15/09/2010 07h03 - Atualizado em 15/09/2010 13h33

Após invasão em 2008, pichadores são convidados a voltar à Bienal

Três dos 40 pichadores que pintaram espaço vazio vão expor na 29ª Bienal.
G1 conversou com convidado para exposição, que não terá spray.

Kleber TomazDo G1 SP

Dessa vez, vamos entrar na Bienal pela porta da frente”, diz pichador"Dessa vez, vamos entrar pela porta da frente”, diz pichador em visita à Bienal (Foto: Daigo Oliva/G1)

Dois anos após invadirem a última Bienal Internacional de Artes de São Paulo, no Parque do Ibirapuera, na Zona Sul, quando picharam sem autorização as paredes do espaço vazio, no segundo andar do pavilhão, quebraram vidraças, viram uma das integrantes do movimento ser presa pela Polícia Militar e condenada pela Justiça por dano ao patrimônio histórico e formação de quadrilha, os pichadores vão entrar no evento deste ano pela porta da frente.

A Bienal vai abrir espaço para a pichação na sua 29ª edição. Três daqueles 40 pichadores de 2008 foram convidados pela curadoria, na condição de artistas, para representar o movimento do ‘pixo’ (com o ‘x’ no lugar do ‘ch’, como preferem). O que era intervenção urbana ganha agora status de arte, arte marginal, urbana, proibida e transgressora.

A escolha pela pichação, antes restrita às ruas, muros, paredes e prédios da capital paulista, se encaixa de modo fiel ao tema deste ano, “política da arte”, segundo informa a assessoria de imprensa da Bienal. “Pixação SP” será uma das 159 obras artísticas do evento, que começa no dia 21 de setembro, com uma vernissage, restrita a convidados, imprensa e artistas. A abertura oficial ao público será no dia 25.

O visitante que for ao espaço destinado à pichação irá encontrar um vasto material documental: registros, fotos e vídeos documentários sobre a ação dos pichadores e o resultado de suas obras. Além disso, estão programadas palestras e mesas de discussões.

Sem latinhas de spray
Diferentemente da Bienal passada, a latinha de spray com tinta não deverá ser usada pelos pichadores expositores.

“Afinal de contas, se a gente pedisse uma parede para pichar iria ferir a nossa ideologia: ‘pixo’ é a transgressão. É se apropriar de espaço público sem aval de ninguém. Seria antiético da nossa parte querer fazer alguma coisa lá dentro”, afirmou ao G1 o pichador Djan Ivson, que assina Cripta Djan, e irá expor ao lado de outros dois importantes nomes do movimento: Rafael Guedes Augustaitiz, o Rafael Pixobomb, e Choque Focus Adriano. Esses são, respectivamente, o coordenador da invasão dos pichadores à Escola de Belas Artes de São Paulo em junho de 2008 e o responsável por filmar as ações dos grupos.

Para pichador, tudo o que aconteceu após ação de 2008 foi positivoPara pichador, tudo o que aconteceu após ação de
2008 foi positivo (Foto: Daigo Oliva/G1)

De acordo com a assessoria da Bienal, oferecer uma parede para os pichadores demonstrarem seu trabalho perderia o caráter da pichação. “Da forma que estamos na Bienal é a correta. Não queremos muro autorizado para pichar lá dentro. Optamos por um trabalho documental. A forma de levarmos a pichação é documental. Se tivesse aval da curadoria para pichar lá dentro seria representação estética da pichação. Picho é arte conceitual”, disse Cripta, que tem 26 anos, é casado, tem filhos, mora na periferia de São Paulo e trabalha como pintor de paredes.

Pichação da 28º Bienal
Para Cripta, um dos motivos para os pichadores serem convidados a participar do evento deste ano se deve à pichação da Bienal do Vazio em 26 de outubro de 2008.

“Tudo o que aconteceu depois daquela ação foi positivo. Quebramos a ditadura da arte. Desmascaramos a curadoria, que havia dito que estava aberta a intervenções urbanas, mas não permitia isso. Agora nos abriu as portas. Dessa vez, vamos entrar na Bienal pela porta da frente”, disse Cripta, que fez seu primeiro ‘pixo’ aos 12 anos. “Pichei o portão da casa onde morava.”

Caroline Pivetta, condenada por pichar a BienalCaroline Pivetta (Foto: Reprodução/TV Globo)

Naquela ocasião, os manifestantes picharam as paredes com frases como: “Isso que é arte” e “Abaixa a ditadura”. A ação foi parar na polícia. A PM deteve a pichadora e artesã Caroline Pivetta, que ficou presa por 53 dias. Depois de solta, foi condenada por quatro anos de prisão, em regime semiaberto, por formação de quadrilha e destruição de bem protegido por lei. Na época, a garota, que tinha 24 anos, alegou em sua defesa que pichação não signifcava depredar patrimônio.

Procurada para comentar o assunto, Caroline não respondeu aos recados deixados em seu celular pela reportagem. Segundo seu advogado, Augusto Arruda Botelho, ela está afastada de São Paulo e da pichação.

“Ela não vai participar da Bienal e não quer falar a respeito mais do que aconteceu ou sobre a participação dos pichadores agora. Ela está morando com a mãe e está cuidando do filho que teve neste ano. Ela deve estar trabalhando como artesã. De qualquer modo, acho válida a discussão sobre a pichação ser exposta na Bienal. Foi inteligente da curadoria atrair esse tipo de manifestação artística para discussão”, disse o advogado Botelho.

Sobre o recurso que impetrou no Tribunal de Justiça de São Paulo contra a condenação de Caroline, o advogado afirmou que ele deverá ser julgado somente em 2011. “É um habeas corpus no qual peço a absolvição dela nos dois crimes ou desclassificação para crime ambiental, em relação a pichação”, afirmou Botelho.

Pichação na Bienal em 2008Pichação na Bienal em 2008 (Foto: Aguinaldo Rocca/VC no G1)

 

Pichação e política
Mas onde entra a política na arte da pichação sugerida pela Bienal? “O conceito de arte é distorcido. Só é arte o que é bonito ou autorizado. A arte do ‘pixo’ é libertária, anárquica. A sociedade se incomoda com a pichação e deixa de se incomodar com coisas muito mais importantes. Os muros e portões para fora da casa são públicos. A gente vê beleza no que faz. Tudo é privado e somos obrigados a engolir propaganda de consumo e política. Pichação é linguagem também”, filosofa Cripta.

Entre as pessoas que os expositores pretendem convidar para assistir “Pixação SP” estão os próprios pichadores que participaram da invasão da 28ª Bienal. Questionado se eles levarão latinhas de spray ou planejam pichar novamente a Bienal, Cripta deixou a possibilidade no ar. “Não sei. A última vez que fomos à Bienal pichamos sem autorização. Eles não precisam de aval para pichar.”

O G1 solicitou uma entrevista com algum curador da Bienal para comentar a participação dos pichadores no evento, mas não obteve retorno.

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