Rio

Estimativa é que dengue tenha custado ao país R$ 2,2 bilhões

Dados são dos últimos cinco anos. Em 2015, tratamento consumiu R$ 804,8 milhões
Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, zika e chicungunha Foto: Luis Robayo / AFP
Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, zika e chicungunha Foto: Luis Robayo / AFP

SÃO PAULO - Nos últimos cinco anos, o voo livre do mosquito Aedes Aegypti custou R$ 2,2 bilhões à sociedade brasileira. Apenas em 2015, quando o Brasil bateu recorde no número de casos de dengue, com 1,65 milhão de ocorrências da doença, o tratamento de pacientes consumiu pelo menos R$ 804,8 milhões de cofres públicos e privados. De acordo com especialistas, a se manter a tendência de alta das estatísticas vista nos dois primeiros meses do ano, o rombo causado pela dengue deve ultrapassar R$ 1 bilhão em 2016. O valor refere-se apenas aos cuidados com quem contrai o vírus e não inclui o gasto com o combate a criadouros do vetor.

O cálculo foi realizado pelo GLOBO a partir do número de casos contabilizados pelo Ministério da Saúde no governo Dilma Rousseff e com base numa estimativa do impacto econômico da dengue para o país, feita por pesquisadores de universidades do Brasil, dos Estados Unidos, do México e do Reino Unido. Apenas com o gasto de 2015 seria possível construir e equipar 180 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) ou comprar seis mil ambulâncias.

CUSTO DE US$ 174 POR PACIENTE

O estudo, publicado há seis meses no “PLOS Neglected Tropical Diseases’’ — o primeiro jornal de medicina dedicado exclusivamente a doenças tropicais pouco estudadas pela ciência —, mostra que o custo para a economia brasileira de um paciente de dengue, quando não há gravidade, é de US$ 174 (cerca de R$ 655). O valor leva em conta não apenas o dinheiro gasto com insumos médicos (soro e remédios para atenuar sintomas e exames de sangue), como também o custo de transporte e alimentação do doente e a perda de dias produtivos de trabalho ou, no caso de crianças, de escola.

Em 2013, os pesquisadores acompanharam mais de dois mil pacientes durante 15 dias ou até que eles estivessem totalmente recuperados da infecção. Dessa forma, puderam estimar quantos dias sofreram com a doença e quanto de recursos absorveram durante a enfermidade. A avaliação foi feita nas cinco regiões do país e considerou, além do gasto do Sistema Único de Saúde, o custo contabilizado pelos planos de saúde em caso de doentes que optaram pela rede particular.

Os gastos com a dengue Foto: Editoria de Arte do Globo
Os gastos com a dengue Foto: Editoria de Arte do Globo

— A dengue sai muito mais cara do que se imagina. Esse é o custo da reação, não da prevenção, já que não prevê o combate ao vetor. É óbvio que salvar uma vida humana não tem preço, mas, em termos de formulação de políticas públicas, esse é um custo muito alto e de pouco resultado futuro, já que não previne novas epidemias — afirma o médico epidemiologista João Bosco Siqueira Junior, do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás, um dos autores do estudo.

Nos municípios, o custo da dengue se traduz em problemas sérios para a população. A cidade de Londrina, no Paraná, enfrenta um surto tão severo da doença que quase todo o soro programado para ser comprado ao longo do ano já precisou ser usado nos dois primeiros meses do ano para tratar os pacientes. A prefeitura prevê gastar R$ 9 milhões com a dengue, 50% mais do que no ano anterior. No entanto, a arrecadação do município tem caído. É uma conta que não fecha. Resultado: o secretário de Saúde de Londrina, Gilberto Martins, teve que suspender a construção de duas UPAs que seriam implantadas na cidade este ano. Além disso, reduziu de 120 para 94 o número de equipes do programa de saúde da família.

— Infelizmente, não há planejamento orçamentário que resista a uma emergência como esta. O que era prioritário tem que deixar de ser para eu jogar todo o dinheiro na dengue. É um remanejamento que, caso a epidemia não diminua, vai atingir outras áreas da prefeitura — lamenta o secretário.

A situação de Londrina não é única. Municípios de médio e pequeno portes, em que a margem de manobra do orçamento tende a ser maior, têm sido forçados a cortar investimentos importantes e que farão falta a curto prazo. Em Presidente Prudente, no interior paulista, a prefeitura gastará quase o dobro do que empenhou em 2015 diante da crise de dengue. Os R$ 2 milhões que reforçaram o combate à doença poderiam custear a construção de pelo menos uma creche, que faz falta à população. Os hospitais da cidade de 240 mil habitantes entraram em colapso, tamanha a quantidade de pessoas procurando os serviços de emergência com sintomas da infecção.

COMPRA DE AMBULÂNCIA É CANCELADA

Diante da situação, o município teve que converter postos de saúde em prontos-socorros e reforçar a equipe de médicos, para dar conta dos sete mil pacientes que surgiram em menos de dois meses — três vezes mais do que o registrado em todo o ano passado. A compra de uma ambulância com UTI, prevista para fevereiro, que custaria R$ 140 mil, teve que ser cancelada.

— Precisávamos renovar a frota de ambulâncias, vidas dependem delas, mas não há como — diz Marcos Tadeu, secretário de Comunicação de Presidente Prudente.

Em Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, a secretária municipal de Saúde, Gessyane Paulino, se viu diante de uma escolha cruel: para atender algumas centenas de grávidas beneficiárias do Bolsa Família, que precisam de repelentes para evitar as doenças causadas pelo Aedes aegypti , ela precisou cancelar a contratação de uma equipe do programa de saúde da família que daria atenção básica a quatro mil pessoas por mês.

— O que eu posso fazer? O orçamento é limitado, e preciso ter prioridades. Se aumentarem os casos de microcefalia, vai ficar ainda mais difícil dar assistência à população — afirma Gessyane, que já contabiliza 90 bebês com suspeita de terem a má-formação.

No Rio, a Secretaria municipal de Saúde não informou os gastos com a doença, que registrou aumento de 442% nos primeiros dois meses do ano. No estado de Goiás, a abertura de seis centros de excelência para recuperação de dependentes químicos e de um hospital de emergência, prevista para este ano, foi adiada para 2017. O governo atribui à epidemia de dengue a drenagem de recursos que fez diminuir o ritmo das construções.