Rio

Moradores de Copacabana agridem adolescentes em via do bairro e jovens que seguiam em ônibus

Policiais militares evitaram que jovens fossem linchados por moradores do bairro
Moradores de Copacabana agridem jovens que estavam num ônibus que seguia para a Zona Norte Foto: Marcelo Carnaval / Agência O Globo
Moradores de Copacabana agridem jovens que estavam num ônibus que seguia para a Zona Norte Foto: Marcelo Carnaval / Agência O Globo

RIO - Avenida Nossa Senhora de Copacabana, 16h de domingo. Um grupo de pelo menos dez pessoas, que seria formado por moradores da região, cerca um ônibus que está voltando da praia. Eles quebram a socos os vidros do coletivo para agredir jovens que estão lá dentro. Tumulto, correria. Policiais chegam, dispersam a confusão e evitam um linchamento. Depois de um sábado de medo, com arrastão em ruas da Zona Sul, foi assim que terminou o fim de semana no bairro mais famoso do Rio. Diante de um dilema da cidade, sobre como enfrentar a violência nas praias e no seu entorno garantindo a todos o direito ao lazer, o capítulo de domingo foi de novas cenas tristes: mais assaltos nas areias e pessoas tentando fazer justiça com as próprias mãos.

O ônibus da linha 474 (Jacaré-Jardim de Alah) estava lotado quando um grupo de cerca de dez homens abordou o veículo. Vidros do ônibus foram quebrados. Mais pessoas apareceram para atacar quem saía da praia. Quem estava dentro do coletivo, em desespero, quebrou uma das janela e pulou. Acionados, PMs com armas em punho protegeram os passageiros que eram ameaçados a todo instante. Ninguém foi preso, mas a Polícia Civil informou que vai investigar os responsáveis pela agressão.

Os homens que abordaram o ônibus, todos fortes, usando bermudas, camisetas e tênis, perseguiram os passageiros que conseguiram fugir pela janela. Vídeos feitos por moradores de prédios vizinhos, que mostram jovens sendo espancados, ganharam as redes sociais.

— Abre a porta, abre a porta, motorista! Só tem ladrão. Vamos dar porrada. Fotografa eles, só tem ladrão — dizia um deles, enquanto espancava um adolescente, chutado várias vezes.

AÇÃO TERIA SIDO PLANEJADA EM REDES SOCIAIS

A reação, aparentemente, não foi espontânea. Ela teria sido planejada pelas redes sociais. Numa página que reúne moradores de Copacabana, alguns comemoraram o ataque aos jovens. Um internauta chegou a escrever que a ação teria sido organizada por WhatsApp. “Polícia não faz nada. Os justiceiros fazem! Meus aplausos”, comentou um internauta no grupo, apoiado por outros seguidores da página. “Só assim temos alguma chance de mudar”, “Meus aplausos, meu agradecimento e meu ‘muito obrigada’”.

— Começou um barulho que parecia até de tiro e muita gente começou a correr. Foram chegando muitos carros de polícia, com sirene ligada e, como moro perto da Nossa Senhora de Copacabana, desci para ver. Só dava para ouvir as pessoas gritando, correndo, umas diziam que estava tendo um arrastão. Parece que já tinha um grupo perseguindo o ônibus, não consegui identificar se queriam pegar alguém específico ou se era contra um grupo — contou um morador.

O professor Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, disse que a sociedade precisa reagir imediatamente contra esse tipo de movimento de reação com violência.

— A praia é o último espaço democrático da nossa cidade. Preservar essa convivência é essencial para o Rio. Não é apenas um desafio, é uma obrigação de todos. Se existe um grupo perseguindo outro, seja porque é negro, porque é pobre, porque pensa diferente, é preciso impedir.

Em nota, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, informou que está sendo cumprida a ordem judicial, após ação impetrada pela Defensoria Pública, que proíbe a PM de abordar e apreender jovens que não estejam cometendo ato infracional: “Ordem judicial se cumpre. A Polícia Militar perdeu a prerrogativa da prevenção. Só pode agir depois do ocorrido”.

O advogado Breno Melaragno, presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB, disse que a questão precisa ser conduzida na legalidade:

— A secretaria (de Segurança) vem repetindo que o problema não é só uma questão de polícia, mas de todos nós. É de todos e também da polícia. Mas sempre dentro da legalidade. Se a polícia aborda um ônibus e não há flagrante delito, não há como conduzir uma pessoa para a delegacia. Revistar é é uma atitude legal, mas se não há crime, ninguém pode ser preso e conduzido para a delegacia.

As cenas de violência ontem começaram cedo nas areias. Nem o reforço de mais 190 PMs no Arpoador e em Ipanema foi suficiente para impedir roubos a banhistas. Uma equipe do GLOBO flagrou três assaltos em pouco mais de meia hora no trecho entre os postos 7 e 8. O bancário Jerônimo Oliveira, que veio de Rio das Ostras para visitar a família no Rio, passeava com um amigo no calçadão, próximo ao Parque Garota de Ipanema, quando teve o cordão e o celular roubados. Ele foi cercado e agredido.

— Eu estava indo comprar algo para beber e, de repente, senti puxarem meu cordão. Automaticamente eu virei para trás e aí fui derrubado. Eram mais de dez em cima de mim, me batendo e enfiando aos mãos nos meus bolsos. Quando eu consegui levantar, eles sumiram rapidamente — contou.

O casal Edith Rodrigues Leal e Alan de Souza, moradores de Nilópolis, também foi assaltado por um adolescente, por volta das 15h, enquanto caminhava à beira-mar.

— Eu tinha acabado de fazer uma foto nossa e guardei o celular no bolso. Logo depois senti alguém puxando e quando virei olhei o rosto dele. Começamos a correr atrás do garoto e por alguns instantes ele sumiu. Depois a polícia já tinha chegado e o vimos novamente. O policial me perguntou se eu o reconheceria, disse que sim, e ele foi preso — lembrou Edith.

O rapaz era menor de idade e foi levado para a 14ª DP (Leblon), onde foi reconhecido pelas vítimas. Na delegacia, houve fila para registros de ocorrência de furtos e roubos, na tarde de ontem. No fim do dia, outros quatro menores foram apreendidos no Túnel Novo, que liga Botafogo a Copacabana, mas acabaram liberados.

Presidente da Associação de Moradores de Ipanema, Maria Amélia Fernandes Loureiro, disse que a violência na praia é recorrente.

— Na minha opinião, isso não é um problema apenas da polícia, mas uma questão que deveria ser discutida por toda sociedade — afirmou.

No sábado, um vendedor de flores foi baleado em Botafogo e dezenas de pessoas foram vítimas de um arrastão feito por um grupo que tinha acabado de sair da praia. Vinte jovens foram detidos, mas todos acabaram liberados porque nenhuma vítima reconheceu o suspeito. Regina Chiaradia, presidente da Associação de Moradores de Botafogo, contou que nunca tinha visto situação parecida.

— Foi algo inédito. Foi assustador. Recebi relatos de vários moradores. Eles roubavam tudo e todos. Atacaram postos de gasolina, supermercados e lojas. A gente sempre ouvia falar de arrastão na praia, mas nas ruas de dentro dos bairros, como aconteceu ontem (sábado) foi a primeira vez — contou Chiaradia.

O coronel Luiz Henrique Marinho Pires, comandante do 1ª Companhia de Policiamento de Área, disse que o policiamento nas praias foi reforçado, mas que ainda não há data para começar a Operação Verão.