Rio Bairros

Estilo 'faça você mesmo' dá toque individualizado à decoração

Profissionais de diferentes se tornam referência; veja passo a passo de duas peças

Karen Rampon com quadros que criou: o do raio X tem as mãos da filha dela
Foto: Bárbara Lopes / Agência O Globo
Karen Rampon com quadros que criou: o do raio X tem as mãos da filha dela Foto: Bárbara Lopes / Agência O Globo

RIO — “Não há lugar como o nosso lar”, disse Dorothy ao Espantalho na obra literária “O mágico de Oz”, escrita por L. Frank Baum e lançada em 1900, nos Estados Unidos. Mais de um século depois, é da seleção criteriosa entre dezenas de tons de tinta, do cuidado em trabalhar com diferentes materiais e da convicção de que a imaginação pode criar novos caminhos que profissionais de diferentes áreas pegam em ferramentas para construir o mundo de seus sonhos em casa. De tanto se dedicar a produzir peças artesanais e criar ambientes baseados apenas em seu próprio gosto (e não em regras de ouro da decoração), eles acabaram se tornando referência; primeiro, para os amigos, e, depois, para os seguidores dos blogs que se animaram a criar. Em tempos de crise econômica e valorização da personalidade, a onda do “faça você mesmo”, ou “do it yourself” (DIY), ganha nova força.

Mais do que uma expressão, “inventar moda” é uma premissa para a farmacêutica Karen Rampon Ziamith. Ela se diverte dando novas funções a diferentes objetos: uma radiografia das mãos da filha foi transformada em quadro que enfeita o hall de sua casa, e um copo de requeijão virou vaso de planta. Ambos têm tutorial no Pot-Pourri da Karen, blog criado há quatro anos. As postagens com passo a passo são as mais acessadas, diz Karen.

— A cada dia reaproveitamos mais o que temos. Até pela própria situação do país, sinto que estamos num momento de retomada de um movimento que era comum na época da minha avó, de fazer o bolo em casa ou dar um corte diferente à roupa para reaproveitá-la. Este é um tema muito comum em mídias como blogs e o YouTube; não tem o que você não encontre (na linha faça você mesmo) nesses espaços — diz Karen.

O blog nasceu como uma terapia para ocupar o tempo e organizar as ideias colhidas em revistas e sites, antes agrupadas em pastas de recortes e no computador, hábito cultivado por outras blogueiras ouvidas pelo GLOBO-Barra. Karen brinca ao afirmar que tem dupla personalidade, por conciliar ocupações tão diferentes, mas, ao mesmo tempo, encontra semelhanças entre elas:

— O farmacêutico tem um trabalho muito meticuloso, e isso se reflete no meu blog também. É tudo muito medido. Busco até o fim de onde veio uma ideia; cito os blogs em que pego material para me inspirar. E uso a minha casa como laboratório.

Deixar de lado o receio de fazer uma peça imperfeita é um dos primeiros passos antes de empunhar ferramentas e dar forma a qualquer projeto. As peculiaridades de cada material e os imprevistos durante o processo podem exigir paciência e desencadear ideias originais. É o lado menos glamouroso e mais mão na massa da decoração que a designer gráfica Ana Cantarini explora nos tutoriais semanais do Casa Doce Casa, blog que lançou há dois anos e no qual mostra como erros podem virar acertos.


Ana Cantarini com uma luminária feita por ela: na primeira vez, a base deu errado
Foto: Agência O Globo / Guilherme Leporace
Ana Cantarini com uma luminária feita por ela: na primeira vez, a base deu errado Foto: Agência O Globo / Guilherme Leporace

— É preciso continuar fazendo. Vai sair errado, mas é com a prática que você se aprimora. Quando fiz minha primeira luminária, a base não deu certo. Aí descobri que o cimento demora para descansar e ficar firme. E a refiz e consegui prender o braço de madeira que segurava o spot e a lâmpada — conta Ana.

O fascínio pela decoração começou na infância. Unindo criatividade e curiosidade, ela sempre gostou de fazer reformas, criar peças decorativas, alterar de objetos a cômodos, passando por móveis. O upcycling (reutilização de peças que seriam descartadas) anda de mãos dadas com projetos únicos, surgidos de improviso. Durante as mudanças na decoração (mais recente) do seu quarto, por exemplo, uma cama que estava com parte da madeira podre deu origem a três novos objetos: uma prateleira, uma base de corte (que ela usa para fazer seus trabalhos manuais) e um suporte para vasos de plantas.

— Tenho o DIY como estilo. Olho uma peça e penso em algo que precisa ficar exatamente do jeito que eu imagino. Se me deu vontade de criar algo, eu faço. Vou tentando elaborar coisas que vou usar. Sou curiosa. Não tenho formação em decoração, e faço tudo por gosto — conta Ana.

Num universo em que tudo se transforma, o DIY vira um estilo de vida e uma defesa do exclusivo e pessoal.

— Com o tempo você conhece suas habilidades, sabe o que consegue fazer e quando precisa de ajuda. Claro que lemos revistas; há designers e arquitetos que fazem coisas maravilhosas. Mas nunca me imaginei contratando uma pessoa para criar todos os ambientes da minha casa. Acho que seria um trabalho conjunto. O aconchego é se sentir na sua própria casa. Mesmo quando a peça fica imperfeita, tem um significado diferente quando nos cercamos de coisas que nós mesmos fizemos — opina Karen.

MUITAS CORES

O sonho de morar sozinha foi o catalisador para que um apartamento de paredes brancas, equipado com móveis dados por parentes e amigos, ganhasse cores e formas saídas da imaginação da museóloga Juliana Amado, há três anos. Inspirada por referências artísticas vindas do teatro, da fotografia e da pintura e pelo gosto de explorar seu lado criativo, ela decorou seu lar. E lançou o blog Casa de Amados para ir compartilhando suas descobertas ao longo do processo.


Juliana Amado mudou a cabeceira da cama aplicando bordado inglês. A mesa de cabeceira também tem seu toque pessoal
Foto: Agência O Globo / Guilherme Leporace
Juliana Amado mudou a cabeceira da cama aplicando bordado inglês. A mesa de cabeceira também tem seu toque pessoal Foto: Agência O Globo / Guilherme Leporace

— Sempre gostei de criar. Quando me mudei, o gosto pelo faça você mesmo ficou ainda mais forte. Tem peças nas quais nem preciso gastar dinheiro. Uso papel que sobrou, caneta, washi tape (fita adesiva japonesa que apresenta diferentes estampas). Chego a presentear amigos com alguns objetos — conta Juliana.

Não há um só cômodo do imóvel de quarto e sala que não tenha sido decorado pela blogueira com soluções práticas. Desmistificando a ideia de que, para mudar o ambiente, é preciso fazer obra pesada e um considerável investimento financeiro, Juliana tem uma seção no blog dedicada a tutoriais, em vídeo ou fotos, de projetos que levam cinco minutos para serem executados, depois de devidamente planejados. Ela mostra que é possível conferir um ar diferente à sala de estar com enfeites feitos de garrafas e sobras de flores artificiais usadas em outro projeto ou cobrindo o sofá com uma manta. Ou, na cozinha, estilizar a geladeira aplicando fita adesiva com formas geométricas. Ela também tem passo a passo de construção de mobiliário, como um rack feito com ripas de madeira e um caixote de feira. E de pequenas reformas.

— Eu quis mudar a cabeceira da cama, que era de madeira. Apliquei bordado inglês, uma solução mais em conta. Mas é preciso ter paciência: demorei dois dias só nisso — conta Juliana.


Mesa e parede decoradas com papel adesivo na casa de Lívia Marinho
Foto: Agência O Globo / Bárbara Lopes
Mesa e parede decoradas com papel adesivo na casa de Lívia Marinho Foto: Agência O Globo / Bárbara Lopes

O orçamento apertado para fazer do apartamento alugado um lar motivou a designer de interiores Lívia Marinho e o designer de sistemas Cleber Gordirio a suarem a camisa para dar seu estilo ao imóvel, sem alterar-lhe a estrutura. Longe de mudar a cor das paredes ou os azulejos, a dupla à frente do Ideias em Casa buscou alternativas baratas. Lívia, que no momento cursa faculdade de Arquitetura, acha que incentivar o faça você mesmo pode até ser conflitante com sua profissão, mas pondera que nem todo mundo que consulta sua página vai se aventurar a seguir seus passos:

— Dou ideias para deixar a casa bonita e aconchegante, mas isso dá trabalho. As pessoas gostam de ver o resultado, mas muita não têm coragem nem paciência de fazer o que está ali.

Além de incentivar o trabalho on-line da mulher, Gordirio coopera dando dicas para botar a casa em ordem no dia a dia:

— Ensino a fazer pequenos reparos, como consertar a pia que está pingando, e dou dicas de ferramentas que todo mundo precisa ter.

ATELIÊ E LABORATÓRIO

Filha de uma artesã, Thamyrez Aguiar começou a explorar sua criatividade nas oficinas da faculdade de Design de Produto, e, ao conseguir um emprego como desenhista de estampas para o mercado de moda, teve a sensação de não estar aproveitando ao máximo o conhecimento adquirido no curso. Começou a acompanhar blogs de decoração e teve a ideia de criar ou seu próprio. Ia postando o que fazia enquanto as cadeiras da cozinha ganhavam cor, suas paredes se enchiam de quadros e seu quarto era totalmente repaginado. No projeto, que nasceu ambicioso, um criado-mudo feito com um caixote de feira foi a primeira etapa.


Thamyrez Aguiar em seu quarto, totalmente remodelado com peças e móveis que criou
Foto: Bárbara Lopes / Agência O Globo
Thamyrez Aguiar em seu quarto, totalmente remodelado com peças e móveis que criou Foto: Bárbara Lopes / Agência O Globo

— Gosto muito dele, porque não foi uma peça fácil de fazer. Vi um passo a passo e pensei que ia demorar dois dias para repeti-lo. Mas demorei cerca de um mês. Estava quase surtando — conta.

Os leitores puderam acompanhar a transformação do quarto no Casa Studio Design, blog que criou no fim de 2013. As postagens mostravam cada fase, sempre com dicas. Temas como desapego e reaproveitamento são constantes. Ela mostra como transformar caixotes, potes de vidros e latas de leite em pó em móveis, luminárias, lixeiras. E como fez seu guarda-roupa de seis portas virar peça-chave de seu closet.

A reforma do armário durou cerca de seis meses. Numa das etapas, ela mudou a configuração do guarda-roupa, transformando-o em divisória entre quarto e closet — o que implicou em se desfazer de várias peças, além de sapatos e acessórios. O uso de um rolo de lã para a pintura atrasou todo o projeto. Fiapos ficaram grudados na tinta, o que demandou lixar tudo novamente e repintar o móvel, para só então aplicar-lhe o tecido, última fase prevista.

— Quando a pessoa se propõe a ser criativa, a casa acaba sendo um laboratório. Comecei a amadurecer as ideias e a fazê-las virarem coisas. E tive de aprender a lidar com a questão do tempo. Fico ansiosa, querendo ver o resultado final. Antes, meu quarto era outro quarto. Agora, ele é como fosse o meu mundo — conclui.