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Mamães de 90 anos recebem de volta o carinho especial dos filhos, que passam a cuidar delas

Geriatra aponta que mães idosas serão cada vez mais comuns devido ao aumento da expectativa de vida no mundo

Retribuição. Nina hoje é quem cuida de dona Olívia
Foto: Freelancer / Bia Guedes
Retribuição. Nina hoje é quem cuida de dona Olívia Foto: Freelancer / Bia Guedes

RIO — A diferença de idade entre Nina e Olívia é de 29 anos. Nessas quase três décadas, o protagonismo no cuidado de uma com a outra se inverteu. Olívia educou, alimentou e ajudou a formar o caráter da filha, Nina. Hoje, a empresária, de 61 anos, retribui dando todo o suporte para que a mãe, de 90 anos, tenha uma velhice tranquila.

— Ela representa tudo para mim. Tenho a Nina como a minha mãe. Ela que me dá banho, me arruma, cuida da minha alimentação. É ela quem me coloca na cama e ajeita meu travesseiro na hora de dormir — diz dona Olívia Almeida Pereira, reconhecendo na filha todo o carinho materno.

Orfã de mãe aos 8 anos, dona Olívia não só teve o privilégio de cuidar dos filhos — Nina e Luiz Carlos Pereira, 65 — como o de ser cuidada por eles. Lúcida e bem disposta, ela não se envergonha da inversão dos papéis. Sabe que precisa de cuidados especiais por conta da idade e consegue curtir plenamente a vida respeitando os limites do corpo. Dona Olívia tem sessões regulares de fisioterapia e massoterapia, além dos cuidados de um geriatra e outros profissionais de saúde especializados em pacientes na terceira idade. Mas não deixa de ir ao cinema e ao teatro, gosta de jantar fora e costuma viajar duas vezes por ano.

— Este mês, vamos para Foz do Iguaçu. Nossa viagem mais recente foi à Bahia, em novembro. Eu aviso a todos os médicos e só vou com o aval deles. Ela adora. A ideia foi da minha filha Luciana. Assim, curtimos as viagens em três gerações. Além disso, como ela gosta muito de musical, procuramos assistir a todos — diz Nina Rosa Pereira Capanema Garcia, mãe de Luciana, 29, e Carlos Eduardo, 33.

O lazer e a diversão estão garantidos, mas cuidar da mãe não é brincadeira para Nina. Ela mantém uma rotina de atividades diárias para promover o bem-estar de dona Olívia, que passou a morar na mesma casa da filha, em Laranjeiras, depois de ficar viúva, em 2008. Os cuidados com a saúde são intensivos. Dona Olívia tem mieloma múltiplo (câncer na medula), e hoje precisa do acompanhamento de uma equipe multidisciplinar. A atenção da família, no entanto, faz mais efeito do que muitos remédios ou tratamentos.

— O idoso deve estar contextualizado e ser relevante dentro da sociedade. E isso também vale para a família. Não adianta, por exemplo, jantar em família e não conversar — diz Tarso Mosci, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia no Rio de Janeiro (SBGG/RJ).

ATENÇÃO E RESPEITO COM LIMITE

Eles precisam de atenção e de alguns cuidados especiais, mas é importante saber respeitar a individualidade e não interferir na independência dos idosos. A psicóloga Heloísa Coutinho sabe disso muito bem, não apenas por sua formação profissional, mas também pelo exemplo que tem na família. A mãe dela, Thaïs Varnieri Ribeiro, é cercada de cuidados por todos os lados, mas preza sua independência.

— Este é um momento da vida em que há uma inversão de papéis. E, nós, que somos os filhos,passamos a ser os cuidadores. Mas esse papel é muito delicado porque ela é uma pessoa absolutamente independente. Criamos uma rede de proteção em volta da mamãe, mas que só se manifesta quando necessário. Todos nós respeitamos muito a individualidade dela — conta Heloísa, que divide com sete irmãos os cuidados com a mãe.

Moradora de Laranjeiras, dona Thaïs acompanha os preparativos da sua festa de 90 anos, que serão completados no dia 16 de agosto. A lista de convidados já tem 120 nomes. E há mesmo muito o que comemorar e com quem festejar. Além dos oito filhos, há 18 netos e quatro bisnetos. Cuidado é o que não falta.

— Eu moro sozinha por opção, mas meus filhos são muito atenciosos e generosos comigo. Ligam o tempo todo, estamos sempre nos comunicando. Eles não querem que eu ande sozinha na rua, mas tenho que fazer as minhas coisas — diz dona Thaïs

E se as limitações do corpo — só por conta da idade, que fique claro — a impedem de ir à rua com mais frequência, as facilidades do mundo digital a deixam conectada a tudo e a todos o tempo todo.

— Estou viciada no tablet — admite dona Thaïs, achando graça da própria afirmação.

Ela não usava computador e nem tinha interesse até dois anos atrás. O presente foi ideia dos netos, e a vovó adorou.

— Ninguém imaginou que a vovó fosse se integrar tão bem. Ela pede táxi e até paga as contas com aplicativos — diz a neta Isabel Cantidiano.

Mamães como dona Olívia e dona Thaïs — e idosos de um modo geral —, serão cada vez mais comuns, segundo o geriatra Tarso Mosci, pois o aumento da expectativa de vida é uma tendência mundial. Os cuidados que elas recebem dos filhos e da família, segundo ele, ajudam bastante na qualidade de vida na terceira idade.

— Saúde não é só ausência de doença. É bem-estar. O respeito dentro da família é muito importante — avalia o médico.

Os filhos de dona Olívia e dona Thaïs sabem disso como ninguém.