RIO — Faltando exatos cinco meses para o início dos Jogos Olímpicos do Rio, os 10.500 atletas dos 206 países participantes estão na contagem regressiva para mais uma edição do maior evento esportivo do mundo e a primeira na América do Sul. Expectativa parecida, guardadas as devidas proporções, vivem os 50 mil voluntários que ajudarão a tornar possível a realização das competições.
Mesmo longe de terem seus nomes nos holofotes, são tão donos da festa de 17 dias quanto os competidores. Isso porque atuarão em mais de 500 funções sem as quais qualquer celebração deste porte se tornaria inviável. Agrupados em nove grandes áreas de atuação (atendimento ao público, esportes, apoio operacional, serviços de saúde, imprensa e comunicação, transporte, protocolo e idiomas, tecnologia e produção de cerimônias), eles serão responsáveis, por exemplo, pela distribuição das 306 medalhas disputadas, pela orientação das delegações e pela aferição dos resultados das provas, entre tantos outros papéis a serem desempenhados em agosto. Por isso, foram submetidos a avaliações para atestar o comprometimento com o trabalho e a capacidade de exercer as funções para as quais se candidataram. No total, foram 250 mil inscritos no programa de voluntariado que selecionou, dentre os muitos representantes de todos os estados e do Distrito Federal, pelo menos algumas centenas da Zona Norte do Rio.
O número exato de pessoas oriundas da região, por ora, é impossível de dizer, já que as cartas-convite ainda estão sendo distribuídas (os inscritos aprovados ainda podem desistir). O que não impede afirmar que, independentemente do sexo, da idade e da biografia, a motivação seja a mesma: fazer dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos um sucesso. E, de quebra, ter contato com outras culturas, línguas e realidades, numa experiência sem igual que pode render amizades.
Algumas delas a analista de controles internos Carla Araújo da Conceição, de 40 anos, moradora do Lins, conserva até hoje. Elas são do tempo em que Carla trabalhou como assistente dos comitês da Dominica e do Canadá, no Pan-Americano e no Parapan-Americano de 2007, respectivamente, ambos no Rio. Os conhecimentos na língua inglesa propiciaram o contato com atletas e membros da delegação mantido via redes sociais.
— Foi bom porque me fez saber mais sobre outros países. Um exemplo é que antes não sabia nada sobre a Dominica, uma ilha no Caribe cuja língua oficial é o inglês. O chefe da delegação virou amigo pessoal, de bater papo no Facebook. Sem dúvida foi uma oportunidade que eu nunca teria tido se não tivesse sido voluntária — conta ela, que mais uma vez atuará com protocolo e idiomas, alocada na Arena Olímpica e na Arena do Futuro, ambas na Barra da Tijuca.
A experiência a fez tomar gosto. Depois do megaevento, ela ainda doou seu tempo e disposição para ajudar em um Mundial de Judô e nos Jogos dos Países da Língua Portuguesa, além do sorteio da Copa das Confederações:
— Se por um lado a gente não consegue ver as competições direito por estar trabalhando, por outro tem um ponto de vista diferente das outras pessoas. No Parapan, os atletas tinham um carinho de vir correndo mostrar as medalhas que haviam conquistado. Foi realmente gratificante — conta.
Já a estudante de Psicologia Aline Bianca da Costa Cruz, de 27 anos, moradora do Engenho de Dentro, terá sua primeira experiência trabalhando com eventos esportivos, mas não como voluntária. Foi na ajuda a apenados, no Tribunal de Justiça, que ela notou o sentimento recompensador do voluntariado. Aline ficará alocada no Riocentro, onde será assistente de transportes, auxiliando o público no local.
— O trabalho que ajudei a fazer ajudando nas execuções penais foi muito bacana e ainda me deu experiência na minha área. Por conta disso, fiquei com vontade de fazer parte da Copa do Mundo, mas não tive tempo. Agora, nos Jogos, vou ter essa chance. Tenho certeza de que será enriquecedora também profissionalmente, já que ser voluntária é um diferencial no currículo — diz.
À frente de um projeto filantrópico no município de Engenheiro Paulo de Frontin, o militar reformado Cosme Paschoal, de 56 anos, descreve o voluntariado como um dom presente em seu DNA.
— Há quem critique o fato de a gente trabalhar de graça por toda a crise política que o país vem enfrentando. Mas me diga se não é um contrassenso se queixar e não ajudar? Eu espero que os Jogos sejam um sucesso, com o Brasil ganhando muitas medalhas — argumenta ele, morador do Encantado, que atuará em transportes.
SONHO DE DAR CARONA
O comunicador visual Lúcio Afonso de Oliveira, de 49 anos, não se acanha em dizer que, se tivesse a chance, gostaria de levar os eventuais atletas no carro que guiará nos Jogos a um passeio alternativo, além dos cartões-postais. A Feira de São Cristóvão, o Complexo do Alemão, a Igreja da Penha, o Parque Madureira e outros pontos do subúrbio carioca seriam algumas paradas obrigatórias no intinenário traçado por ele.
— Se eu tiver a chance de ser motorista de alguém famoso, acho que vou tirar uma selfie né? Imagina ter um Usain Bolt no meu carro e não tirar foto? — sonha ele. — O brasileiro é um povo receptivo, que sabe acolher. E por isso mesmo acho interessante mostrar para quem vem de fora como é esse povo que recebe todo mundo de braços abertos.
Ele admite estar se dedicando ao curso de inglês on-line, fornecido por um patrocinador dos Jogos, para tentar travar um diálogo mais consistente a respeito da cultura e dos costumes dos viajantes:
— Tenho curiosidade de saber como é a vida nos países árabes, saber o que eles estão achando do Brasil. O único problema é fixar as lições de inglês porque é difícil sem estar praticando todo dia.
O assistente administrativo Alexandre Rocha Oliveira, de 38 anos, ainda não sabe se ficará no apoio operacional ou no transporte. A julgar pela experiência adquirida na Copa, onde foi motorista, acredita que pode vir a exercer a mesma função. Mas, ainda que venha a transportar ídolos, acredita que fará mais o estilo do condutor “tímido”.
— Curiosidade sobre as outras culturas existe, mas acho que fico sem graça. É uma responsabilidade que eu peguei para mim. Fazendo bem o meu trabalho, já me dou por satisfeito — diz Oliveira.