Crise do Estado do Rio

Escolas estaduais terão corte de R$ 102 milhões este ano

Dívida de 2015 seria de R$ 594 milhões

por Carina Bacelar

Colégio estadual em Duque de Caxias - Arquivo

Depois de fechar o ano passado com uma dívida reconhecida de R$ 166 milhões, a Secretaria estadual de Educação anuncia cortes de R$ 102 milhões em despesas para 2016. O ano letivo que começa em 2 de fevereiro terá 200 dias, como previsto, mas estará desfalcado de dois grandes eventos culturais: o Salão do Livro e a Semana de Arte, que juntos custam R$ 12 milhões. Além disso, pelo menos uma vez por semana, cada uma das escolas estaduais não contará com merenda cozida e serviços de limpeza, o que vai gerar uma economia de R$ 83 milhões anuais.

No dia do racionamento, será servida a chamada “merenda fria”, que não precisa de preparação e cozimento. No lugar de arroz, feijão e carne, haverá pão ou biscoito, fruta e suco pronto. As mudanças não valerão para as 188 escolas de tempo integral (de um total de 1.285 da rede). Nelas, o almoço continuará no cardápio.

Outros gastos também serão cortados. As linhas de celular destinadas a funcionários passarão de 272 para 131 (com isso, segundo a secretaria, as despesas com esse item cairão de R$ 62 mil para R$ 44 mil ao ano). O número de telefones fixos também diminuirá: de 2.911 para 1.962. Já as despesas com o Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio (Saerj) recuarão de R$ 12 milhões para R$ 9,5 milhões: menos alunos vão receber tablets de prêmio, e documentos relativos às provas deixarão de ser disponibilizados impressos, sendo colocados na internet.

— Mapeamos nossos grandes contratos para finalizar aquilo que não poderia ser pago. O que visualizamos foi um corte de limpeza e do serviço de merenda. Temos um cardápio nutricional que consegue ser adequado para o que não é merenda quente. O mais importante é a preservação do sistema de funcionamento das unidades escolares — diz o secretário Antonio Neto.

Embora a secretaria reconheça uma dívida de R$ 166 milhões, segundo levantamento do gabinete do deputado Comte Bittencourt (PPS), presidente da Comissão de Educação da Alerj, o valor é maior. Dados do Sistema de Informações Gerenciais da Secretaria de Fazenda mostram que R$ 594 milhões não foram pagos em 2015. O orçamento da pasta praticamente não mudou entre o ano passado e este, batendo os R$ 4,5 milhões. Mas a fatia destinada a custeio e investimentos, por exemplo, caiu de R$ 903 milhões (em 2015) para R$ 867,5 milhões (em 2016).

O uso da “merenda fria” uma vez por semana desagradou a professores. Maria Marta Morais, integrante do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio (Sepe), afirma que o almoço ou jantar na escola muitas vezes é a única refeição que alunos mais pobres têm ao longo do dia.

— A alimentação é fundamental para uma parcela grande dos nossos alunos. Eles precisam se alimentar para aprender. Não ter a refeição atrapalha pedagogicamente. A população da rede é em sua maioria carente — ressalta, observando que, no dia 20 de fevereiro, o Sepe vai realizar uma assembleia para, depois de analisar as condições das escolas no início do ano letivo, avaliar uma proposta de greve.

PREJUÍZOS NUTRICIONAIS

Segundo a nutricionista Luciana Diniz, da Associação de Nutrição do Estado do Rio, apesar de o impacto da troca da refeição por um lanche ser diminuta se ficar limitada a um dia por semana, a substituição “é sempre um problema”:

— O lanche, principalmente se for com frios e refrescos advindos de xaropes concentrados, não compreende todos os nutrientes necessários para crianças e adolescentes. O arroz, o feijão e os legumes precisam ser incorporados à rotina desses estudantes, para estimular hábitos saudáveis. O lanche acarreta uma perda nutricional. Ele não se compara ao que uma refeição pode oferecer, ainda mais nessa idade, em que é necessária uma refeição balanceada.

Já o secretário Antonio Neto alega que a medida é necessária para garantir que o funcionamento das escolas não seja prejudicado:

— O jovem que retorna para casa terá as mesmas calorias e quantidades nutricionais garantidas.

Uerj terá orçamento ainda menor em 2016
por Paula Ferreira

O campus da Uerj no Maracanã, durante o movimento em que estudantes ocuparam o prédio: por causa dos 19 dias sem aulas, o ano letivo de 2015 ainda não acabou - Daniel Marenco/2-12-2015 / Agência O Globo

A chegada de 2016 não trouxe boas perspectivas para a Uerj. Uma das principais vítimas da crise que aflige o governo estadual, a instituição terá este ano um orçamento menor do que o de 2015. De acordo com o reitor Ruy Garcia Marques, empossado ontem no Palácio Guanabara, a previsão orçamentária da universidade para este ano é de R$ 1,101 bilhão, quantia inferior ao R$ 1,120 bilhão de 2015. O reitor afirma que a Uerj trouxe para 2016 entre R$ 30 milhões e R$ 40 milhões de dívida.

Da quantia estimada em 2015, dados do Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios (Siafem) — atualizados ontem pelo gabinete do deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) — demonstram que R$ 1,039 bilhão foram executados. A informação da Secretaria estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação é diferente. Por meio de nota, a pasta afirmou que, até novembro, já haviam sido executado um total de quase R$ 1,3 bilhão.

ACERVO: UERJ QUASE FECHOU HÁ 50 ANOS

— O orçamento de 2016 não teve o crescimento mínimo esperado, considerando-se a inflação. Com isso, nossa capacidade de investimento fica bastante reduzida ou quase nula. Nosso orçamento está 2% menor do que o do ano passado, e temos uma inflação que se aproximou de 10%. Então, deveria ter havido um acréscimo mínimo de 10% em relação ao ano passado. Vamos ter que nos adaptar a isso. Se o estado todo está tentando economizar, a Uerj também tem que economizar — disse o reitor.

REVISÃO DE CONTRATOS

A economia, diz ele, virá, entre outras medidas, da racionalização de contratos com empresas terceirizadas e de uma reorganização do uso de telefones e automóveis da instituição:

— Será que, se temos cem funcionários contratados de uma determinada empresa, não conseguimos reduzir 20%, 10%? Isso é se adequar à nossa realidade atual. Não estou dizendo que exista qualquer sobra, mas isso precisa ser revisto. É preciso um novo olhar sobre esses contratos e ver se não há possibilidade de enxugá-los.

Ex-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio (Faperj), Ruy Garcia Marques, que tem 60 anos, diz que o ano será difícil para a universidade. Por isso, o novo reitor pretende se alinhar mais com a comunidade acadêmica e, diferentemente da gestão anterior, diz ele, dialogar mais.

— Faltou um pouco de diálogo por parte da administração central da Uerj. Isso levou a movimentos estudantis bastante fortes. A gente vem procurando trabalhar com os sindicatos, com o DCE — contou o reitor. — Acredito que a comunidade está consciente de que a crise é profunda e não parece que acabará em um futuro tão próximo. Sabe que não vamos ter condições de conseguir o crescimento que gostaríamos. Espero que, com essa crise, a gente se fortaleça internamente.

Apesar da preocupação do reitor, o secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, Gustavo Tutuca, disse acreditar que o valor do orçamento será suficiente:

— O recurso orçamentário garantido para este ano é o mesmo aplicado em 2015. Essa é a nossa realidade. Todo o governo fez esse esforço. Tenho confiança de que, com o orçamento proposto para a Uerj, a gente consegue passar este ano com certa tranquilidade.

A crise do estado foi assunto na cerimônia de posse no Palácio Guanabara. Durante a solenidade, o governador Luiz Fernando Pezão afirmou que as universidades públicas têm problema de gestão de recursos, o que contribui para o cenário caótico.

— A questão não é somente mais dinheiro para resolver todos os problemas. A verdade é que as universidades públicas brasileiras precisam urgentemente organizar suas ferramentas de gestão, aprimorar seus modelos de governança e encontrar novas formas de financiamento. Algumas precisam gastar melhor os recursos que já têm. Quero muito contar com a academia neste momento difícil do nosso estado — afirmou Pezão, citando alguns dados. — Em 2007, a receita total da Uerj foi R$ 579 milhões, sendo R$ 457 milhões provenientes do cofre do governo do estado. Em 2014, foi R$ 1,2 bilhão, sendo R$ 1,1 bilhão do tesouro estadual. Um aumento de 141% dos repasses do caixa estadual para a Uerj durante os oito anos de governo meu e de Sérgio Cabral.

‘RIO ALÉM DO PETRÓLEO’

Na cerimônia, o governador afirmou ainda que enviará à Alerj um projeto de lei para se pensar alternativas ao petróleo. De acordo com ele, é necessário ter mais fontes de receita para o estado:

— A crise na Petrobras afeta muito o Brasil, mas afeta o coração do Rio de Janeiro. Ouço opiniões de que o Rio tem que sair da dependência do petróleo. Como sair da dependência se 80% do petróleo estão aqui? Não é trivial tirar uma atividade econômica como essa e esquecer que gera riqueza, emprego e movimenta a economia. Não é num estalar de dedos. Estou enviando à Assembleia Legislativa uma lei de responsabilidade estadual, onde a gente coloca, não para o meu governo, mas para os próximos, um Rio além do petróleo. Quero fazer esse debate, deixar essa contribuição do nosso mandato, para o Rio discutir essa dependência e o que podemos descobrir de caminhos.

A queda na arrecadação proveniente dos royalties do petróleo foi a principal justificativa do governo para a crise nos cofres estaduais, que afetou principalmente a área da saúde, mas também a educação.

O ano letivo da Uerj só começará no dia 29 de fevereiro, após o término do segundo semestre de 2015, no dia 26 deste mês. As aulas foram atrasadas devido à paralisação de terceirizados e à ocupação promovida por alunos por 19 dias. Na época, a ação dos estudantes foi motivada pelo atraso no pagamento de bolsas e salários de terceirizados, além dos cortes na educação, promovidos pela União e pelo estado. Durante o movimento, os alunos dormiram nas unidades da instituição.