02/07/2015 19h51 - Atualizado em 03/07/2015 19h50

Matilde Campilho, musa da Flip, seduz com poesia e sotaque lusitano

Poeta portuguesa usa 'carioquês' nas falas e opta por voz nativa nos versos.
Mariano Marovatto, colega de mesa, diz que Rio atual vive na 'Idade Média'.

Cauê MuraroDo G1, em Paraty

02/07: Matilde Campilho fala sobre poesia na mesa 3 da Flip 2015 (Foto: Divulgação/Flip)02/07: Matilde Campilho fala sobre poesia na mesa 3 da Flip 2015 (Foto: Divulgação/Flip)

Parecia uma jovem carioca falando. Até que, antes de declamar o primeiro poema da apresentação, ela avisou: “Vou ler com o sotaque original”. E aí, pebolim virou algo como “pévolim”, e baleia saiu “baléia”. Era a poeta Matilde Campilho recitando seus versos com a pronúncia de nascença. Foi muito bem recebida: pelos versos de imagens fortes e metáforas e, claro, pela entonação lusitana. Teve gente na plateia que chorou.

 

Tida como revelação da lírica em língua portuguesa, Matilde nasceu em Portugal e passou três anos recentes no Rio – o que explica por que se sai bem no “carioquês”. Publicou um único livro, “Jóquei”, e posta “videopoemas” no YouTube. No fim da tarde desta quinta-feira (2), a candidata a musa da 13ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) dividiu a mesa chamada “A poesia em 2015” como brasileiro Mariano Marovatto. Meio tímido e mais discreto, ele se saiu bem ao se autodepreciar, brincando de criticar os livros antigos – menos o mais recente e outro sobre a Legião Urbana.

Matilde ganhou muitos aplausos, nas leituras e nas falas convencionais. “A gente está aqui, com pessoas lindas, mas o mundo está todo arrebentado, aqui, na Europa, na Síria. Está tudo difícil”, comentou, meio que justificando a necessidade da poesia (ela diz que coloca “poeta” ao preencher fichas de hotel).

“É preciso, sim, desenhar, é preciso fazer canções. A poesia, a música uma pintura, isso não salva o mundo, mas salva o minuto. E é suficiente. A gente está aqui para dançar um pouco sobre os escombros. O cirurgião vai tentar salvar todas as vidas que puder. A gente vai poder salvar os segundos – da minha vida, da vida de todos meus amigos.” Foi bastante aplaudida.

Comentou ainda sobre as dificuldades de ser poeta em Portugal. “Poesia é uma palavra difícil, pesada, pelo menos no meu país”, afirmou. “Por quê? Porque tem Camões, porque tem Pessoa. A gente é só criança brincando no ‘play’.”

‘Rio na Idade Média’
No final da conversa, o mediador do encontro, o também poeta Carlito Azevedo, pediu que os jovens poetas opinassem sobre o que ele chamou de “onda de conservadorismo crescente no Brasil”.

Mariano Marovatto mostrou os dizeres de sua camiseta, “publish or perish” (em português, publique ou morra, na tradução dele próprio). A frase, o poeta explicou, é de Julian Assange, fundador do WikiLeaks.

“Eu não sei o que dizer deste momento tenebroso, de Idade Média, no Rio, no Brasil. É triste, eu não consigo dizer nada, a não escrever um livro sobre pessoas positivas, a Legião e o Renato Russo”, disse. Em seguida, citou a aprovação da redução da maioridade penal pela Câmara dos Deputados na noite desta quarta-feira. “Fiquei muito triste com a coisa da Câmara fazer esta manobra absurda. Espero que esses pastores saibam que agora, aos 16 anos, as filhas deles vão poder ficar peladas na internet.”

Para encerrar, Matilde concordou, apesar de colocar que “Portugal é um país bem diferente daqui; une-nos a língua, mas é toda uma outra história”. Brincou, em seguida, que a religião diz “que religião fala ‘atire a primeira pedra quem nunca pecou’, mas o que acontece é que todo mundo acha que nunca pecou e está atirando pedra em todo mundo”.

“Quem tem tempo de ler poesia quando não tem pão? Eu faço silêncio. As pessoas estão de estômago vazio. Vai passar, mas até lá o cainho é todo entre veredas. Estamos juntos.”

 
 
 
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