Coluna
Sérgio Besserman Vianna

Crise e saídas

No Brasil, moribundo tem uma longa agonia, a gestação dura muito mais de nove meses

“A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem.” (Antonio Gramsci)

Não podemos reclamar nem da quantidade nem da variedade de sintomas mórbidos na crise brasileira contemporânea.

E, como sempre no Brasil, o processo ocorre de forma lenta, gradual e segura: o moribundo tem uma longa agonia, a gestação dura muito mais de nove meses, e o parto é precedido de uma infinidade de contrações.

Por isso mesmo, não devemos ceder à tentação de, analisando a crise de forma rasa e superficial, acreditarmos que, sem matar o velho, gerar e parir o novo, haverá saídas fáceis. É espantoso como a classe política brasileira acostumou-se com as facilidades dos tempos de vacas gordas na economia internacional e, intelectualmente despreparada, recusa-se a olhar de frente o significado do processo histórico em curso.

A crise brasileira não é “apenas” o resultado do hegemonismo invariante e muito incompetente do PT. Não é “apenas” o resultado de uma política econômica inepta e oportunista que colapsou as contas fiscais conjunturais. Não é “apenas” a chegada do momento em que o espírito de combate à desigualdade da Constituição de 1988 se confronta com um Estado capturado pelas oligarquias e corporações e, portanto, incapaz de conciliá-lo com a realidade crua das finanças públicas.

A crise reflete uma sociedade que não cabe mais no figurino apertado dessa República (1988-2016). O monstro tem duas cabeças. A primeira mencionei em uma entrevista ao GLOBO em 18 de janeiro deste ano: “Essa República que ajudei a criar morreu... o fosso entre os representados e os representantes tornou-se grande demais. O peso do dinheiro ficou insustentável nos processos eleitorais. Um candidato é competitivo se for competitivo na arrecadação de fundos”.

A segunda deriva do fato de que a Constituição de 1988 é totalmente parlamentarista, mas, no último instante, faltou a necessária coragem aos constituintes, e eles mantiveram o presidencialismo provisoriamente, até que um plebiscito em 1993 restabelecesse a consistência da obra.

Quando chegou o plebiscito, interesses eleitorais conjunturais levaram todas as lideranças políticas (que eram parlamentaristas ) a se esconderem e fugirem irresponsavelmente do debate do tema. Venceu o presidencialismo e, com ele, surge um modelo de governança que não tem mais como ter qualquer funcionalidade: os deputados têm os bônus do poder mas nenhum dos ônus. Podem fazer, barganhar, exigir o que quiserem, sem nenhuma obrigação de formarem maioria capaz de oferecer sustentação ao governo.

Temos que encarar de frente os sintomas mórbidos. Mas o que devemos mesmo fazer é cortar as cabeças do monstro, matar e enterrar o velho, para permitir ao novo nascer. A República morreu! Viva a República!

Sérgio Besserman Vianna é economista

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