Cultura TV Séries

Continuação de 'Narcos' traz 'Escobar contra o mundo', diz Wagner Moura

Ator brasileiro critica política de guerra às drogas: 'vão matar o Pablo e vai ter outro Pablo'
Wagner Moura fala sobre 'Narcos' durante evento da Netflix Foto: Eric Charbonneau/Netflix / Divulgação
Wagner Moura fala sobre 'Narcos' durante evento da Netflix Foto: Eric Charbonneau/Netflix / Divulgação

PASADENA, Califórnia — As últimas semanas têm sido agitadas para Wagner Moura. Há menos de 15 dias, o ator brasileiro estava em Bogotá gravando a segunda temporada de "Narcos". Então, foi a Las Vegas participar de um evento de divulgação da série e de lá voou para Nova York, onde foi entrevistado por Jimmy Fallon. Logo foi para Los Angeles, onde participou da cerimônia do Globo de Ouro, concorrendo ao prêmio de melhor ator em série dramática.

“Todo mundo fez um esforço muito grande, eu mesmo fiz um sacrifício pessoal para fazer um negócio bem feito. Então, modéstia à parte, eu achei essa indicação merecida”

Wagner Moura
sobre 'Narcos'

Após mais uma rápida passagem em Bogotá, no último domingo estava novamente em Los Angeles, para participar do painel da série da Netflix, que tem produção executiva de José Padilha, numa conferência realizada pela Associação de Críticos de Televisão dos EUA, a TCA. Na entrevista, o ator comenta a indicação ao Globo de Ouro, as críticas ao sotaque colombiano e política de guerra às drogas.

Como você recebeu essa indicação ao Globo de Ouro?

Eu não vou dizer que estava esperando ser indicado, mas não vou mentir e dizer que foi uma surpresa. Acho que a gente fez uma série muito boa, eu gosto muito de "Narcos". É uma série muito original, tem um estilo próprio, e um tema que me interessa muito pessoalmente. E tem essa coisa do estilo do José Padilha, de misturar real footage com as nossas cenas, tem aquele voice over em tudo o que ele faz... ele sempre tenta entender uma realidade e depois explicar. O Zé gosta de ser professoral. Fora que é uma série falada em espanhol e em inglês. Acho que é uma série massa. Todo mundo fez um esforço muito grande, eu mesmo fiz um sacrifício pessoal para fazer um negócio bem feito. Então, modéstia à parte, eu achei essa indicação merecida.

Seus admiradores no Brasil viram nessa indicação um "cala boca" nos detratores, depois de toda a polêmica no Brasil e na Colômbia, por causa do seu sotaque espanhol. O que você achou disso?

Eu esperava que isso (a polêmica) fosse acontecer na Colômbia, o que de fato aconteceu, mas no Brasil a reação foi muito mais forte. Por outro lado, muita gente ficou contente com a minha indicação, torcendo por mim, então não fico pensando nisso. De verdade. Acredito que, quando você faz alguma coisa, você tem que fazer o melhor possível e depois relaxar, com a certeza de que fez o melhor. E eu realmente fiz o melhor que eu pude, fiz um esforço muito grande para interpretar o Pablo Escobar. Mudei meu corpo, aprendi a falar uma língua do zero, fiquei longe dos meus filhos por meses, é um personagem barra pesada, foi emocionalmente desgastante. Mas tenho muito orgulho da série que nós fizemos.

Uma indicação a um dos principais prêmios de TV e cinema do mundo deve ter jogado os holofotes em cima de você. Sentiu alguma diferença?

Certamente. Vou carregar para sempre Golden Globe Nominee no meu currículo. Nos EUA, essas coisas têm um peso muito grande. O interesse no meu trabalho aumentou, mas acho que a própria série, tão bem recebida mesmo antes do Globo de Ouro, impulsionou meu nome. Mas eu continuo levando minha vida e escolhendo o que eu quero fazer com cuidado. Num momento em que o mercado americano quer muito que eu fique aqui, eu vou voltar para o Brasil e fazer o Marighella (filme sobre a história do guerrilheiro brasileiro que lutou contra a ditadura, estreia de Wagner na direção). Porque é o que eu quero fazer.

Como você avalia o alcance de "Narcos"?

"Narcos" talvez seja uma das séries mais vistas no mundo hoje. Essa parada de a Netflix estar no mundo inteiro... É muito louca essa porra. É surreal. Eu gravei um vídeo lendo os países em que eles estão e... não acabava nunca! E uns países que eu nunca nem tinha ouvido falar, não sabia nem dizer o nome (risos)!  Com isso, parece que "Narcos" e "Beasts of no nation" estão na casa certa, são obras sobre realidades muito regionais, mas que falam para o mundo todo. Hoje falei com jornalistas japoneses e conheci a percepção deles sobre "Narcos", isso é bem impressionante.

E como foi a preparação para voltar à pele de Pablo Escobar?

Eu emagreci naturalmente entre as gravações da primeira e da segunda temporada, porque eu ia fazer um filme aqui nos EUA, o "Magnificent seven" (remake de "Sete homens e um destino"), mas a Netflix não me deixou fazer. E acho que eles tinham toda a razão, porque eles precisavam de mim para divulgar a série. Se eu fosse eles, eu também não deixava, não. Então eu já tinha emagrecido um pouco e depois que eu voltei, só o fato de estar em casa, comendo bem, eu perdi uns quilos, mas acho que já voltei, devo estar com uns 96kg agora. Não voltei a fazer aulas de espanhol porque meu espanhol já é bom, não preciso mais estudar, eu falo bem, acho que até melhor que o inglês (risos). Eu fiquei no centro do furacão porque eu faço o personagem principal, e porque eu sou brasileiro e tive que aprender uma nova língua. Mas quem já falava espanhol na série tem sotaque do Chile, do México, são vários sotaques. Ninguém ali fala paisa exatamente como um colombiano.

Como foram as gravações da segunda temporada?

“Enquanto a política de drogas for essa, de repressão, de guerra às drogas, vão matar o Pablo e vai ter outro Pablo, vão prender o Chapo e vai ter outro Chapo”

Wagner Moura
Ator de 'Narcos'

Foi tudo bem. O sucesso é bom porque motiva, os problemas ficam menores quando um projeto é bem sucedido. Porque é foda filmar em Bogotá, longe, frio, tudo em locação, não tem estúdio. Os caras vão fazer "House of cards" e têm estúdio com conforto, ar condicionado. Pela experiência da primeira temporada, em termos de produção, tudo ficou mais fácil, a gente aprendeu a trabalhar melhor, e estamos dominando melhor os personagens.

Apesar de ser uma história conhecida por todos, o que podemos esperar da segunda temporada de "Narcos"?

(Risos) É aquilo que a gente já sabe. A segunda temporada é o Pablo fugindo, tentando manter a família unida, buscando alguma normalidade dentro desse cenário. É a história de uma família contra o mundo. Pablo, Tata e as crianças contra a CIA, o DEA, o exército colombiano, o cartel de Cali. Agora todo mundo quer matar o Pablo, ele é quase a vítima na segunda temporada.

O assunto dos cartéis do tráfico de drogas voltou à mídia com força com a prisão do Chapo Guzman...

Acho que enquanto a política de drogas for essa, de repressão, de guerra às drogas, vão matar o Pablo Escobar e vai ter outro Pablo, vão prender o Chapo e vai ter outro Chapo. Não vai acabar nunca. E essa é uma política que vem dos EUA, mas a guerra não acontece aqui. Acontece no México, acontece na Colômbia, no Brasil. É nestes países que jovens pobres estão morrendo. El Chapo é só mais um. Eu sempre falei de legalização das drogas, e essa série,  sobre a origem do tráfico de drogas, ratificou o que eu pensava a respeito dessa política. É um erro. E eu acho que a pressão pela mudança tem que partir da sociedade civil latino-americana. É muito estranho ver um latino defender essa política, porque a consequência é sentida no quintal da gente.

* Liv Brandão viajou a convite da Netflix