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Filho de Fernandão usa o futebol para manter elo e lidar com a morte do pai

Em homenagem ao ídolo morto há um ano, quarta reportagem do GloboEsporte.com mostra um pouco da vida de Enzo, que trilha os passos do pai na escolinha do Inter

Por Porto Alegre

Header 1 ano sem Fernandão Inter (Foto: Infoesporte)





 


Ele era o primeiro a chegar nas corridas para escolher o time no videogame. Um mágico quando “engolia” a colher ou acertava, sem espiar, a carta escolhida. As lembranças do Fernandão amigo se confundem com os conselhos de um pai sempre zeloso, por vezes linha dura, que transmitiu pelo DNA os truques para Enzo suportar sua morte prematura. A herança genética colocou no sangue do menino de 12 anos a paixão pelo futebol, exibida na escolinha do Inter, em Alvorada. E mais do que isso. Revelou o segredo de manter sempre por perto os amigos, colegas de aula ou de time, no sub-12 do Colorado. Amizade e esporte. Combustíveis que amenizam a saudade e reforçam o elo entre pai e filho (veja vídeo acima).

SÉRIE ESPECIAL
> Capítulo 1: como a figura de Fernandão mudou o Inter
> Capítulo 2: devoto do ídolo batizou filho de Fernando
> Capítulo 3: o que Fernandão ensinou a campeões no Inter
> Capítulo 4: viúva de Fernandão fala sobre o vazio da perda

Fernando Lúcio da Costa, o eterno camisa 9 colorado, morreu em 7 de junho de 2014, em acidente aéreo no interior de Goiás. Levou consigo muito mais do que as glórias que conquistou como capitão do Inter, exibidas com brilho no museu do clube. Em homenagem ao capitão do título mundial, em 2006, a quinta reportagem da série "Um ano sem Fernandão" mostra um pouco da vida de Enzo, filho do ídolo com a esposa Fernanda, e gêmeo de Eloá. Aos 12 anos, o menino ainda "brinca" de jogar futebol nas escolinhas do Inter, mesmo que, por vezes, fique recluso em casa, abatido pela perda do pai. Mas logo torna a sorrir, ao voltar aos gramados, ambiente em que já demonstra maturidade para ser um dos líderes da equipe e para sonhar alto: um ano após a tragédia, ainda quer seguir os trilhos do pai e se tornar atleta profissional.

Enzo Filho do Fernandão especial Inter Um ano sem Fernandão (Foto: Leo Urnauer/GloboEsporte.com)Filho de Fernandão, Enzo treina nas escolinhas do Inter (Foto: Leo Urnauer/GloboEsporte.com)


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centroavante, parceiro e líder. como o pai

Quem já viu o garoto jogar não esconde: Enzo tem a quem puxar. É centroavante, de bom posicionamento e inteligência, mesmo ainda muito novo. As semelhanças se estendem à trajetória. Como Fernandão, ingressou no futebol na escolinha do Goiás, seis meses antes do acidente. Ali, permaneceu por pouco tempo, suficiente para conquistar um título regional. Mas almejava mesmo defender o Inter, seu time do coração.

Ainda com a presença do pai, o garoto insistia com frequência para se mudar para Porto Alegre e ficar próximo do carinho dos amigos de colégio. Chegava a chorar em meio aos pedidos pela ida ao Sul, concretizada após a tragédia. Fernanda achou melhor criar os filhos em um ambiente em que jamais pudessem esquecer dos feitos de Fernandão. E Enzo seguiu o caminho natural da escolinha do Inter. Ali, acomodou a rotina de três treinamentos por semana com os afazeres da escola, como uma válvula de escape de todos os percalços apresentados pela vida.

fernandão filhos inter eloá enzo (Foto: Fernando Gomes/Agência RBS)Enzo e Eloá ao lado do pai, em treino do Inter (Foto: Fernando Gomes/Agência RBS)

Obedece à risca às orientações do treinador, de aproveitar suas habilidades para fazer “parede” e chutar ao gol. E tem bom desempenho: já disputou competições e até balançou as redes em jogos oficiais. Também é frequentador assíduo dos jogos da equipe principal no Beira-Rio. Nas tribunas do estádio, sofre e vibra, como ocorreu na vitória por 2 a 0 sobre o Santa Fé, e recebe conselhos de seus jogadores favoritos, amigos mais próximos do pai.

- Os treinos no Inter estão muito bons. Essa semana, treinei todos os dias, porque temos uma competição pela frente. O treinador pede bastante para eu fazer parede, para driblar e para chutar a gol, que é o que eu mais gosto de fazer. O Alex, o Nilmar e o Rafael Moura, que são bem amigos do meu pai, sempre me pedem para avisar quando tem jogo e falam comigo sobre futebol - revela o sincero Enzo, em entrevista ao GloboEsporte.com.

A adaptação à equipe sub-12 do Inter foi rápida. Ali, no meio dos garotos, Enzo não é o filho do Fernandão, ou recebe tratamento especial. É mais um entre tantos meninos com talento e tempo de sobra para manter o sonho. Receptivo e de temperamento tranquilo, é bastante querido pelos companheiros.

- Ele está bem integrado. Tem uma característica muito boa. Conseguiu se integrar fácil e é muito querido pelos meninos. O tratamos, evidentemente, como qualquer um dos outros alunos. Ele está com a idade para brincar de jogar futebol e está bem integrado ao grupo, tanto que todos os meninos foram ao aniversário dele, recentemente - ressalta o gerente executivo das categorias de base do Inter Jorge Andrade.

Enzo Filho do Fernandão especial Inter Um ano sem Fernandão (Foto: Leo Urnauer/GloboEsporte.com)Enzo Filho do Fernandão especial Inter Um ano sem Fernandão (Foto: Leo Urnauer/GloboEsporte.com)


O futebol e os amigos de equipe dão amparo ao garoto, que se tornara, até mesmo, um dos líderes do Inter sub-12. Mas não evitam a ainda intensa e evidente dor da perda. Em certo dia, Enzo não apareceu para o treinamento. Permaneceu recluso, aos prantos da manhã à noite

- Ele segue treinando, apesar de todos os problemas particulares. Teve um dia que ele amanheceu chorando e foi dormir chorando. Não está com a cabeça 100%. Está um nota sete, mas ele tem personalidade demais. Ele é Fernandão.  A gurizada está sempre na casa dele. O Enzo é amigo, é líder. Fez um aniversário e convidou todo mundo. É líder dos garotos, mesmo sendo reserva. Ele entra todos os jogos e, sempre que entra, deixa o dele. Só tem que ter um pouco de paciência - destaca o presidente da Federação Gaúcha de Futebol (FGF) Francisco Novelletto, a quem Fernandão chamava de "pai do sul".

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no dna: a paixão por esportes e pelos amigos

É raro ver a residência dos Costa, no bairro Boa Vista, ficar tomada pelo silêncio. A espaçosa sala de estar do apartamento é tomada diariamente pelo burburinho das risadas e das brincadeiras dos gêmeos Enzo e Eloá com os colegas de aula. Se transformou no ponto de encontro da turma. Um esteio para aliviar e confortar a rotina da dupla.

Na capital gaúcha e na casa da família em Goiânia, era comum ver um gigante de 1m90cm de altura em meio aos pupilos, tão entretido quanto os pequenos nas diversões. Fernandão estava sempre presente entre os parceiros dos filhos.


Ele tem personalidade demais. Ele é Fernandão. Ele entra em todos os jogos e, sempre que entra, deixa o dele. Só tem que ter um pouco de paciência
Francisco Novelletto

- A Fernanda costumava brincar comigo e dizer: "Eu tenho três filhos". Isso era todos os dias - brinca Novelletto.

Esqueça o Fernandão líder de vestiário, capaz de discursos eletrizantes e motivadores. E o Fernandão capitão, capaz de mobilizar um elenco em torno de um ideal. De ser campeão. Ali, no conforto do ambiente caseiro, era, ao mesmo tempo, mágico, "rival", brincalhão, amigo, marido, conselheiro e pai. Ou era tudo isso de uma só vez. Admirado como um ídolo pelos pequenos.

- Era a mesma relação com os dois. A única coisa, assim, é que o Enzo é homem, e o Fernandão ensinava o Enzo a defender a Eloá. Ele era ídolo dos meninos. Era aquela coisa de ficar parado, e os meninos ficarem olhando e babando. O Fernando também tinha uma amizade muito grande com amigos do Enzo, brincava muito com os meninos. A Eloá sempre junto, também. Chegava em casa, e o Fernando falava assim: “quem chegar primeiro, vai ser o primeiro a jogar. Eu cobrava: "Pô, Fernando apostar corrida?”. O Fernando brincava de mágica com os meninos, chamava os meninos, fingia que engolia colher, fazia mágica com carta. Também era duro quando tinha que ser duro. Mas era criança como eles nos momentos de lazer - revela a esposa, Fernanda.

Enzo e Felipe Filho do Fernandão especial Inter Um ano sem Fernandão (Foto: Leo Urnauer/GloboEsporte.com)Enzo e Felipe  (Foto: Leo Urnauer/GloboEsporte.com)

A dor da perda ainda atordoa a rotina que, aos poucos, começa a tomar seu eixo. Enzo mantém as boas notas no colégio, em especial em matemática, sua disciplina favorita. Mas é pelos esportes, mesmo, que conserva sua maior paixão. Quando tem tempo livre dos livros, se vê imerso em toda modalidade possível. Todas atividades que partilhava diariamente com o pai.

- O Enzo sempre ficava do lado do Fernando. Ele estudava muito antes dos treinos, ou para dar os treinamentos, quando era técnico. Eles assistiam muito a futebol, e a Eloá assistia, também - conta a mãe zelosa.

enzo filho fernandao inter (Foto: Marcelo Campos/Divulgação)Enzo na escolinha do Inter
(Foto: Marcelo Campos/Divulgação)

O futebol, porém, não é o único elo com o pai que o esporte propicia ao garoto. Antes de partir, Fernandão o ensinou a jogar tênis, prática que dá sequência sem a mesma intensidade. Poderia ser basquete, vôlei ou qualquer outra modalidade. Enzo daria sequência à prática com o mesmo amor passado de pai para filho.

- Eu jogo qualquer esporte. Gosto de tênis, também. Um dia meu pai estava jogando e, sem querer, eu bati certo na bolinha, aí me convidaram para jogar. Quero ser jogador de futebol ou de tênis. Seguir no esporte. É o que mais gosto de fazer – afirma Enzo.

Inspirado nas arrancadas de Neymar e Messi ou tendo como exemplo as raquetadas de Roger Federer e Rafael Nadal, Enzo vislumbra um futuro ligado ao esporte. Seja como jogador de futebol ou tenista. Sempre sob o olhar de Fernandão.

* Colaborou Eduardo Deconto