Esportes

Botafogo x Vasco: amor além de títulos

Adolescentes que nunca viram os dois rivais se enfrentarem em uma decisão revelam a paixão por seus clubes e a expectativa de comemorar a vitória, hoje, no Maracanã
Juntos. Beatriz (à esquerda), Vinícius, Letícia, Ivo , Miguel e Renato: vascaínos e botafoguenses à espera da final Foto: Guito Moreto
Juntos. Beatriz (à esquerda), Vinícius, Letícia, Ivo , Miguel e Renato: vascaínos e botafoguenses à espera da final Foto: Guito Moreto

Os últimos raios de sol e os primeiros pingos da chuva fraca que caiu no fim da tarde da última quarta-feira anunciavam uma conjunção astral que se repetiu apenas quatro vezes nas últimas sete décadas. Do alto da passarela, na saída da estação de metrô do Maracanã, multidões seguiam os trilhos da rotina, sem olhar para o horizonte com a mesma inquietação e a esperança que fazem a juventude enxergar além. Diante da proximidade do estádio e da primeira final de suas vidas, entre Vasco e Botafogo, um grupo de adolescentes já podia sentir a rara vibração produzida pelo encontro da cruz com a estrela.

— Não escolhi o Botafogo, fui escolhido — afirmou Miguel Tápias, nascido em maio de 1997, dois meses antes de o alvinegro vencer o Vasco por 1 a 0, com gol de Dimba, na última final entre os rivais. — Paro tudo que estiver fazendo para ver o meu time. Se não for sofrido, não é o Botafogo.

Sem futebol europeu

As dores fazem parte do crescimento. Numa fase em que as diferenças são reduzidas pela força do grupo, a provação dos jovens torcedores reproduz a trajetória recente de Botafogo e Vasco. Com um time indo e o outro vindo da Série B, a lealdade é um traço do caráter e da maturidade de quem não se deixa levar pela ditadura, seja dos resultados ou da maioria.

— Só tem flamenguista e tricolor na minha escola — disse Letícia Gripp, 15 anos, que torce pelo Vasco, mora em Niterói, e se orgulha de viver no contrafluxo. — Em vez de me deixar levar, eu é que trago os outros para o meu lado. Já tive um namorado rubro-negro que deixou de ver jogo do Flamengo para assistir ao Vasco comigo.

Ao ouvir o relato, o alvinegro Jean Carvalho, de 19 anos, balançou a cabeça em sinal de reprovação pelo ato de fidelidade que revela uma traição esportiva. Com uma réplica da camisa do título de 1961, Jean andava pela passarela como quem atravessa a linha do tempo. Entre o passado glorioso e o futuro incerto, a final de domingo é um grande presente para o alvinegro Ivo Mineiro, que faz 17 anos neste domingo, dia do jogo.

Ao longo da vida, em que comemorou a conquista de três estaduais (1997, 2010 e 2013) , o aniversariante viu o Botafogo ficar confinado às disputas provincianas enquanto as fronteiras de sua geração se alargavam pela facilidade dos transportes e da tecnologia. Mesmo que o mundo virtual esteja ao alcance, Ivo queria passar seu aniversário exatamente no lugar em que estará hoje:

— Não gosto muito do futebol europeu, porque não vejo emoção. Gosto é de torcer pelo meu time.

Letícia Gripp e sua irmã mais velha, Beatriz, gostam de torcer, jogar futsal e desfilar a linhagem 100% vascaína que o avô Pedro transmitiu aos três filhos e seis netos. Em vez de seguir as tendências, ditam a moda em que a faixa diagonal só precisa vir acompanhada de uma cruz para identificar a origem das candidatas ao título. A julgar pela graça que emprestaram ao encontro, está na cara das meninas que sua imensa torcida é bem feliz, apesar dos 12 anos sem título estadual e dos dois rebaixamentos no período.

— Tenho caderno, biquíni, canga, tudo do Vasco — revelou Beatriz, que só sente falta daquilo que não viveu. — Tinha apenas um mês quando o Vasco ganhou a Libertadores. Aprendi que, quando a gente perde, tem que ouvir. Mas, se ganhar, é hora de soltar tudo.

Diferenças entre Norte e Sul

Antes do jogo, era difícil conter aquilo que causa desconforto.

— Botafogo não é minoria, é gigante. Entre os que mais entendem e gostam de futebol, a maioria é alvinegra — garantia Jean Carvalho, do alto da passarela, ao entoar gritos de guerra. — A gente não é flamenguista.

A provocação e a intolerância trocam a esperança de renovação pela velha divisão política que multiplica as mazelas do futebol carioca. Antes de rubro-negros e tricolores atribuírem suas eliminações a questões conjunturais, deve-se lembrar que o último Fla-Flu decisivo foi em 1995. Diante do esvaziamento de um clássico, outrora hegemônico, a final de hoje celebra a correlação de forças em que Vasco e Botafogo são ao mesmo tempo rivais e parceiros para levantar o campeonato.

— Meu pai é botafoguense, mas eu sou Vasco desde que me entendo por gente. Nem sei por quê, sempre gostei do escudo, da camisa, e tinha muitos amigos vascaínos na escola na época em que eu morava na Tijuca — contou Vinícius Mello, que percebeu a mudança ao se basear no outro lado do túnel. — Na Zona Sul, tenho muito poucos amigos vascaínos.

Convidados para a foto na última quarta-feira, jovens vascaínos da Abolição não puderam comparecer porque tinham compromissos de trabalho e estudo no horário. Na sexta-feira, feriado do dia 1°, alguns alvinegros da Zona Sul estariam viajando. Apesar das realidades distintas e da dificuldade para promover o encontro entre a cruz e a estrela, hoje todos os caminhos levam ao Maracanã e aos desafios da maioridade. Quem quer ser campeão não pode transferir responsabilidade. Quase 18 anos após a última final, está chegando a hora de propor o brinde e levantar a taça.