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Morre José Carlos Avellar, crítico e pensador do cinema brasileiro

Autor também era curador do Instituto Moreira Salles
José Carlos Avellar Foto: Fernando Frazão / Agência O Globo
José Carlos Avellar Foto: Fernando Frazão / Agência O Globo

RIO - O jornalista e crítico José Carlos Avellar, importante pensador do cinema brasileiro e latino-americano, morreu nesta sexta-feira, aos 79 anos. Ele estava internado no Hospital São Lucas, em Copacabana, onde travava um câncer, segundo amigos próximos. O velório será neste domingo, às 11h, e a cremação, às 16h, no Memorial do Carmo, no Caju.

Autor de livros como "O chão da palavra", sobre cinema e literatura no Brasil, e "A ponte clandestina", que abordava teorias de cinema na América Latina, Avellar era, atualmente, responsável pela programação audiovisual do Instituto Moreira Salles (IMS), que, em nota, lamentou a morte:

"Seus amigos e admiradores ressaltam uma característica fundamental do crítico: sua memória. Avellar era capaz de rememorar cenas específicas, descrevendo em detalhes um singelo plano, de um filme assistido décadas atrás. Seus artigos e ensaios exibiam um vasto conhecimento da produção mundial e da história do cinema, e articulavam a difícil relação entre a sétima arte e outros campos de conhecimento, como a psicanálise."

O IMS foi justamente o vencedor da edição de 2014 do prêmio Faz Diferença, na categoria Cinema. Na época, Avellar afirmou que cuidava da programação com o objetivo de fazer com que "a pessoa siga refletindo sobre o que acabou de ver."

— Avellar era um mestre, e não apenas no cinema que ele tanta amava. Sua ação como crítico, pensador e incentivador do cinema brasileiro era sempre generosa, includente e extraordinariamente perceptiva — disse o cineasta Walter Salles. — Era um homem de uma grande retidão moral e política, que fará muita falta. Como amigo e admirador do Avellar, estou muito triste. O mundo ficou menor hoje.

Nascido em 1936 no Rio, Avellar começou a escrever críticas de cinema no "Jornal do Brasil", onde trabalhou durante duas décadas.

A maneira com que analisava filmes lhe assegurou projeção internacional. Seus textos e artigos foram usados em catálogos de festivais importantes, como o de Locarno. Além disso, foi consultor da Berlinale e dos festivais de San Sebastián e de Montreal. Em dezembro de 2006, foi condecorado pelo governo francês com o Chevalier des Arts et Lettres, láurea concedida em reconhecimento às contribuições para a arte.

Como gestor público, chegou a comandar a Cinemateca do MAM, e foi vice-presidente da Associação Internacional dos Críticos de Cinema (Fripesci), além de curador do Festival de Gramado, de 2006 a 2011. No Facebook, o curador da Cinemateca do MAM, Ricardo Cota, lamentou:

"Sem qualquer exagero sentimental, a notícia da perda de José Carlos Avellar levou-me aos prantos", escreveu. "No festival ( de Berlim ), havia inclusive um canto, no hall do Palácio de exibição, que eu chamava de 'canto do Avellar'. Entre uma sessão e outra matinal, Avellar aguardava em pé, debruçado a uma mesa suspensa, o próximo filme dividindo sua opinião com os críticos brasileiros, sobretudo os mais jovens, ávidos por suas opiniões. Foi um mestre e nos últimos tempos rascunhávamos uma parceria de trabalho na Cinemateca do MAM, seu eterno lar. Vai ser duro entrar naquela casa hoje diante dessa notícia."

Nas décadas de 1960 e 1970, Avellar - que também foi diretor cultural da Embrafilme, diretor-presidente da RioFilme e professor da Escola de Cinema Darcy Ribeiro - incursou brevemente na carreira de cineasta, tendo dirigido o curta-metragem "Treiler", além de ter exercido o papel de diretor de fotografia nos documentários "Triste trópico" (1974) e "Ião" (1976).

— Ele foi um grande crítico, um embaixador incansável do cinema brasileiro junto aos organizadores dos festivais internacionais e um colaborador precioso do IMS — disse João Moreira Salles. — Mas, para mim, ele será sempre a pessoa que, à frente da Rio Filme, deu a ( Eduardo ) Coutinho a oportunidade de retomar a carreira. Sem Avellar não teríamos Santo Forte e, sem Santo Forte, Coutinho não teria realizado todos os filmes da segunda fase da vida dele. O que significa dizer que Avellar é responsável direto por uma das obras mais luminosas do cinema brasileiro. Para quem dedicou a vida a ajudar o nosso cinema, é difícil pensar num legado mais precioso.

— Ele tem uma importância singular não só por ter passado por várias instituições, como cinematecas, mas, principalmente, por ter estimulado a reflexão cinematográfica — diz Irene Ferraz, diretora da Escola de Cinema Darcy Ribeiro. — Ajudou a levar o Brasil para o mundo, vendo e apontando filmes para festivais internacionais. Quantas janelas ele abriu para o Brasil!