Pelé divulgou o contrato vitalício com o Santos, para dar ao clube no qual jogou 1.281 vezes o direito de explorar sua imagem até o fim da vida, em 4 de dezembro de 2014. Naquele dia o ex-jogador, aos 74 anos, estava internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, em recuperação de uma cirurgia para a retirada de cálculos renais. Mas formalizou o acordo, que já estava assinado havia quase um mês, à espera de sua melhora, da cama do hospital. Isso é o que a torcida, àquela altura, sabia. O que ela não sabia é que, naquele dia, o Santos já lhe devia US$ 250 mil. Uma dívida que aumentou, chegou a US$ 650 mil em 2015 e foi parar na Justiça. Pelé e Santos, hoje, são rivais no tribunal. E o valor em jogo já chegou a R$ 2,1 milhões.
O primeiro contrato na história recente de Pelé e Santos foi assinado em 22 de abril de 2013, quando Luis Álvaro de Oliveira Ribeiro ainda era presidente santista. O ex-jogador deu ao clube o direito de usar sua imagem comercialmente e de tê-lo pessoalmente em sessões de fotos e eventos. Em troca, receberia US$ 400 mil em 2013, divididos em duas parcelas com vencimentos em 10 de abril e 10 de julho, e US$ 500 mil em 2014, também repartidos em duas parcelas com vencimentos nos mesmos dias. O problema, para Pelé, é que "Laor" renunciou à presidência, por motivos de saúde fragilizada, em 15 de maio de 2014. As três primeiras parcelas, sob a gestão de Luís Álvaro, foram pagas. A quarta, com Odílio Rodrigues na presidência, não.
O segundo acordo foi assinado em 12 de novembro de 2014, portanto quase um mês antes de Pelé formalizá-lo da cama do hospital, e por ele o Santos concordou em pagar US$ 500 mil nos anos de 2015 e 2016, US$ 400 mil nos anos de 2017, 2018 e 2019 e US$ 300 mil nos anos de 2020 até 2064. Com a cláusula, claro, de que o contrato deixa de valer assim que o ex-atleta morrer. Trata-se do aditivo do primeiro contrato. Nele Pelé se comprometeu a serviços adicionais, como autografar 50 camisetas por ano, promover produtos do Santos em suas redes sociais e usá-los enquanto assiste a um jogo na Vila Belmiro ou dá entrevista à imprensa. Por este contrato Pelé não recebeu nenhum centavo. Modesto Roma Júnior assumiu a presidência a partir de 2015 e não pagou as parcelas que venceram em 15 de junho, 15 de julho, 15 de agosto e 15 de setembro, no valor total de US$ 400 mil. Some aos US$ 250 mil devidos em 2014.
Representantes de Pelé tentaram acordo amigável com o Santos, mas não tiveram sucesso. Em 4 de setembro de 2015, a Sport 10 Licenciamento do Brasil, responsável por administrar a imagem do ex-jogador no país, enviou notificação extrajudicial ao Santos em nomes de Osvaldo Oliveira, ex-presidente de empresa de cadeiras para escritórios que foi contratado para cuidar da administração e das finanças do clube, e do próprio presidente Roma Júnior. A notificação foi recebida pelo time um dia depois, em 5 de setembro, mas não foi respondida. Houve também tentativas de negociação por parte de Chris Flannery, executivo da americana Legends 10, sócia da britânica Sport 10, ambas empresas responsáveis por administrar a carreira de Pelé no mundo. Mas o Santos nem sequer apresentou ao americano uma ideia de como saldar os US$ 650 mil devidos.
Sem sucesso nas conversas, a Sport 10 foi para o tribunal. O escritório Lino, Beraldi, Belluzzo e Caminati entrou na disputa para, em 22 de setembro de 2015, pedir na Justiça o pagamento de R$ 2.103.002,75. O valor corresponde à conversão das parcelas em dólar para real com base na cotação dos vencimentos, mais juros e multa. A alta do dólar ajudou a inflar a dívida. A primeira parcela de US$ 100 mil, em 15 de junho, quando o real valia 3,10 dólares, virou R$ 310 mil. A quarta de US$ 100 mil, em 15 de setembro, quando o real disparou para 3,85 dólares, foi convertida em R$ 385 mil. Em 23 de setembro de 2015, saiu a decisão da juíza Cláudia Longobardi Campana, da 16ª Vara Cível, em primeira instância, favorável aos representantes de Pelé.
Na camisa
Havia a intenção de usar a marca de Pelé na camisa do Santos a partir de 2016. O time acaba de assinar novo contrato com a italiana Kappa, representada no Brasil pela SPR, em substituição à Nike, e queria que, tal qual a Unicef na camisa do Barcelona, o ex-atleta santista promovesse o produto. A ideia não foi para frente.
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Em segredo
Os advogados da Sport 10 tentaram, junto com o pedido para que a dívida fosse quitada, fazer com que o caso corresse em segredo de justiça. Não conseguiram. Eles se basearam no artigo 155 do Código de Processo Civil, que trata de tornar sigilosas informações de "interesse público", mas tiveram o pedido indeferido pela juíza.
ÉPOCA procurou a Legends 10 e questionou sobre a existência da dívida e sobre a possibilidade de colocar o nome de Pelé na camisa do Santos. "Sua informação está errada, e, se você escrever algo incorreto que tenha efeito comercial em nós, nós vamos tomar as ações apropriadas", escreveu Paul Kemsley, presidente da empresa americana, em nota, sem especificar o que haveria de incorreto.
A tentativa de fazer o caso correr em segredo de justiça e a agressividade de Kemsley têm motivo. Os responsáveis pela imagem de Pelé temem que a torcida interprete mal o processo em andamento na Justiça, segundo fonte ouvida pela reportagem. Por isso nem mesmo Luiz Fernando Santos Lippi Coimbra e Alipio Tadeu Teixeira Filho, advogados da Lino, Beraldi, Belluzzo e Caminati que assinam o processo, têm permissão para falar. ÉPOCA tentou contato com representantes de Pelé desde o fim de setembro.
O Santos afirmou, por meio da diretoria de comunicação, que no "contrato vitalício com Pelé há cláusulas de confidencialidade que respeita", e "isso inclui possíveis débitos ou créditos". "O importante é que Santos Futebol Clube e Pelé têm relação de harmonia, afeto e sempre estão juntos em ações que envolvam o nome do alvinegro mais famoso do mundo", escreveu o clube em nota a ÉPOCA. Modesto Roma Júnior, presidente, e José Ricardo Tremura, diretor jurídico, também foram procurados desde o fim de setembro para se manifestar sobre o caso, mas não retornaram ligações ou responderam mensagens deixadas pela reportagem.
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