Rio Obituário

Morre o arquiteto e urbanista Luiz Paulo Conde, ex-prefeito do Rio, aos 80 anos

Estreante na política aos 60 anos, foi responsável por projetos que mudaram o cenário carioca, como Rio Cidade e Favela-Bairro
O ex-prefeito Luiz Paulo Conde: um defensor incansável das mudanças urbanísticas sofridas pelo Rio Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo (15/02/2000)
O ex-prefeito Luiz Paulo Conde: um defensor incansável das mudanças urbanísticas sofridas pelo Rio Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo (15/02/2000)

RIO — Em 1997, quando assumiu a prefeitura, o arquiteto Luiz Paulo Conde não escondia um sonho que dividia com muitos cariocas: ver a cidade sediar as Olimpíadas de 2004. A candidatura do Rio não ficou nem entre as finalistas, mas, dizem os amigos, ele acreditou até o último minuto que a beleza natural e as então recentes transformações urbanísticas da cidade poderiam virar o jogo. Assim, ajudou a semear um clima de otimismo que serviu de base para uma nova candidatura — esta sim vitoriosa — para sediar o evento em 2016.

“Ele foi um grande amigo. Fui prefeito (de Piraí) na mesma época em que ele (do Rio). Saíamos muito para almoçar e jantar. Ele era um grande gourmet, companheiro da boa mesa”

Luiz Fernando Pezão
Governador do estado

Quarto filho de Jose Ramon Conde Rivas, empresário espanhol, Conde era um admirador de música clássica, gosto que parece ter herdado da mãe, a cantora lírica Amália Lorenzo Fernandez. Estudou nos colégios Lafayette e Mello e Souza. Graduou-se em 1959, pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (atual UFRJ), e trabalhou no desenvolvimento do projeto do MAM do Rio.

Com uma carreira consolidada e premiada na arquitetura, Conde entrou tarde na política. Aos 60 anos, assumiu a Secretaria municipal de Urbanismo no primeiro governo de Cesar Maia (1993-1997), recebendo a missão de comandar o projeto que idealizou, o Rio Cidade — intervenções urbanas nas vias mais importantes dos principais bairros cariocas. Por causa de calçadas e ruas esburacadas, desapropriações e transtornos no trânsito, ouviu muitas críticas. Para ele, as reclamações tinham como pano de fundo o pensamento de quem “se habituou a viver numa situação de falta de civilidade e cultura”. Como urbanista, dizia que as obras estruturais mudariam a cara da cidade: “O Rio Cidade forma, com a Linha Amarela e a conclusão da ligação Lagoa-Barra, um conjunto de medidas reestruturadoras”.

Com Cesar Maia na entrada do Túnel da Covanca: a Linha Amarela foi concluída na gestão de Conde Foto: Marco Antonio Cavalcanti / Agência O Globo (30/07/1996)
Com Cesar Maia na entrada do Túnel da Covanca: a Linha Amarela foi concluída na gestão de Conde Foto: Marco Antonio Cavalcanti / Agência O Globo (30/07/1996)

Ex-simpatizante do PCB, Conde filiou-se ao PFL para suceder a Cesar Maia, que o apontava como o idealizador dos grandes projetos de seu governo. Mesmo sendo considerado um azarão, foi eleito no segundo turno, derrotando Sérgio Cabral Filho, então do PSDB. Para comemorar a vitória, ainda em 1996, deu uma passadinha no Circo Voador, na Lapa. Acabou sendo expulso debaixo de vaias e insultos, durante um show da banda punk Ratos de Porão. Três dias após a confusão, Cesar cassou o alvará do Circo.

Favela-Bairro: contato com moradores de área em Bangu Foto: Pércio Campos / Agência O Globo (05/03/1998)
Favela-Bairro: contato com moradores de área em Bangu Foto: Pércio Campos / Agência O Globo (05/03/1998)

Na sua gestão — de 1º de janeiro de 1997 a 1º de janeiro de 2001 —, Conde concluiu o Rio Cidade, a Linha Amarela e o Favela-Bairro, projeto que virou uma de suas maiores marcas. Sonhava ainda em promover a reconciliação da cidade com a orla do Centro, sendo responsável pela primeira grande remodelação da Praça Quinze, área que hoje passa por novo processo de revitalização. Na época, convidou o arquiteto espanhol Oriol Bohigas para fazer o projeto. O desenho previa a retirada das duas rampas de acesso ao Elevado da Perimetral, um velho sonho de Conde, e a ampliação do espaço dos pedestres, com a demolição dos prédios da Conab e da Maternidade da Praça Quinze, a construção de quatro garagens subterrâneas e a extensão do mergulhão até a Avenida Presidente Vargas, eliminando o cruzamento com a Rio Branco.

“O Rio perdeu hoje um grande realizador. Suas mãos ajudaram a projetar importantes transformações, como as trazidas pelas obras do Rio Cidade, do Favela-Bairro e da Linha Amarela. Conde foi um inspirador para a transformação pela qual o Rio passa”

Eduardo Paes
Prefeito do Rio

PLANO INCLINADO NO DONA MARTA

Em 1999, Conde já dava sinais de rompimento com o mentor. Declarou ter tirado “o governo de Cesar da mediocridade”. O ex-prefeito retrucou: “Conde é coadjuvante”. Em 2000, foram adversários nas eleições. Após declarações como a de que “mentia menos que Cesar Maia” e de que “o metrô da Pavuna foi um erro”, perdeu a disputa no segundo turno. Cesar foi eleito com 51% dos votos, contra 49% do adversário.

Conde aderiu ao grupo político de Anthony Garotinho, filiando-se ao PSB e elegendo-se vice-governador na chapa encabeçada por Rosinha Garotinho em 2002. No ano seguinte, acompanhou a decisão de Garotinho de trocar o PSB pelo PMDB, partido pelo qual se candidatou mais uma vez a prefeito, sendo novamente derrotado. Ainda no governo estadual, conseguiu levar adiante alguns projetos que já tinha iniciado no município. O plano inclinado do Morro Dona Marta foi iniciado por Conde. Em 2008, o então governador Sérgio Cabral concluiu as obras.

Com Pelé, na passagem da tocha olímpica pelo Rio Foto: Luis Alvarenga / Agência O Globo (13/06/2004)
Com Pelé, na passagem da tocha olímpica pelo Rio Foto: Luis Alvarenga / Agência O Globo (13/06/2004)

Fora da política, também teve um carreira de destaque. Em 1995, foi o primeiro brasileiro a figurar na coleção SomoSur, produzida pela Universidade de Los Andes, na Colômbia, com o objetivo de divulgar na América Latina e na Europa obras de profissionais latino-americanos. A edição apresentava alguns dos projetos mais famosos do arquiteto, entre eles o do campus da Uerj, no Maracanã, e o do Alfabarra, na Barra da Tijuca. Quando perguntado sobre o projeto de que mais gostava, Conde respondia: “As obras que você não criou serão sempre as melhores”. Ele também foi presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), em 1974, sendo reeleito dois anos depois, e diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ (1990-1992).

Luiz Paulo Conde morreu na madrugada desta terça-feira, no Rio, aos 80 anos. Ele estava internado há um ano no Hospital Samaritano, em Botafogo, para tratamento de um câncer na próstata, doença com a qual lutava há sete anos. O ex-prefeito era casado com Rizza Conde, que conheceu no curso de arquitetura. Deixa três filhos e dez netos. O velório foi realizado no Palácio da Cidade e o sepultamento acontecerá nesta quarta-feira, no Cemitério São João Batista.

O governador Luiz Fernando Pezão e o prefeito Eduardo Paes no velório do ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde, no Palácio da Cidade Foto: Marcelo Piu / Agência O Globo
O governador Luiz Fernando Pezão e o prefeito Eduardo Paes no velório do ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde, no Palácio da Cidade Foto: Marcelo Piu / Agência O Globo

O prefeito Eduardo Paes decretou luto oficial de três dias. Pelo Twitter, ele relembrou o tempo em que trabalhou com Conde, acrescentando que pretende dar o nome do ex-prefeito ao boulevard que a prefeitura está construindo na Zona Portuária. “Conde foi o meu grande inspirador para a demolição da Perimetral. Por isso, o boulevard que estamos fazendo lá vai se chamar Prefeito Luiz Paulo Conde”, escreveu.

Sérgio Magalhães, presidente do IAB, amigo de Conde e parceiro em diversos projetos, disse que ele era um idealista.

— Ele era um apaixonado pela arquitetura e pelo Rio. E não media esforços por essas duas paixões. Acreditava que a cidade podia ser melhor, sempre — afirmou. — Logo no começo da concepção do projeto Rio Cidade, quando ele era secretário de Urbanismo e eu de Habitação, Conde nos surpreendeu um dia ao voltar de uma reunião com o então prefeito Cesar Maia. Tínhamos conversado sobre implantar o projeto em três bairros e ele chegou dizendo: “Três é pouco, vamos fazer em 15 bairros”. O projeto acabou sendo implantado em cerca de 30 bairros.

RELEMBRE MOMENTOS DA CARREIRA DE CONDE