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Mais de cem escritores já pediram refúgio em 2015

Rede que socorre autores está no Brasil para inaugurar casa
A diretora da Icorn Elisabeth Dyvik Foto: Divulgação/Fórum das Letras/Bruno Arita
A diretora da Icorn Elisabeth Dyvik Foto: Divulgação/Fórum das Letras/Bruno Arita

OURO PRETO — Em cinco anos, o número de pedidos de ajuda feitos por escritores, jornalistas, poetas e cartunistas à Rede Internacional de Cidades de Refúgio (Icorn, na sigla em inglês) mais que dobrou. Em 2010, foram recebidas cerca de 40 candidaturas. Neste ano, já são mais de 100, conta a diretora da Icorn Elisabeth Dyvik. Ela veio ao Fórum das Letras, em Ouro Preto (MG), para a inauguração da primeira Casa Brasileira de Refúgio. O projeto-piloto vai abrigar, durante quatro meses, o escritor etíope Girma Fantaye. Trata-se da primeira residência na América do Sul para um autor perseguido. A expectativa da organização é que, além da cidade histórica, Belo Horizonte passe a fazer parte da rede a partir do ano que vem.

A Icorn, surgida em 2006 após o fim da rede de casas de asilo mantida pelo Parlamento Internacional dos Escritores, reúne hoje 55 cidades. Na quinta-feira, Elisabeth recebeu a notícia de que Helsinque, capital da Finlândia, vai se tornar mais uma cidade de refúgio. Segundo a diretora, o aumento dos pedidos, vindos principalmente do norte da África, do Oriente Médio (incluindo Irã e Afeganistão) e do sudeste asiático (Bangladesh, Vietnã), torna urgente que mais casas sejam abertas para receber os autores perseguidos em seus países de origem.

— Crescemos muito rápido desde 2006, quando havia apenas algumas cidades, como Barcelona e Frankfurt, que faziam parte do programa do Parlamento Internacional dos Escritores. Desde então, acolhemos 140 pessoas — afirma Elisabeth. — No entanto, é um desafio recrutar cidades. No Canadá, por exemplo, há um município com dinheiro e outro com vontade política de se integrar à Icorn, mas não as duas coisas no mesmo lugar. Na Cidade do Cabo, há uma casa disponível para receber um escritor, mas ainda não conseguimos auxílio financeiro.

A enorme crise migratória já tem impacto no trabalho feito pela Icorn. Políticos passaram a questionar por que deveriam ajudar um escritor se há dezenas de milhares de imigrantes chegando ao continente. Para a diretora da organização, não se trata de escolher quem merece apoio, pois são trabalhos diferentes. A rede, inclusive, só acolhe escritores por dois anos. Depois, eles devem conseguir se manter por conta própria no exterior ou voltar ao seu país natal.

O crescimento da extrema-direita europeia e dos movimentos xenófobos também são sentidos pela organização. Elisabeth cita o caso da Noruega, país-sede da Icorn, onde um partido de extrema-direita faz parte da coalização de governo e comanda o Ministério da Justiça. Hoje, 14 cidades norueguesas fazem parte da rede, mas, no ano que vem, é possível que só três ou quatro vistos para autores perseguidos sejam concedidos pelo governo. Por isso, argumenta ela, é importante o trabalho junto aos governos locais, menos suscetíveis às disputas diplomáticas:

— Na Polônia, onde um partido conservador ganhou as eleições e não é muito simpático aos imigrantes, o prefeito de Breslávia se ofereceu como uma alternativa para receber um autor perseguido. Por isso que trabalhamos com cidades. Municípios não fazem política internacional e podem tomar decisões que às vezes são mais delicadas para os governos nacionais.

Neste ano, a Icorn viu, pela primeira vez, uma escritora acolhida pela rede ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. A bielorrussa Svetlana Alexievich viveu em Gotemburgo, na Suécia, entre 2006 e 2008. No país nórdico ela teve tranquilidade para trabalhar, e o contato da Icorn na cidade se tornou seu tradutor, permitindo que todos os seus livros fossem editados em sueco. A diretora conta que, mesmo após o fim da residência, a situação da jornalista, autora de livros sobre o desastre de Chernobyl e a participação russa na Guerra do Afeganistão, continuou a ser monitorada de perto. Svetlana optou por voltar à Bielorrússia em 2011 por razões familiares.

— Ficamos imensamente orgulhosos por Svetlana. Ela tem um trabalho que é mais do que jornalístico, é de investigação da condição humana. Depois da Suécia, foi para a Alemanha e em 2011 decidiu retornar ao seu país. Nesse período ficamos nos bastidores monitorando a sua situação, caso ela precisasse de abrigo novamente. O nosso trabalho não acaba com os dois anos de residência, mantemos contato com os escritores por muito mais tempo — explica Elisabeth.

*O repórter viajou a convite da organização do Fórum das Letras