Coluna
Luiz Fernando Janot
Luiz Fernando Janot Foto: Fernando Alvim / Agência O GLOBO

Renovação de espaços urbanos

Continua-se atuando ao sabor do improviso e sem medir as consequências da aplicação de modelos equivocados de planejar intervenções urbanas

No início da década de 1980, alguns empreendedores imobiliários apostaram na recuperação do SoHo, uma área decadente da cidade de Nova York. O objetivo era transformar essa localidade em um espaço atraente para pessoas bem-sucedidas financeiramente. À medida que os velhos prédios e galpões iam sendo transformados em moradias e ateliês sofisticados, o bairro passou a receber novas galerias de arte, espaços culturais diversificados, lojas de marcas famosas, além de bares e restaurantes da moda.

A esse modelo de renovação urbana deu-se o nome de gentrification — uma expressão derivada de gentry, que significa “pequena nobreza”. O sucesso comercial alcançado com o “enobrecimento” de bairros decadentes se consolidou em diversas cidades, especialmente europeias. Londres talvez tenha sido a que melhor se apropriou desse modelo para atrair investidores — especialmente árabes — desejosos de adquirir imóveis para locação ou uso pessoal.

Se, por um lado, esse processo promove a renovação de áreas urbanas, por outro, ele contribui para o êxodo das populações locais que não possuem recursos para fazer frente aos novos preços praticados na venda ou aluguel dos imóveis recuperados. Este aspecto tem gerado debates acalorados entre estudiosos das cidades, autoridades públicas, investidores imobiliários e associações de moradores. Não há como discutir genericamente as vantagens ou desvantagens desse modelo sem antes avaliar as características de cada localidade e o impacto causado no restante da cidade.

No Rio de Janeiro, o mais recente exemplo de renovação urbana é o do Porto Maravilha. Trata-se da transformação de uma gigantesca área da cidade — maior que Copacabana — que durante muito tempo esteve relacionada com as atividades portuárias. Com a derrubada do Elevado da Perimetral e a implantação de um sistema viário renovado, a região adquiriu uma nova perspectiva de desenvolvimento urbano.

Para obter os recursos necessários à realização das obras idealizadas, a prefeitura adotou um modelo de planejamento no qual a estratégia financeira exerceu o papel determinante. Em tese, o modelo se baseou na comercialização de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepac) — uma espécie de título que assegura aos seus compradores o direito de construir além dos parâmetros referenciais estabelecidos. Para alcançar o alto valor de arrecadação estimado, ampliou-se a oferta desses títulos por meio da inserção de megaedifícios empresariais — alguns com 50 pavimentos de altura — em detrimento dos edifícios residenciais.

O que a princípio parecia ser uma solução financeira mágica acabou se transformando em pesadelo. No leilão público de oferta desses títulos (Cepac) não apareceu nenhum comprador. Diante do impasse, a alternativa encontrada foi promover articulações políticas para convencer a Caixa Econômica Federal a adquirir, de uma só vez, com recursos do FGTS, a totalidade dos Cepac oferecidos e rejeitados pelo mercado. Dessa forma, obtiveram-se os recursos necessários para viabilizar a tão decantada Parceria Público-Privada estabelecida com o consórcio de empreiteiras responsável pela execução das obras.

Diante da atual retração econômica, a dificuldade para comercializar imóveis empresariais na área central da cidade ampliou-se consideravelmente. Na falta de alternativa para levar o plano adiante, recorreu-se, mais uma vez, à Caixa Econômica Federal para evitar a paralisação de algumas obras já iniciadas. Desta feita, ela utilizou parte dos Cepac encalhados em seu poder para adquirir andares corridos nos prédios em construção, mesmo sabendo da baixa liquidez apresentada por esses imóveis.

Em suma, continua-se atuando ao sabor do improviso e sem medir as consequências futuras da aplicação de modelos equivocados de planejar intervenções urbanas. Tais desacertos comprovam o quanto o determinismo financeiro, a pressa e a ganância têm sido prejudiciais à organização espacial das nossas cidades. Enquanto a administração pública não restabelecer os seus órgãos específicos de planejamento urbano integrado, dificilmente veremos uma política de Estado capaz de fazer frente aos interesses imediatistas de cada novo governo que assume a gestão da cidade.

Luiz Fernando Janot é arquiteto e urbanista

lfjanot@gmail.com

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