Saúde

Não há base científica para distinguir a legalidade de uma droga, diz presidente da Fiocruz

Paulo Gadelha cita o exemplo do álcool e da maconha para estabelecer a comparação
Planta de maconha cresce na estufa Minnesota Medical Solutions em Otsego, nos EUA: cannabis é tema de seminário promovido pela Fiocruz Foto: Glen Stubbe / AP
Planta de maconha cresce na estufa Minnesota Medical Solutions em Otsego, nos EUA: cannabis é tema de seminário promovido pela Fiocruz Foto: Glen Stubbe / AP

RIO - Não existem bases científicas que sustentem por que determinadas drogas são lícitas e outras, ilícitas. A afirmação é do presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, que participou, na manhã desta quarta-feita, do seminário “Maconha — usos, políticas e interfaces com a saúde e direitos”. O evento, promovido pela Fiocruz e a Escola de Magistratura do Rio de Janeiro, será realizado até sexta-feira, e conta com um amplo grupo de pesquisadores e juristas, além de representantes do governo federal, para tratar do tema.

— Não há qualquer tipo de evidência científica que possa ser usada como fundamentação, que possa fomentar aquilo que distingue as chamadas drogas lícitas e ilícitas — afirmou Gadelha, acrescentando que são questões políticas e sociais que definem estas diferenças.

Ele citou o exemplo do álcool e da maconha para estabelecer a comparação.

— É indiscutivelmente evidenciado que o álcool é muito mais prejudicial, do ponto de vista da saúde, seja no campo individual ou coletivo, com seus efeitos sobre a saúde pessoal, sobre as interações sociais, a violência doméstica, os acidentes de trânsito — disse Gadelha, que também é presidente da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia.

Gadelha ainda comparou a atual guerra às drogas ao período em que se começou a discutir as políticas sobre Aids, a partir dos anos 1980. Isso porque são, segundo eles, situações permeadas pela exclusão e pela estigmatização. No caso da Aids, por conta de os grupos vulneráveis serem homens que fazem sexo com homens, além de outros grupos vítimas de preconceito. E, nas drogas, por afetar mais diretamente setores mais pobres, geralmente alvo de encarceramento e repressão.

— Nós enfrentamos este processo (da Aids) e temos, hoje, resultados bem-sucedidos — ressaltou Gadelha, cobrando a mesma atuação para o tema da maconha.

PRECONCEITO PERMEIA POLÍTICA DE DROGAS

Não só do ponto de vista da saúde, mas também do jurídico o desrespeito permeia a discussão sobre drogas, segundo o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Sérgio Verani,  presidente do Fórum Permanente de Direitos Humanos da Escola de Magistratura (Emerj). Ele cita como exemplo a lei 11.343, que estabeleceu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), espeficamente o artigo 4o, que estabelece que são princípios do Sisnad "o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade".

— O conhecimento que se tem no senso comum sobre drogas é fundado no preconceito, na exclusão social, na estigmatização e na violência da política penal imposta na lei de drogas — afirma Verani.

Ele critica o endurecimento legal para tratar da questão das drogas, por exemplo com o aumento que sofreu da pena mínima para tráfico, que antes era de três anos e passou para o mínimo de cinco anos.

— E há grande parte de pessoas que acham que ela é muito suave. Cinco anos é quase igual à pena mínima de homicídio, que é de seis anos — critica.

Já o desembargador Caetano Ernesto Fonseca Costa, diretor da Emerj,  destaca que o debate de drogas enfrenta tabus e cobra que juízes evitem recair no preconceito social para tratar disto.

— O juiz precisa conhecer cada vez menos a lei e mais o até está ao redor da lei, mais o que a sociedade está pensando — diz.