caso, o Ministério Público instaurou um inquérito para investigar atos de improbidade administrativa. O relatório de uma vistoria realizada por um arquiteto e uma engenheira do órgão, no dia da tragédia, afirma que “o fator determinante da ocorrência do acidente se deveu à ação de fortes ondas que atingiram as lajes apoiadas pelos pilares 48, 49 e 50, tendo contribuído significativamente para o resultado o partido estrutural de mero apoio das lajes, sem qualquer tipo de ancoragem, nos pilares; neste mesmo sentido, destaca-se que o trecho afetado tem a linha de base totalmente exposta à ação das ondas”.

MP PEDE LAUDOS DO CREA E DO IPHAN

Uma fotografia tirada pelos fiscais do MP mostrou que o pilar 49, que sustentava o trecho atingido no acidente, estava rachado. O Ministério Público solicitou ontem que o Crea e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) remetam seus laudos e relatórios a respeito da ciclovia.

Outra investigação, a criminal, é feita pela 15ª DP (Gávea). Ontem, os engenheiros da Geo-Rio Fabio Soares de Lima e Ernesto Ferreira prestaram depoimento, que durou quase quatro horas. Seu conteúdo não foi divulgado pela Polícia Civil. Ambos deixaram a unidade sem falar com a imprensa. Anteontem, o geólogo Elcio Romão Ribeiro já havia prestado depoimento, garantindo aos investigadores que a obra tinha condições de ser inaugurada.