Edição do dia 25/05/2016

26/05/2016 01h09 - Atualizado em 26/05/2016 01h59

STF homologa a delação de Sérgio Machado, que gravou Renan e Sarney

Veja trechos inéditos das conversas do ex-dirigente da Transpetro com
Renan Calheiros, presidente do Senado, e o ex-presidente José Sarney.

Júlio Mosquéra / Geiza DuarteBrasília, DF

Protegido por caciques do PMDB na diretoria da Transpetro, o ex-presidente da empresa Sérgio Machado resolveu melhorar a própria situação perante a procuradoria, que o acusa de participar de um esquema de propina, entregando os protetores.

O STF homologou a delação premiada na qual Machado gravou conversas também com o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o ex-presidente José Sarney.

As conversas gravadas deixam transparecer uma preocupação central: como escapar do alcance da Lava Jato, se possível, atacando a Lava Jato.

Mas já há uma constatação que já virou clichê na boca de deputados e senadores: não há mais como parar a Operação Lava Jato, e não se fala contra ela nem em segredo. Os políticos que não se convencerem disso vão continuar cometendo erros graves.

O senador Romero Jucá caiu do Ministério do Planejamento por causa de insinuações de que ele poderia atuar para conter a Lava Jato.

Na quarta-feira (25), o presidente do Senado, Renan Calheiros, foi para o olho do furacão por diálogos com Sérgio Machado que falam sobre a possibilidade de um grande acordo para salvar políticos da Operação Lava Jato.

E, na mesma esteira, o ex-presidente José Sarney, talvez o mais experiente político em atividade hoje em dia, ficou em uma situação delicadíssima, como podemos ver na reportagem de Geiza Duarte, que traz áudios inéditos obtidos pelo JG, inéditos gravados pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, com Sarney e também com Renan.

Sérgio Machado era considerado pelos investigadores o caixa da cúpula do PMDB, mas ele afirmou em várias conversas que não havia provas que ligassem nenhum dos líderes do partido ao esquema e pediu ajuda para evitar que novas delações surgissem ou que o juiz Sérgio Moro o pressionasse a falar. Em uma conversa do dia 10 de março, o ex-presidente Sarney disse que ajudaria Machado a não ser preso.

Sarney: Isso tem me preocupado muito porque eu sou o único que não tive em um negócio desse, sou o único que não tive encolvido em nada. Vou me envolver num negócio desse.
Machado: Claro que não, o que acontece é que a gente tem que encontrar, me ajudar a encontrar a solução.
Sarney:Sem dúvida.
Machado: No que depender de mim, nem se preocupe. Agora, eu preciso, se esse p*** me botar preso 1 ano, 2 anos, onde é que vai parar?
Sarney:Isso não vai acontecer. Nós não vamos deixar isso.

Um dia depois, em uma conversa com o presidente do Senado Renan Calheiros, Sérgio Machado reclama do procurador-geral da República Rodrigo Janot. Diz que ele trabalha para que Machado seja julgado pelo juiz Sérgio Moro. Renan diz que isso não pode acontecer.

Machado: O que eu quero conversar contigo. Ele não tem nada de você nem de mim. O Janot é um f*** da maior, da maior.
Renan:Eu sei. Janot e aquele cara da...força-tarefa...
Machado:Mas o Janot tem certeza que eu sou o caixa de vocês. Então o que ele quer fazer. Não encontrou nada e nem vai encontrar nada. Então quer me desvincular de você. Ele acha que no Moro, o Moro vai me prender, e aí quebra a resistência e aí f***. Então, a gente precisa ver, andei conversando com o presidente Sarney, como a gente encontra uma...porque se me jogar lá embaixo, eu estou f***.
Renan:Isso não pode acontecer.

Em um outro trecho também no dia 10 de março, Sérgio Machado sugere que o grupo se aproxime do relator da Lava Jato no Supremo, ministro Teori Zavascki. Sarney cita o nome do ex-ministro do STJ, César Asfor Rocha, que teria, segundo Sarney, proximidade com Teori, e diz que vai falar com ele sobre isso.

Machado:Porque realmente se me jogarem para baixo aí...Teori ninguem consegue conversar.
Sarney: Você se dá com o César. César Rocha.
Machado:Hum...
Sarney: César Rocha.
Machado: Dou, mas o César não tem acesso ao Teori não. Tem?
Sarney:Tem total acesso ao Teori. Muito, muito, muito, muito acesso, muito acesso. Eu preciso falar com César. A única coisa com o César, com o Teori, é com o César.

Machado também gravou uma conversa em que estavam presentes Sarney e Renan juntos. Foi no dia 11 de março. O tema ainda é como ter acesso ao Teori. Desta vez, através do advogado Eduardo Ferrão, que também seria amigo do ministro.

Sarney: O Renan me fez uma lembrança que pode substituir o César. O Ferrão é muito amigo do Teori.
Renan: Tem que ser uma coisa confidencial, Sérgio. Só entre nós e o Ferrão.

O fato de que Sérgio Machado se viu obrigado fazer uma delação premiada é indicativo de que não surtiram efeito as tentativas de influenciar Teori por meio de César Asfor Rocha e Eduardo Ferrão.

As conversas também mostram que houve negociações para alterar leis e tentar prejudicar a Lava Jato como um todo. Com Sérgio Machado, Sarney fala de uma medida provisória sobre acordo de leniência que o governo Dilma baixou para facilitar que empresas admitam a culpa e possam voltar a fazer negócios com o setor público. Depois de protestos do TCU e do Ministério Público, a MP foi substituída por um projeto de lei bem mais rígido.

Machado:Outro caminho qjue tem que ter. é a aprovacao desse projeto de leniência na Câmara o mais rápido possivel, porque aí livra o criminal. Livra tudo.
Sarney:Tem que lembrar o Renan disso. Para ele aprovar o negócio da leniência.

Renan e Sarney conversaram também sobre proibir que pessoas presas façam delações premiadas, uma ideia que prejudicaria a Operação Lava Jato já que algumas delações foram fechadas por suspeitos presos.

Sarney: O importante agora, se nós pudermos votar que só pode fazer delação, é só solto.
Renan:Que só pode solto, que não pode preso. Isso é uma maneira sutil que toda sociedade compreende que isso é uma tortura.

Segundo investigadores, as tentativas de mudança na lei das delações premiadas e a medida provisória da leniência faziam parte de um plano para enfraquecer a Lava Jato. Em outra conversa com Sérgio Machado, em que foi discutida a delação de executivos da Odebrecht, o ex-presidente Sarney cita tentativa de acordo geral para barrar a operação.

Sarney:A Odebrecht (...) eles vão abrir, vão contar tudo. Vão livrar a cara do Lula e vão pegar a Dilma. Porque foi com ele. Quem tratou diretamente sobre o pagamento do João Santana foi ela. Então eles vão fazer porque isso tudo foi muito ruim para eles. Com isso não tem jeito. Agora precisa se armar. Como vamos fazer com essa situação? A oposição não vai aceitar. Vamos ter que fazer um acordo geral com tudo isso.

Machado: Inclusive com o Supremo. E disse com o Supremo, com os jornais, com todo mundo.

Sarney:Supremo...não pode abandonar.

Apesar das conversas para tentar evitar que a Lava Jato chegasse à cúpula do PMDB, Sérgio Machado fechou um acordo de delação premiada em que fez justamente o oposto. Entregou à Procuradoria dezenas de gravações como estas, em que compromete os ex-aliados. Ou seja, a tentativa de interferir nas investigações não deu certo.

Além de entregar as gravações das conversas, Sérgio Machado já fez depoimentos sobre o envolvimento de políticos no esquema de corrupção na Petrobras. Agora, o procurador poderá pedir abertura de investigações a partir das declarações e isso não tem prazo para acontecer.

"Sem dúvida há gravidade nesses fatos mais uma vez revela-se tentativa de comprometer a ação de investigadores e julgadores da Operação Lava Jato. Mas o que se revela também é que é uma tentativa que se frustra porque a Operação Lava Jato prossegue de forma ininterrupta e irresistível e irá até o fim. Os avanços devem ser consagrados e não devemos permitir retrocessos. Me refiro à delação premiada e à prisão com condenação em segunda instância", declara o senador Álvaro Dias (PV/PR).

As conversas entre Sarney e Sérgio Machado mostram também a insatisfação do ex-presidente com as decisões do juiz Sérgio Moro e com a prisão do senador Delcídio do Amaral, decretada pelo Supremo Tribunal Federal. Confira os detalhes no vídeo.

O presidente do Senado, Renan Calheiros, disse que sempre recebe aqueles que o procuram e que os diálogos não revelam, nem sugerem, qualquer menção ou tentativa de interferir na Lava Jato.

O ex-presidente José Sarney disse ser amigo de Sérgio Machado há muitos anos e afirmou que as conversas que teve com ele foram marcadas pela solidariedade e que muitas vezes procurou dizer palavras que ajudassem a superar as acusações que Machado enfrentava.

O Instituto Lula declarou que o diálogo citado é fruto de mais um vazamento ilegal e confirma o clima de perseguição contra o ex-presidente. O instituto afirmou, ainda, que a conversa não traz nada contra o ex-presidente.

A defesa da presidente afastada Dilma Rousseff disse que ela jamais pediu qualquer tipo de favor que afrontasse o princípio da moralidade pública.

A defesa de Sérgio Machado diz que os autos são sigilosos e que não pode se manifestar.

O ministro Teori Zavascki não vai comentar o conteúdo dos áudios.

O ministro aposentado César Asfor Rocha afirmou que nunca foi procurado por José Sarney, Renan Calheiros ou Sérgio Machado para tratar de assuntos relacionados à Lava Jato.

O Jornal da Globo não conseguiu contato com o advogado Eduardo Ferrão.