Época Comportamento

Casal vive como se estivesse na era vitoriana

A americana Sarah Chrisman explica o motivo da decisão
Sarah, Gabriel e a bicicleta em Port Townsend, no estado americano de Washington Foto: Estar Hyo Gyung Choi
Sarah, Gabriel e a bicicleta em Port Townsend, no estado americano de Washington Foto: Estar Hyo Gyung Choi

RIO - Tudo começou com um espartilho. Há seis anos, a americana Sarah Chrisman recebeu a peça como um presente do marido, Gabriel, pelo seu aniversário de 29 anos. Fascinada desde a infância pela Era Vitoriana (período que marca o reinado da Rainha Vitória da Inglaterra, de 1837 a 1901), a americana viu na nova aquisição para o guarda-roupa uma oportunidade de embarcar em uma viagem no tempo: assim, ela e o marido foram aos poucos adquirindo roupas, mobília e utensílios de época, e hoje vivem exatamente como um casal do fim do século XIX. Ou quase, já que ela usa o Skype para dar entrevistas a jornalistas a milhas de distância.

Gabriel em passeio com bicicleta de roda grande Foto: Matt Choi
Gabriel em passeio com bicicleta de roda grande Foto: Matt Choi

— Se estivéssemos fazendo essa entrevista na Era Vitoriana, estaríamos usando o telégrafo. Mas eles não existem mais, então é por isso que acabo usando algo assim — justifica Sarah, que trabalha como massagista em um consultório dentro de sua casa, uma construção de 1888, em Port Townsend, no estado de Washignton. Com menos de 10 mil habitantes, a cidadezinha, famosa por seus edifícios históricos, é o lugar perfeito para o casal excêntrico, que costuma chamar a atenção com seus passeios em cinco rodas: Gabriel com a bicicleta de roda grande, e Sarah com uma versão feminina de três ciclos.

— Gabriel começou com isso porque trabalha numa loja de bicicletas. Também é um jeito de ensinar, porque nós somos bem visíveis e as pessoas começam a fazer perguntas — conta ela, que encara o seu estilo de vida como uma “empreitada educacional" — Todo mundo só vê a história presa em vidros, dentro dos museus, então é difícil pensar que os objetos dispostos realmente faziam parte da vida das pessoas. Nós mostramos isso — acredita.

MANUAIS DE ETIQUETA

A disposição em compartilhar as experiências próprias não está restrita aos passeios de bicicleta. No site do casal, “This Victorian Life", há todo tipo de informação sobre aspectos da vida cotidiana. Sarah também investe em livros que contam detalhes da empreitada. Em “Victorian secrets: what a corset taught me about the past, the present, and myself” (ainda sem publicação no Brasil), ela relata como o uso do espartilho — que passou a ser considerado símbolo de submissão feminina no século XX — a fez ter mais confiança em si mesma.

“Uma das regras dos nossos livros diz que um marido deve dar a sua mulher todo o tipo de vantagem possível. Eu acho que isso é bom para qualquer casamento! ”

Sarah Chrisman
Autora de 'Victorian secrets: what a corset taught me about the past, the present, and myself'

— Eu sempre ouvi coisas muito ruins sobre o espartilho e vi que não eram verdadeiras: era confortável e eu conseguia respirar! — garante ela, que diz ter acontecido o mesmo com o marido quando ele resolveu adotar trajes masculinos de época.

— Ele percebeu que com roupas modernas tinha uma postura muito ruim. As roupas vitorianas fazem a pessoa ficar em pé. No momento em que você fica ereto, isso te torna uma pessoa mais positiva e bonita, e ao mesmo tempo faz com que veja o mundo de forma melhor — defende.

As mudanças no visual também introduziram novas (ou antigas) maneiras. Quando estão sozinhos, os dois conversam com palavras que já caíram em desuso, e ainda guiam o seu comportamento por manuais de etiqueta escritos há mais de um século.

— Muitos dos costumes são bons para todo mundo. Uma das regras dos nossos livros diz que um marido deve dar a sua mulher todo o tipo de vantagem possível. Eu acho que isso é bom para qualquer casamento! — brinca ela, que desconsidera as ideias descaradamente machistas e racistas que boa parte da imprensa e dos manuais de estilo de vida de então propagavam.

— Em todo tempo e lugar sempre houve pessoas cruéis. Hoje mesmo, nos Estados Unidos, existe injustiça e racismo terríveis. Dizer que todo mundo no passado era assim não é justo, porque hoje ainda há pessoas boas e ruins. E devemos sempre focar no lado bom.

Concentrar no lado bom é realmente o mantra de Sarah e Gabriel, que usam a estratégia para ignorar as pessoas da cidade que não são tão fãs assim do comportamento deles. Também é, para eles, um dos motivos da Era Vitoriana gerar tanto fascínio.

Sarah usa apenas roupas feitas no século XIX Foto: Estar Hyo Gyung Choi
Sarah usa apenas roupas feitas no século XIX Foto: Estar Hyo Gyung Choi

— O pensamento daquela época era de que, quando nos cercávamos de coisas bonitas, tentávamos nos comportar bem e fazer coisas boas, porque a beleza ao redor nos inspirava. Essa é uma ideia muito atraente. Também foi um tempo muito positivo. Mesmo nos anos 1890, quando a economia estava ruim (devido à crise financeira internacional que ficou conhecida como Pânico de 1890) , as pessoas estavam otimistas, acreditavam que eram capazes de fazer o mundo melhor — argumenta a americana que, porém, não é imune a críticas: uma das maiores vem de sua mãe.

— A família de Gabriel nos dá muito apoio. Minha mãe… acha que é meio estranho. Mas não conheço nenhuma mulher cuja mãe entenda tudo que ela faz. Isso é algo que todas nós temos em comum, sempre fazemos algo que confunde nossas mães.

FUTURO SEM CRIANÇA

O estilo de vida — que garante Sarah, é para sempre — também fez com que o casal decidisse não ter filhos.

“Hoje, quando as pessoas ligam a luz, não percebem os recursos que estão gastando, é tudo mágica”

Sarah Chrisman
Autora de 'Victorian secrets: what a corset taught me about the past, the present, and myself'

— Não é para nós. Sabemos que é uma vida que outras pessoas acham estranha, então talvez não seria justo forçar uma criança a viver dessa forma.

Se pode soar radical para alguns, Sarah assegura que por trás da decisão definitiva de viver nos padrões do século XIX não há nenhum grande sentimento de restrição ou arrependimento.

— Normalmente, quando tem algo de que sentimos falta, nós pesquisamos e descobrimos que era algo bem mais antigo do que pensávamos. Por exemplo, um dia queríamos tomar sorvete com refrigerante. Pesquisei e vi que era vitoriano — relembra ela, que usa lâmpadas e aquecedores a óleo dentro de casa. As limitações tecnológicas, que serão abordadas em seu próximo livro, fazem com que ela e o marido deem mais valor ao que tem e sejam conscientes com o meio ambiente.

— Nós percebemos melhor a passagem das estações, porque o óleo acaba mais rápido conforme o inverno chega. Hoje, quando as pessoas ligam a luz, não percebem os recursos que estão gastando, é tudo mágica — critica.