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‘Impossível não ter eleição na Venezuela este ano’, diz chefe da Unasul

Ernesto Samper defende ainda que a Cruz Vermelha inspecione todos os presos detidos durante as manifestações de 2014 na Venezuela, tanto opositores quando governistas

Ernesto Samper, secretário-geral da Unasul, à esquerda, e José Gomes Temporão, diretor-executivo do Isags
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Ernesto Samper, secretário-geral da Unasul, à esquerda, e José Gomes Temporão, diretor-executivo do Isags Foto: / Divulgação/Isags

RIO — Ernesto Samper, o secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que comporta os 12 países do subcontinente, esteve no Rio de Janeiro para reuniões no Instituto Sul-Americano de Saúde (Isags), por onde o bloco quer construir um banco de medicamentos. Ele conversou com O GLOBO sobre sua apresentação nesta quarta-feira dos projetos de infraestrutura estratégicos para a região e sobre a crise política na Venezuela.

Samper considera que a região deve buscar crescer para dentro, que os chineses podem se interessar em financiar parte da infraestrutura necessária para a ampliação das cadeias de valor regional e que as eleições venezuelanas tem que ser convocadas ainda este ano para cumprir com a Constituição do país. O secretário-geral defende ainda que a Cruz Vermelha inspecione todos os presos detidos durante as manifestações de 2014 na Venezuela, tanto opositores quanto governistas.

Qual sua agenda hoje em São Paulo no Instituto Lula e como o comércio regional pode avançar?

A região não está num bom momento em termos econômicos. Fechamento do mercado europeu, diminuição da demanda chinesa e semi-recessão nos EUA levam as taxas de crescimento previstas para entre 1% e 2 %. Nossa proposta é olhar para dentro, ao invés de para fora. De crescer dentro da região. O comércio interno não passa de 18%, enquanto na Europa passa de 65%.

Para isso são necessários novos regimes de tarifas, para o Mercosul ou para os países andinos?

Não. São necessárias tecnologia, infraestrutura, conectividade e desenvolvimento setorial. Não é um processo de tarifas, mas de melhorar a competitividade dentro da região. Temos que estabelecer cadeias de valor na América do Sul.

Na Fiesp vou mostrar quais os projetos de infraestrutura que a Unasul tem que podem beneficiar o desenvolvimento industrial. Por exemplo, o projeto ferroviário de Paranaguá-Antofagasta (que une Brasil e Chile) com um ramal na Bolívia. Se processamos matérias primas chilenas no Brasil e as embarcamos na Argentina, temos uma cadeia de valor.

Precisamos de fontes financeiras. Por isso solicitamos à chancelaria brasileira que solicite ao primeiro-ministro chinês, que está vindo ao Brasil, a possibilidade de que esses sete projetos sejam incluídos entre as prioridades que a China tem para a região.

O dinheiro viria do Banco dos Brics ou do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura?

É uma possibilidade, a cooperação andina de fomento e o fundo de infraestrutura do Mercosul são outras. São projetos que podem chegar a US$ 30 bilhões.

Que outro tema falará com Lula?

Vamos falar de temas políticos.

A criação de um grupo de amigos da Venezuela está entre os temas?

Não. Mas sim está o tema da Venezuela.

O senhor acha que se a eleição não sai em setembro ou novembro o próprio projeto político da Unasul fica sob risco?

Ontem (anteontem) a presidente do Conselho Eleitoral, Tibisay Lucena Ramírez, anunciou que haverá eleições no terceiro trimestre. É um anuncio que tranquiliza, mas esperamos que saia a data para enviarmos a missão (da Unasul) para acompanhar as eleições.

A missão já está lá para acompanhar as primárias?

A missão tem um componente técnico, que está acompanhando o processo das primárias, e um político, responsável pelo ambiente da eleição e as relações entre os diferentes partidos, que será enviada quando a data for anunciada.

Não há risco de que esse pleito ocorra só no ano que vem?

Não. É impossível. É impossível. A Constituição estabelece que em 5 de janeiro tem que haver um novo Congresso na Venezuela. Necessariamente as eleições tem que ocorrer antes.

Um tema-chave é a situação de Antonio Ledezma e Leopoldo López. Para a Unasul eles são políticos presos ou presos políticos?

São cidadãos que estão detidos por ordem da Justiça venezuelana. Quando visitamos a Venezuela com os chanceleres pedimos aos promotores e juízes encarregados dessas investigação que eles tivessem todas as garantias de defesa, devido processo, que possam exercer seu direito legítimo de provar sua inocência. Essa é a via institucional da Unasul. Não nos opomos a qualquer declaração ou outras formas de gestão de outras pessoas. Mas a gestão da Unasul, reiterada pela presidente Dilma esta semana em Brasília, é a gestão de caráter institucional. Garantir a todos os detidos, e não só a esses dois, que tenham todos seu direitos.

As mulheres deles estiveram no Brasil na semana passada e denunciaram maus tratos na cadeia. Que o processo não avança.

Pedimos a intervenção da Cruz Vermelha Internacional, que tem a capacidade, segundo as normas internacionais, de ingressar nas prisões, falar com os detidos, com seus familiares e apresentar um informe ao governo sobre a situação em que se encontram. O governo tem a possibilidade de fazer comentários. E a partir desses comentários a Cruz Vermelha pode fazer público o informe. Acreditamos que essa via institucional é a melhor forma de saber se essas pessoas estão sendo ou não mal tradas. Que haja a certificação de um organismo que está por cima de qualquer suspeita de parcialidade. O governo precisa convocá-la.

Há a crítica de que a Unasul é governista, especialmente no caso venezuelano. Há diálogo para que o governo acelere esse processo da Cruz Vermelha?

Sim, com certeza. Mas nós não tomamos partido. Não somos um governo, ou uma associação de governos. Somos uma união de Estados.

A missão da Cruz Vemelha pode ocorrer antes das eleições?

Deveria ocorrer. Acreditamos que ajuda na distensão dos ânimos e para que haja tranquilidade em como se encontram os detidos. Quanto mais rápido, melhor.

Seria não só para López e Ledezma, mas para todos?

Para todos. Há detidos que são do governo, de todos os que participaram desses fatos de violência de rua ( durante as manifestações). Há vítimas tanto governistas quanto da oposição.

Para a Unasul, a participação nesses diálogos foi positiva?

Pelo menos somos uma ponte aberta. Falamos com a oposição, diálogo muito franco e aberto. Não se pode fechar as pontes. O papel da Unasul é manter as pontes abertas, para que os venezuelanos resolvam suas próprias diferenças, na democracia e sem violência.

Há algum outro ponto que gostaria de falar?

Sobre minha agenda aqui no Isags, um instituto de saúde da Unasul, onde além de desenvolver políticas públicas vamos considerar uma agenda conjunta sobre ações específicas para serem desenvolvidas pelo Isags. Como o tema da obesidade infantil, estudamos rótulos com taxas de gordura. Outro tema é a criação de um banco de preços de medicamentos para que os sul-americanos possam comparar preços. Outro é uma nova droga para combater a hepatite C. Há seis milhões de infectados na América do Sul. A droga, que custa US$ 200 cada tratamento é vendida por US$ 98 mil pelos laboratórios.

O banco de preços, quando começa?

Pedi ao (José Gomes, diretor-executivo do Isags) Temporão, que preparemos isso antes do fim do ano. Já temos o financiamento. E já começamos a montar uma equipe aqui no Isags.